Quantos corpos femininos serão necessários para qualificar uma sociedade como violenta, misógina, machista, cruel e injusta? Quantos órfãos do feminicídio serão necessários para que se entenda que o problema da violência contra a mulher é um problema de homens e mulheres? Quando discutiremos sobre a onda crescente de masculinidade tóxica que tem sido retroalimentada por argumentos mal elaborados de uma ideologia conservadora em voga, no país?
Os últimos dois meses do ano estão fazendo valer a afirmativa da Ministra Carmen Lúcia - não existe sociedade justa com uma mulher morrendo a cada 6 horas. Entre 21/11 e 4/12, uma sequência de atos violentos contra a mulher explodiram na mídia, expondo a realidade dramática do país.
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública o feminicídio aumentou em 2024 e, de janeiro a setembro de 2025, mais de 2,7 mil mulheres sobreviveram a ataques com intenção de matá-las, embora outras 1.075 tenham morrido.
A resposta institucional passa pelo aumento do controle criminal e não é tão eficaz quanto à destinação de orçamento para políticas públicas mais efetivas. Seguimos nossas vidas, contemplando essas notícias com algum estranhamento, aliviados porque o fato não aconteceu conosco.
Observadores externos se apressam em lançar dúvidas sobre a palavra da vítima. Admiram-se, procurando encontrar elementos para explicar a conduta do abusador ou atrasar providências institucionais cabíveis. Acostumamo-nos a desdenhar os pequenos gestos de violência ou a reagir com um susto contido e passageiro, deixando a vida seguir sem que esses fatos registrem qualquer memória.
Afinal, os nomes de mulheres estampados na mídia ou nos inquéritos não são de nossas mães, irmãs ou filhas. Deu-se o que Hanna Arendt nominava como "a banalização do mal". Com tristeza relembro a frase de Martin Luther King: "O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons".
Onde está a espiritualidade dos cristãos que já somam a maior parte do povo brasileiro? Onde estão os defensores da família? Precisamos reconhecer que o comportamento violento contra a mulher precisa ser enfrentado com a participação ativa dos homens - edificar uma nova masculinidade.
Sem o comprometimento deles não alcançaremos a igualdade tampouco nos livraremos da iminente ameaça do ataque. Enfileirem-se conosco, porque vocês são pais, irmãos e filhos. Não é suficiente não bater, humilhar, constranger, seviciar ou inferiorizar. Se você presencia qualquer episódio de violência moral, psicológica, patrimonial e não se pronuncia, você é cúmplice social. Se assiste aos noticiários e não encontra uma forma de se insurgir contra esse estado de coisas, você é cúmplice social.