Logo O POVO+
Maria Juraci Maia Cavalcante: Chico Diaz, um ator de teatro
Comentar
Opinião

Maria Juraci Maia Cavalcante: Chico Diaz, um ator de teatro

Fortaleza foi brindada com um espetáculo de indubitável qualidade, que certamente marcará a história do teatro no Ceará, até porque foi fecho de um grande encontro, o XVI Festival de Teatro de Fortaleza
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Comentar
Juraci Maia Cavalcante. Socióloga e professora aposentada da UFC. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Juraci Maia Cavalcante. Socióloga e professora aposentada da UFC.

Fui assistir “A Lua Vem da Ásia”, peça baseada na obra de Campos de Carvalho (1956), encenada por Chico Diaz, na noite da última sexta-feira, no teatro São José, em Fortaleza. Não foi a primeira vez que pude apreciá-lo, pois conheço a atuação dele no cinema, no teatro e na televisão, ambientada, tanto no Brasil, quanto em Portugal. Se trata de um ator que sempre cresce com o que realiza, aprimora sua arte na mesma medida que o tempo passa. Voltei para casa com a imaginação a mil por hora.

Chico me fez chorar e rir, lembrar e esquecer. Estava ali diante de uma plateia teatralizada, um ator capaz de adentrar-se em diversas camadas e espirais complexas da dramaturgia. Sozinho no palco, a carregar, em cadência desafiadora de um monólogo instigante, vozes e pensares de milhares de indivíduos, encarcerados nos dilemas da vida e da morte, da fala e da escrita, da reclusão desesperadora e da liberdade.

Chico encarna um personagem que inventa a si mesmo e tudo que o rodeia, que apaga barreiras entre fantasia e realidade, mundo onírico e da vigília, medo e ousadia de viver. À medida que anuncia seu delírio alucinante, consegue sugerir cenários variados, que vão de um quarto de hotel, a um hospital psiquiátrico, de um rio parisiense a ilhas, de noites chuvosas a oceanos e cidades dos mais distantes quadrantes do globo.

Sendo tão inquieto, ele não para de sugerir rotas, arquiteturas, sentimentos, viagens incessantes no tempo e no espaço, com a ajuda de jogos da memória e do esquecimento, que o atiram da infância para o fim próximo da vida, da perda dos sentidos ao choque da razão que se nega a deixar de operar, mesmo quando perguntas mais densas começam a lhe rondar a alma que teme perder-se de si mesmo e de cessar a vida. Chico não é apenas um ator solitário no palco.

Ele encarna uma tropa inteira de gente precisada de escuta. Aborda temas politico-existenciais de extrema atualidade, quando o espectro de um horripilante neofascismo ronda o mundo em que vivemos! As palavras não serão suficientes para dizer da exuberante e surpreendente criatividade cênica, interpretativa e narrativa de Chico Diaz, envolto, em corpo e alma no drama criado por Campos de Carvalho, no ambiente político claustrofóbico do Fascismo/Integralismo denunciado e vivido por aquele Autor, e em sintonia com os dilemas humanos, genocidas e desumanizadores do nosso tempo.

Tivemos ali uma demonstração criativa, apaixonante e impactante do poder do teatro como expressão e linguagem artística. Chico Diaz nos ofereceu uma grande Aula de dramaturgia, que deixa claro ser a inteligência natural infinitas vezes superior ao mimetismo capenga da propagada IA.

Fortaleza foi brindada com um espetáculo de indubitável qualidade, que certamente marcará a história do teatro no Ceará, até porque foi fecho de um grande encontro, o XVI Festival de Teatro de Fortaleza, o qual se debruçou sobre as possibilidades ilimitadas desse fazer artístico.

 

O que você achou desse conteúdo?