Logo O POVO+
Maximiliano Ponte: Antissemitismo despudorado
Comentar
Opinião

Maximiliano Ponte: Antissemitismo despudorado

Judeus australianos não são o governo de Israel, são cidadãos exercendo, de forma pacífica, um direito elementar: viver e expressar publicamente sua identidade religiosa e cultural
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Comentar
Maximiliano Ponte
Médico-psiquiatra
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Maximiliano Ponte Médico-psiquiatra

Nós, judeus de todo o mundo, estamos celebrando Chanucá, uma festividade que celebra a resistência à assimilação forçada e o direito de manter a própria identidade religiosa e cultural e que, neste ano, ocorre entre 14 e 22 de dezembro. Entre suas tradições centrais está o acendimento público de velas. Famílias as colocam à janela, voltadas para fora, e comunidades reúnem-se para acendê-las publicamente, mundo afora, como uma afirmação visível de existência, memória e continuidade.

Neste Chanucá de 5786 (2025), no pogrom de Bondi Beach, na Austrália, o antissemitismo, como tantas vezes ao longo da história, também acendeu suas velas publicamente. Fez isso de forma aberta, tanto por meio da violência explícita - com a morte de pessoas pelo simples fato de serem judias - quanto, de modo mais insidioso, pela justificativa despudorada que responsabiliza as próprias vítimas, enquanto grupo, transformando a agressão sofrida em culpa.

Em vez de uma condenação inequívoca dos agressores, multiplicaram-se explicações: o governo israelense, a guerra em Gaza, a complexa geopolítica do Oriente Médio. Essa lógica é eticamente insustentável. Judeus australianos não são o governo de Israel, não são suas forças armadas, nem extensões simbólicas de disputas geopolíticas. São cidadãos exercendo, de forma pacífica, um direito elementar: viver e expressar publicamente sua identidade religiosa e cultural.

Isso ocorre em um momento da história humana em que, ao menos em tese, já não há abrigo na civilidade para discursos que justificam a violência contra minorias, responsabilizando-as pela agressão sofrida. Não se aceita - pelo menos não publicamente - o discurso de que mulheres sejam violentadas por estarem sozinhas à noite ou por usarem determinadas roupas.

Tampouco se admite, no espaço público legítimo, o discurso de que pessoas LGBTQIA+ devam ser agredidas por demonstrarem afeto em público ou por expressarem sua identidade. Pessoas podem pensar dessa forma e até defendê-la em ambientes privados, mas sabem que sua enunciação pública tende a ser recebida com descontentamento tácito ou com oposição firme e imediata. Não é correto, não é ético, não é justo, não é intelectualmente válido responsabilizar a vítima pela agressão sofrida. Nunca. Ou melhor, quase nunca.

No caso do antissemitismo, esse constrangimento frequentemente desaparece. Torna-se socialmente tolerável - e até intelectualmente aceitável - sugerir que a violência contra judeus se explica por seu comportamento coletivo, por sua identidade ou por uma associação imaginada com um Estado, um governo ou um conflito. Quando se trata de judeus, pode.

Essa é mais uma vela acesa publicamente pelo antissemitismo, neste Chanucá.

O que você achou desse conteúdo?