Em um dia repleto de declarações polêmicas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi morto por integrantes da Ação Popular, grupo do qual fazia parte e que era de oposição à Ditadura Militar.
"Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz", disse, em uma live nas redes sociais, enquanto cortava o cabelo. "Não foram os militares que mataram ele não, tá? É muito fácil culpar os militares por tudo que acontece", completou.
O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, disse que tudo não passou de opinião pessoal. "Como ele disse na live, ele fez contato com algumas pessoas na ocasião, conheceu do tema, na ocasião, e foi a partir desse contato que ele expressou a sua opinião", disse Rêgo Barros.
Mais cedo, em entrevista para jornalistas, o presidente disse que poderia detalhar a forma como Fernando desapareceu durante a Ditadura. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade". Preso pelas forças de segurança do Estado, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, à época funcionário público e estudante de Direito, é considerado desaparecido até hoje.
A fala do presidente durante o corte de cabelo também foi de ataque ao grupo do qual Fernando fazia parte: "o mais sanguinário que tinha", avaliou. O chefe do Executivo nacional também defendeu as Forças Armadas brasileiras: "Se os militares eram tão maus assim, por que entregamos o poder em 1985 à oposição?".
As declarações ocorreram cinco dias após a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao Governo, emitir uma retificação no atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, na qual reconhece que sua morte ocorreu "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro"
A live de Bolsonaro surgiu como tréplica a Felipe Santa Cruz, que divulgou nota afirmando que Bolsonaro possui traços de caráter grave como "crueldade" e "falta de empatia". Felipe disse, também, que o presidente debochou do assassinato de um jovem de 26 anos e que estranha "tal comportamento em um homem que se diz cristão".
Ao citar a recente morte da avó, que morreu aos 105 anos sem saber como o filho foi assassinado, Felipe Santa Cruz cobrou explicações: "Se o presidente sabe, por 'vivência', tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais 'desaparecidos', nossas famílias querem saber".
A OAB divulgou nota de repúdio às declarações de Bolsonaro e lembrou que todas as autoridades, incluindo o presidente, devem obediência à Constituição Federal, que tem entre seus fundamentos "o direito ao respeito da memória dos mortos". Ao fim da tarde, assessoria do órgão informou que Felipe Santa Cruz vai interpelar Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o ex-delegado do DOPS/ES, Cláudio Guerra, disse, em julho de 2014, que o corpo de Fernando Santa Cruz foi transportado da Casa da Morte, centro clandestino de tortura criado pelos órgãos de Governo, em Petrópolis (RJ), para a Usina Cambahyba, no norte fluminense, onde teria sido incinerado, junto aos corpos de outros militantes contrários ao regime.
Diretora-executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, em nota enviada ao O POVO, declarou que "é terrível que o filho de um desaparecido pelo Regime Militar tenha que ouvir do presidente do Brasil, que deveria ser o defensor máximo do respeito e da justiça no País, declarações tão duras" (com agências).
CONTEXTO
O pai de Santa Cruz foi lembrado após Bolsonaro dizer que a OAB impediu a PF de acessar o celular do advogado de Adélio Bispo, autor da facada quando era candidato.