Três dias após o afastamento de Wilson Witzel (PSC), o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), e a família Bolsonaro explicitaram um processo de aproximação. Castro anunciou ontem ter conversado por telefone com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
O Rio depende da União para assuntos como o Regime de Recuperação Fiscal, que precisa ser renovado esta semana para garantir o funcionamento da máquina do Estado. Já a família do presidente quer ter influência no Palácio Guanabara.
Até dezembro, o governador terá que escolher o novo chefe do Ministério Público Estadual. A nomeação do novo procurador-geral de Justiça é considerada de interesse do clã Bolsonaro, já que a escolha pode influenciar, por exemplo, o andamento da investigação do esquema de "rachadinha" (apropriação do salário de servidores) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) - que alcança o antigo gabinete de Flávio Bolsonaro.
Até agora, o MP tem se mostrado alheio a esse tipo de interferência política. O atual chefe da Promotoria, Eduardo Gussem, é tido como um chefe que dá autonomia aos diferentes grupos de promotores.
Listen to "Jogo Político" on Spreaker.
A Constituição do Rio estabelece que o procurador-geral de Justiça, obrigatoriamente, deve ser escolhido pelo governador a partir de lista tríplice formada por eleição por voto secreto entre os membros do Ministério Público com mais de dois anos de carreira. Tradicionalmente, o nome mais votado tem sido o escolhido.
Ontem, a defesa de Witzel entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter o afastamento determinado na sexta-feira, 28, pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O pedido, apresentado no sábado, foi distribuído ontem ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que pediu manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em linhas gerais, o recurso contesta o afastamento por meio de uma decisão monocrática.
As conversas entre o governo fluminense e o Planalto haviam cessado desde que Witzel e o presidente Jair Bolsonaro passaram a brigar publicamente, há pouco menos de um ano. O motivo foi a pretensão de Witzel ser candidato a presidente em 2022.
Ontem, no Twitter, Castro anunciou a reaproximação. "Recebi agora há pouco uma ligação do senador Flávio Bolsonaro, que se colocou à disposição para ajudar o Estado na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Diálogo! Todos pelo Rio!", escreveu.
Recebi agora há pouco uma ligação do senador @FlavioBolsonaro, que se colocou à disposição para ajudar o Estado do Rio de Janeiro na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Diálogo! Todos pelo Rio!
— Cláudio Castro (@claudiocastroRJ) August 31, 2020
O plano de recuperação do Rio completa três anos no próximo dia 5, e o governo fluminense luta para se manter no regime. Pelas regras, o Estado faz um plano de recuperação com uma série de medidas de ajuste fiscal, como elevação da contribuição previdenciária dos servidores. Em troca, o pagamento das dívidas com a União, ou garantidas por ela, é suspenso. O tema era tratado pelo secretário da Fazenda, Guilherme Mercês, sem a participação direta de Witzel.
Em nota, Flávio afirmou que o governador afastado "estava se recusando a reconhecer que o Rio não fez o dever de casa". "Parece que o Cláudio vai adotar outra postura, mais humilde, realista e colaborativa", disse.
Estancar as investigações sobre as "rachadinhas" não atenderia apenas à família Bolsonaro. No relatório inicial do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), 22 deputados estaduais tiveram movimentações atípicas identificadas e encaminhadas ao MP. Alguns casos já foram arquivados e um virou denúncia: o do deputado Márcio Pacheco (PSC), do partido de Witzel e Castro. O governador em exercício também foi alvo de mandado de busca e apreensão na última sexta-feira, mesmo dia em que Witzel foi afastado do governo.
Enquanto estiver como interino, Castro não deve promover mudanças expressivas na estrutura do governo. Ontem, após reunião com o secretariado, ele determinou a suspensão de todos os pagamentos, processos de compras e contratações com fornecedores do Estado para os próximos dez dias. Ele também definiu a criação de um "Comitê de Programação das Despesas Públicas", que vai analisar todos os gastos com valores iguais ou superiores a R$ 1,8 milhão.
Ontem, em entrevista à CNN, Witzel disse que Castro está "fazendo o papel dele" ao tentar se aproximar do Planalto. "Sempre estive à disposição do Governo Federal, nunca fechei as portas." Witzel também afirmou que não tinha a intenção de disputar a Presidência em 2022, contrariando declarações anteriores. "Meu objetivo era seguir junto e formarmos uma nova liderança política no País."
Na entrevista, ele afirmou que nomeou até dois secretários por indicação de Flávio. O senador retrucou, pelo Twitter, dizendo que não pediu nenhum espaço no governo estadual: "Além de traidor e psicopata, (Witzel) é mentiroso!"
Após apresentar o recurso no Supremo, o governador afastado tem até amanhã para apresentar sua defesa à comissão especial do impeachment da Alerj.