Os depoimentos de dois cientistas ouvidos nessa sexta-feira, 11, pela CPI da Covid devem reforçar os argumentos da comissão para responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pelo descontrole da pandemia. A microbiologista Natalia Pasternak e o médico sanitarista Cláudio Maierovitch apontaram consequências graves do chamado tratamento precoce contra a doença e de outras medidas defendidas pelo Palácio do Planalto que contrariam evidências científicas.
O uso da cloroquina é um dos principais temas abordados na comissão. Os dois especialistas ouvidos reforçaram que o medicamento não tem eficácia comprovada para curar ou reduzir os efeitos da Covid-19 em pacientes que contraíram a doença.
A CPI pretende responsabilizar integrantes do governo que tenham agido a favor desse tratamento. Além disso, os integrantes da comissão querem apontar um cruzamento ilegal de ganhos abusivos de farmacêuticas com a venda de remédios do chamado 'kit covid', como hidroxicoloquina e ivermectina.
Na fala inicial, a microbiologista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Natalia Pasternak adotou um tom crítico ao uso de medicamentos contra Covid-19. Ela indicou erros na defesa da cloroquina contra a Covid devido à falta de evidências científicas a favor do medicamento e afirmou que o fármaco nunca teve a probabilidade de funcionar contra a doença.
"Não funciona em células do trato respiratório, não funciona em camundongos, não funciona em macacos e também já sabemos que não funciona em humanos", disse, afirmando que foram esgotadas as opções de testes para o medicamento. "A gente só não testou em emas porque elas fugiram", ironizou Pasternak, em menção a um episódio em que Jair Bolsonaro foi fotografado correndo atrás do animal com uma caixa do medicamento.
Aliados de Bolsonaro apresentaram argumentos favoráveis ao uso do medicamento, mostrando dados de quem tomou e se recuperou da doença. Luiz Carlos Heinze (PP-RS) declarou que os médicos pró-cloroquina estavam sofrendo bullying.
Para os especialistas, porém, a correlação não significa que a cura foi efeito do remédio. "Para o momento, nós temos evidências suficientes para saber que a cloroquina não produz efeitos benéficos em relação à Covid-19", disse Cláudio Maierovitch, sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Os movimentos contra o isolamento social e o atraso na compra de vacina foram apontados como outras atitudes do governo que prejudicam o combate à pandemia. "Esse negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo mata", afirmou a pesquisadora.
A audiência ocorreu um dia após Jair Bolsonaro anunciar um estudo para desobrigar o uso de máscaras para quem se vacinou ou teve a Covid-19 no País, apesar de a pandemia ainda estar em descontrole. A tese foi rebatida pelos especialistas.
"A recomendação do uso de máscara é essencial enquanto se continua observando número de casos e óbitos, que é preocupante. Só podemos deixar de usar quando grande porção da população estiver vacinada e quando a curva nos disser que isso é seguro. Não temos nem que olhar percentagem de vacinados, mas a curva da Covid", disse a microbiologista.
Nessa sexta-feira, 11, Bolsonaro ajustou o discurso e disse que a decisão sobre dispensar ou não a máscara cabe a Estados e municípios. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou a necessidade de vacinar a população antes de orientar pela retirada da proteção facial.
A falta de coordenação nacional no combate à pandemia e a aposta na imunidade de rebanho foram classificadas como negligência do governo pelo ex-presidente da Anvisa.
"É uma atitude que, se a gente olhar do ponto de vista racional, é uma atitude suicida. As pessoas estão sendo impelidas a desejos suicidas", disse Maierovitch, defendendo a organização do plano de vacinação. "O plano de imunização que tivemos é um plano pífio."
Durante o depoimento, o médico sanitarista criticou o comportamento de colegas de profissão que integram o chamado 'gabinete paralelo' de assessoria a Bolsonaro em assuntos da pandemia. Sobre a médica Nise Yamaguchi, que à comissão negou fazer parte de um assessoramento "paralelo", Maierovitch disse ter ficado "espantado". "Fui colega de faculdade. Sabendo da experiência anterior, agora assumindo posições e defesa de atitudes anticientíficas, eu estranhei muito", afirmou o sanitarista.
Sobre o virologista Paolo Zanotto, Maierovitch fez as mesmas considerações e ainda pontuou que, apesar de o médico opinar com frequência sobre tratamento precoce, essa não é a área de estudo de Zanotto.
"Com todo respeito, ele é um biólogo, virologista, não foi formado para tratar pessoas", disse o médico. Ele ainda classificou o deputado e ex-ministro Osmar Terra (MDB-PR) como alguém hoje mais atuante na política do que na medicina.
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