A movimentação da cocaína entre o Brasil e a Europa tem até números absolutos idênticos, em relação a volumes apreendidos. A diferença recai no recorte temporal. As apreensões em portos brasileiros somaram 200 toneladas no período de pouco mais de quatro anos, como mostrou O POVO em série de reportagens. No continente europeu, a quantidade de cocaína tomada dos traficantes foi a mesma — pouco mais de 200 toneladas —, apenas no intervalo de um ano. A cifra inclui tanto as operações pelo mar, quanto as terrestres ou por via aérea.
O relevante do dado é o interesse das organizações criminosas em transportar grandes quantidades da droga desde as regiões produtoras (Bolívia, Peru e Colômbia), onde o quilo custa de US$ 800 a US$ 1.500 (de R$ 4.000 a R$ 7.000 em valores convertidos), até os principais centros da União Europeia, em que a quantidade pode chegar a US$ 40 mil (R$ 192 mil) ou mais, dependendo do país-destino. Em Portugal, o quilo da cocaína custa cerca de US$ 35 mil (R$ 168 mil).
É em Lisboa, capital portuguesa, que está sediada a principal central de operações e estratégias da Europa para o combate ao narcotráfico pelo mar. O Centro de Análise e Operações Marítimas - Narcóticos, que usa a sigla MAOC-N (Maritime Analysis and Operations Centre - Narcotics), reúne o trabalho de sete países para compartilhar informações e recursos contra a atuação criminosa: Portugal, Espanha, França, Itália, Países Baixos (Holanda), Reino Unido e Irlanda.
Artur Vaz, diretor da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes Algo que causa estupefação; termo mais comumente usado em Portugal para denominar entorpecentes (UNCTE), da Polícia Judiciária Portuguesa — equivalente à Polícia Federal no Brasil —, garante que seu país não é a principal porta de entrada da cocaína para a Europa, mas um ponto de trânsito dos entorpecentes que circulam na região. Compara ao próprio Brasil, que se destaca muito mais como rota de passagem, apesar do grande mercado consumidor interno. Segundo ele, Países Baixos e Bélgica são destinos mais procurados pelas quadrilhas
Ele confirma que o modal marítimo é também o mais acionado pelos traficantes em território português. Das 16,5 toneladas de cocaína apreendidas no ano passado em Portugal, mais de 14,5 toneladas foram associadas a tráfico pelo mar. Neste ano, segundo ele, foram 11 toneladas do pó descobertas nas várias modalidades, sendo 10 toneladas flagradas em associação com o tráfico marítimo. No país europeu, há uma unidade dentro da Polícia Judiciária que atua exclusivamente em operações contra os narcotraficantes do mar.
Ao O POVO, Artur Vaz descreve as preocupações da polícia portuguesa com a distribuição de cocaína que zarpa dos portos brasileiros — apesar de haxixe e maconha serem drogas até mais consumidas. Confirma que há rotas, partindo de Equador e Costa Rica, além da Colômbia, que têm sido relevantes no volume de pó da América Latina enviada para a Europa. Reforça que diariamente há prisões de "mulas", ou "correios humanos", como são chamadas as pessoas usadas pelas quadrilhas para transportar drogas por via aérea — a maioria delas de nacionalidade brasileira. A única pergunta que o diretor da UNCTE não quis comentar mais detidamente foi sobre o avanço da facção brasileira PCC em solo português, mas ressaltou que a tomada de decisões da organização criminosa não é feita de lá.
O POVO - No Brasil foram 200 toneladas de cocaína apreendidas em pouco mais de quatro anos, nos portos nacionais. Há uma grande quantidade de droga que sai do Brasil para a Europa e tem Portugal como uma das rotas de passagem. Como a Polícia Judiciária portuguesa trata a questão?
Artur Vaz - É uma pergunta muito abrangente, a forma como abordamos esse fenômeno. Eu procuraria fazer um enquadramento para depois partir a explicar o que nós estamos fazendo ao longo dos últimos anos. De fato, as grandes quantidades de cocaína, de acordo com os dados que nós temos, são, há muitos anos, tradicionalmente transportadas desde os locais de produção aos de destino, por via marítima. Nomeadamente para a Europa. As grandes quantidades de cocaína que chegam na Europa vêm de fato por via marítima. Dentro da via marítima podemos diferenciar vários modais, como vocês dizem aí no Brasil. Temos a parte dos contentores (contêineres). Está chegando muita droga. As organizações criminosas estão enviando muita droga com o recurso dos contentores, carga contentorizada. O que acontece? As mercadorias transportadas por contentores têm vindo a aumentar ao longo dos anos e as organizações criminosas têm parasitado esse tipo de transporte.
Pelos dados que nós dispomos, o maior volume de cocaína é transportado através de contentores. Em navios que, na maior parte das vezes, não têm qualquer conhecimento da carga que é transportada no interior dos contentores. Temos também o transporte através de pesqueiros, através de rebocadores de alto-mar, através até de submersíveis. Nós já tivemos aqui na Europa recentemente dois casos. Um em 2019 e outro já este ano. Não para a costa portuguesa, mas para a costa da Península Ibérica. No caso, embarcações submersíveis. Não são submarinos propriamente ditos, mas embarcações que se designam de semissubmersíveis. Ou seja, que à altura d'água têm apenas uma pequena estrutura. O grosso navega debaixo d'água. Portanto, são de difícil detenção por parte das autoridades. E é toda esta panóplia (variedade) de transportes que as organizações criminosas utilizam.
O POVO - O que as autoridades portuguesas, e Polícia Judiciária, tem feito para esse tipo de tráfico?
Artur Vaz - Portugal é o ponto mais ocidental da Europa. Tem uma grande exposição em termos de costa. Também temos alguns portos marítimos, embora os portos portugueses sejam de dimensão bastante reduzida, se comparados com outros portos europeus. Em volume de mercadorias, é muitíssimo menor. Portugal, em articulação com autoridades nacionais e também de outros países, tem vindo dar atenção máxima a esse fenômeno nos últimos anos. Nós de fato temos feito apreensões em contentores e também acertado em alto-mar o apoio das nossas Forças Armadas, Marinha e Força Aérea, abordando embarcações que transportam drogas. Relativamente a esta questão do tráfico por via marítima, é importante também sublinhar que em Lisboa existe um Centro de Operações Marítimas, designado, precisamente, a um combate reforçado ao tráfico de drogas pelo mar. Chama MAOC-N, Maritime Analysis and Operations Centre - Narcotics (Centro de Análise e Operações Marítimas - Narcóticos), que é uma iniciativa de sete países europeus: Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Reino Unido e Irlanda. Foi criado em 2007 e tem por objetivo o reforço no combate ao tráfico de drogas por via marítima. Esse Centro é de partilha de informações e também de meios aeronavais para o combate ao tráfico marítimo. Não abrange a parte de contentores, mas na modalidade dos diversos tipos de embarcações que podem transportar as drogas.
O Brasil, através da Polícia Federal, tem uma colaboração muito estreita com isto que estamos vindo a fazer. Posso dizer-lhe que, em quantidades de cocaína apreendida ao nível da União Europeia, ultrapassaram-se as 200 toneladas no ano de 2022. Em toda a Europa.
OP - O Brasil é envolvido de que forma nesse projeto?
Artur Vaz - O Brasil, através da Polícia Federal, tem uma colaboração muito estreita com isto que estamos vindo a fazer. Posso dizer-lhe que, em quantidades de cocaína apreendida ao nível da União Europeia, ultrapassaram-se as 200 toneladas no ano de 2022. Em toda a Europa. As grandes apreensões neste momento são através de contentores. Nós temos alguns portos na União Europeia, na Bélgica e Holanda, que são os que têm maior expressividade em termos de apreensões. Estamos a falar de mais de 100 toneladas só nesses portos no ano passado.
OP - Curiosamente, a quantidade registrada na Europa, de 200 toneladas, é a mesma de apreensões feitas no Brasil.
Artur Vaz - Mas no Brasil falamos em quatro anos. Na Europa é num ano apenas. Mais de 200 toneladas.
OP - As toneladas recolhidas em um ano na Europa são somente apreensão do tráfico marítimo?
Artur Vaz - Não, não. Quando lhe disse mais de 200 toneladas na Europa são todos os países da União Europeia e com todo tipo de tráfico de cocaína. É certo que o grosso dessas toneladas é pelo tráfico marítimo.
Portugal funciona também como um ponto de trânsito para entrada da droga na Europa. Mas naturalmente com uma dimensão diferente daquela que tem o Brasil. Nós temos aqui notado também um crescendo de indivíduos de nacionalidade brasileira, aqui em território nacional, envolvidos em questões de tráfico de drogas nomeadamente por recurso de contentores.
OP - Qual é a preocupação principal que vocês trabalham quanto a essa droga que sai a partir do Brasil para Portugal especificamente? Qual é a quantidade relacionada ao Brasil?
Artur Vaz - Tudo o que posso lhe dizer é que nós temos constatado, de fato, um aumento de relevância do território brasileiro como ponto de saída da droga para a Europa. Portugal funciona também como um ponto de trânsito para entrada da droga na Europa. Mas naturalmente com uma dimensão diferente daquela que tem o Brasil. O Brasil é um continente, como sabes. Nós temos aqui notado também um crescendo de indivíduos de nacionalidade brasileira, aqui em território nacional, envolvidos em questões de tráfico de drogas nomeadamente por recurso de contentores.
OP - Li reportagem de um portal português sobre a chegada da organização criminosa PCC em Portugal. As facções brasileiras estão instaladas aí no País, atuam de que forma em território português?
Artur Vaz - Eu não me pronuncio sobre facções criminosas em concreto. Aquilo que lhe posso dizer é que não posso afirmar se essa está mais ou está menos ou se sequer está instalada em Portugal. O que lhe posso dizer é que de fato esse tipo de crime, o tráfico de cocaína, é normalmente controlado por organizações criminosas. Aquilo que nós constatamos aqui em Portugal é que as organizações criminosas que praticam esse tipo de tráfico, por regra, não têm os seus centros de decisão aqui em Portugal. Ou seja, têm algum apoio logístico aqui para fazerem transitar a droga por aqui, mas os centros de decisão não estão instalados aqui em Portugal.
OP - O senhor acredita que as apreensões nos portos representam quanto em relação ao que circula de fato dentro do tráfico marítimo e do mercado da droga?
Artur Vaz - Olha, nós temos que ser objetivos nessas coisas. Nós não temos dados que nos permitam dizer que são 30%, 50% ou 60%. Não temos essa informação. Aquilo que lhe posso dizer com garantia é que de fato é a maior parte. Não temos uma ideia concreta se é algo muito expressivo. O que posso dizer é que é uma parte e que naturalmente há droga que passa e que as autoridades não conseguem controlar. Há autoridades que fazem estimativa. Nós não temos dados que nos permitam fazer uma estimativa concreta de quanto as apreensões representam em relação ao volume total do tráfico. Não temos essa informação que nos permita dizer com algum rigor. E mais, posso lhe afirmar que é muito difícil alguém fazer esse tipo de afirmação.
OP - Como são definidas as estratégias na Europa, e em Portugal, de combate ao tráfico de cocaína pelos portos?
Artur Vaz - O que posso dizer é que é um trabalho em rede, em cooperação. Quer em nível interno, com outras entidades públicas portuguesas, também com o setor privado, e, pois também, muito em cooperação com as autoridades de outros países e com algumas organizações internacionais. É a melhor forma que nós temos de enfrentar esse tipo de criminalidade. Isoladamente não conseguimos fazer com sucesso. Portanto, o que nós procuramos aqui é ter uma articulação muito forte a nível interno para tentar as situações, depois iniciarmos as investigações dessas situações. E depois também em cooperação com as autoridades de outros países, porque esses casos têm sempre conexões noutros países. E nós temos aqui em Portugal, por regra, que essa droga nunca se destina exclusivamente para Portugal. Ou seja, Portugal é um ponto de trânsito, de entrada da cocaína, nomeadamente, para a Europa. Mas não é, como às vezes colegas seus dizem por aqui, que Portugal é a principal porta de entrada. Isso não é verdade, muito longe disso. Há outros pontos na Europa que têm outra relevância que não tem Portugal.
... a nossa principal estratégia é de alianças, de partilha de informação e trabalho. E em termos internos, do que procuramos fazer nas nossas investigações, a Polícia Judiciária tem equipe especializada só para a investigação do tráfico de drogas. Mas, dentro do trabalho contra o tráfico de drogas, aqui em Lisboa temos uma equipe que só faz investigação do modal marítimo.
Em qualquer das formas, Portugal é o país mais ocidental da Europa. Está aqui muito exposto a esse fenômeno por sua linha de costa. E não relativamente à cocaína, mas ao haxixe e à maconha. Aliás, o haxixe é a droga mais consumida na União Europeia, que é uma forma de cannabis. Mais até que a cocaína. (Haxixe) Não é muito típico no Brasil, embora também haja seu consumo. Nós estamos aqui muito próximos do principal produtor mundial desse tipo de droga, que é Marrocos. Fica muito perto de Portugal. Por essa via, a Península Ibérica também é afetada como ponto de trânsito desse tipo de droga. Mas repito, a nossa principal estratégia é de alianças, de partilha de informação e trabalho. E em termos internos, do que procuramos fazer nas nossas investigações, a Polícia Judiciária tem equipe especializada só para a investigação do tráfico de drogas. Mas, dentro do trabalho contra o tráfico de drogas, aqui em Lisboa temos uma equipe que só faz investigação do modal marítimo. É uma especialização dentro da especialização que temos na Polícia Judiciária.
OP - Como é o trabalho dessa equipe especializada?
Artur Vaz - Ela só trabalha casos exclusivamente de tráfico marítimo. Não faz mais nada. São necessários conhecimentos técnicos muito próprios. E decidimos já há alguns anos criar uma equipe que só trabalha nessa área. Procuramos muito também, para além de apreender a droga, atacar os traficantes pela parte econômica. Isso também é muito importante. Atacá-los por aí, retirar, apreender os bens, descapitalizar as organizações criminosas. Isso no fundo é genericamente o que podemos dizer que é a nossa estratégia de combate a esse fenômeno.
OP - Publicamos, dentro da série de reportagens sobre o tráfico pelos portos, a modalidade de inserir a droga no casco dos navios, no alçapão, na caixa de mar. Isso também tem sido comum em registros de apreensões em Portugal?
Artur Vaz - Nós temos tido alguns casos e esse tipo vem crescendo. Nós chamamos aqui normalmente de “torpedos”. São dispositivos parasíticos que são acoplados nos cascos dos navios ou que vêm na caixa do leme, o que é chamado “sea chest” dos navios. Mas normalmente acoplados nos cascos, tipo um torpedo ou outro dispositivo, na entrada do qual vêm algumas dezenas ou por vezes centenas de cocaína. Torpedos porque inicialmente eles tinham formas tubulares que se assimilavam (ao armamento).
OP - A quantidade apreendida associada a essa modalidade tem sido relevante nos portos portugueses, ou ainda são casos pontuais?
Artur Vaz - Comparando com os dados que nós temos, são casos que não diria pontuais, mas não são tão expressivos como em outras modalidades. As quantidades transportadas são significativamente menores.
No ano passado, aqui em Portugal, nós apreendemos qualquer coisa como 16,5 toneladas de cocaína. Pelo que tenho aqui de cabeça, mais de 14,5 toneladas no modal marítimo. Neste ano (2023), nós já tivemos qualquer coisa como 11 toneladas, sendo mais de 10 toneladas pelo modal marítimo.
OP - O senhor falou das mais de 200 toneladas de cocaína apreendidas na Europa toda, nas diversas modalidades de tráfico. Em Portugal, especificamente, qual é a quantidade associada ao tráfico marítimo?
Artur Vaz - No ano passado, aqui em Portugal, nós apreendemos qualquer coisa como 16,5 toneladas de cocaína. Pelo que tenho aqui de cabeça, mais de 14,5 toneladas no modal marítimo.
OP - E em 2023?
Artur Vaz - Neste ano, nós já tivemos qualquer coisa como 11 toneladas, sendo mais de 10 toneladas pelo modal marítimo.
OP - Na questão do tráfico marítimo, qual a preocupação da Polícia Judiciária de Portugal em relação aos navios que partem do Brasil, que é tido como principal ponto de saída da droga que chega na Europa?
Artur Vaz - Não sei dizer se neste momento o principal é o Brasil, porque esta é uma realidade que todo dia tem mudança. O Brasil de fato tem relevância, mas nós temos também alguns portos na Colômbia, na Costa Rica, no Equador. O Equador, neste momento, está a ganhar uma relevância muito grande. Está a vir muita droga para a Europa através do porto de Guayaquil (maior cidade equatoriana). Não sei dizer se é mais ou se é menos do que dos portos brasileiros. Naturalmente os portos brasileiros têm outra dimensão, nomeadamente o porto de Santos. Mas aquilo que nos preocupa essencialmente é o transporte através de contentores. E também, noutra medida, dos dispositivos parasíticos, os torpedos. Mas principalmente contentores.
OP - Quais são os portos em Portugal que mais registram apreensões?
Artur Vaz - Nós temos essencialmente três portos. Repito, nossos portos são de reduzida dimensão, comparados com outros portos internacionais. O maior porto que temos, de maior movimento, é o porto de Sines. Fica a 150 km ao sul de Lisboa. É um porto de águas profundas que virado para o Atlântico. É o que tem mais movimento, que tem sempre apreensões. Depois temos um outro porto aqui junto a Lisboa, o porto de Setúbal, que tem muito movimento não do Brasil diretamente, mais da Colômbia. Tem muito movimento de barcos porta-frutas, que chamamos de "bananeiros". Vêm diretamente da Colômbia ou da Costa Rica, que são sempre, digamos, origens de risco. E depois temos um porto no norte, que é o porto de Leixões, que serve à zona norte de Portugal e à zona da Galícia, na Espanha. São esses três portos que nos levantam mais preocupações. Juntamente com o de Lisboa, são os quatro portos de relevo que Portugal tem.
Temos aqui em Lisboa, todos os dias, chegando de 14 a 15 voos provenientes de diversas cidades brasileiras. Nomeadamente vários de São Paulo. São voos muito utilizados pelas organizações para enviarem “correios de drogas” (ou “correios humanos”), que vocês no Brasil chamam de “mulas”. Eles trazem dois, três, quatro quilos, mas muitas mulas trazem muita droga.
OP - Da cocaína apreendida, o senhor tem o percentual das quantidades que efetivamente passaram pelo Brasil?
Artur Vaz - Nós discriminamos a origem da droga. Mas é certo que do Brasil também vem muita droga por via aérea. Essa é outra questão que nós temos, o tráfico por via aérea. Na semana passada (entrevista feita dia 28 de julho) apreendemos cerca de duas toneladas de cocaína por via aérea. E aí a grande origem é, sim, o Brasil. Há muitas “mulas” (passageiros recrutados para transportar drogas no corpo ou em bagagens) que chegam. Temos aqui em Lisboa, todos os dias, chegando de 14 a 15 voos provenientes de diversas cidades brasileiras. Nomeadamente vários de São Paulo. São voos muito utilizados pelas organizações para enviarem “correios de drogas” (ou “correios humanos”), que vocês no Brasil chamam de “mulas”. Eles trazem dois, três, quatro quilos, mas muitas mulas trazem muita droga. Todos os dias aqui no Aeroporto de Lisboa há mulas presas. Atualmente, o grosso é de nacionalidade brasileira. No ano passado, foram apreendidas cerca de duas toneladas transportadas por via aérea. Esse é o nosso panorama em termos de tráfico. Naturalmente que o Brasil, como grande país, e temos consciência disso, é muito afetado por este fenômeno criminal do tráfico de cocaína, uma vez que tem fronteira com os principais produtores. As organizações aproveitam a divisão do território brasileiro. Como o Brasil tem muitas ligações para todo o mundo, utilizam o País para fazer chegar droga a todos os lugares.
OP - Diante do aumento da produção mundial de cocaína, e o tráfico marítimo como atividade criminosa muito consolidada e muito visada pelas autoridades, essa modalidade tende a aumentar ainda mais ou novos meios já estão sendo acionados pelos criminosos?
Artur Vaz - Se vai aumentar, depende das oportunidades que o crime organizado tenha. Aquilo que posso lhe dizer é que as autoridades estão cada vez mais atentas e têm feito apreensões cada vez mais significativas neste modal. O que é normal é que as organizações procurem outras formas, que elas vão se adaptando. À medida que há uma reação das autoridades com eficácia em determinadas áreas, elas mudam, arranjam outras formas. O que é natural é que procurem diversificar rotas, modus operandi, fruto da atuação das autoridades. É um jogo do gato e do rato, como costumamos dizer.
Artur António Carvalho Vaz, 56 anos, é diretor da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE) desde 2018. Já chefiou várias seções operacionais, incluindo a Coordenação de Investigações Criminais e o setor de combate ao branquamento de capitais (lavagem de dinheiro). Está na Polícia Judiciária de Portugal há três décadas.
O haxixe, derivado da canabis, é a droga mais apreendida em Portugal. A cocaína é a segunda, conforme o Relatório Anual 2022 da UNCTE: - Haxixe: 23.375 kg em 4.745 ocorrências - Cocaína: 16.533 kg em 2.008 ocorrências - Maconha (liamba): 1.157 kg em 1.026 ocorrências.
A via marítima, mesmo com apenas 1,3% dos casos (26 ocorrências), representa 88,1% (14.559 kg) do total apreendido pela PJ em Portugal. Os relatórios completos de 2011 a 2022 da UNCTE podem ser acessados em https://www.policiajudiciaria.pt/uncte/
Feita por videoconferência, a entrevista foi realizada nos dias 27 e 28 de julho. Precisou ser complementada por falhas de conexão. Vaz apenas solicitou que suas imagens no vídeo não fossem reproduzidas no conteúdo online.