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O voto antes da urna eletrônica
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O voto antes da urna eletrônica

Contagens e recontagens de votos, morosidade na apuração e candidatos questionando a lisura do processo eram comuns à época do voto impresso no Brasil
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Começa o período de campanha eleitoral (Foto: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/Agência Brasil)
Foto: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/Agência Brasil Começa o período de campanha eleitoral

Antes da urna eletrônica, alvo de questionamentos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e dos seus apoiadores, as eleições eram um desafio político, social e logístico ainda maior do que atualmente.

O envio de cédulas de papel às zonas eleitorais, as contagens e recontagens de votos, a morosidade na apuração e os candidatos questionando a lisura do processo eram comuns à época do voto impresso no Brasil. A realidade, no entanto, vem se aprimorando desde 1996, quando a digitalização passou a ser mais presente.

Uma Geração Z inteira nasceu depois disso. Se você, leitor, começou a votar já neste século, não precisou preencher uma cédula de papel para escolher seus candidatos aos cargos políticos. Acordou num domingo, votou em questão de minutos e à noite já sabia quem eram os eleitos. Já para todos os que votaram nas eleições presidenciais de 1989 e 1994, por exemplo, o processo foi bem mais lento e complicado.

Em junho de 1989, a previsão da Justiça Eleitoral para divulgar resultados da disputa presidencial (prevista para novembro) era de pelo menos 12 dias. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estipulou o prazo tanto para o 1° turno, quanto para um eventual 2° turno, que de fato ocorreu. 

“O TSE pretende anunciar 12 dias após a eleição de 15 de novembro o nome do candidato eleito Presidente da República (caso obtenha a maioria absoluta dos votos no 1° turno) ou o dos dois mais votados que disputarão o 2° turno, que será realizado em 17 de dezembro”, informava a edição do O POVO de 17 de junho de 1989. 

Outra questão que demandava tempo era a distribuição das cédulas eleitorais, sobretudo num país continental, como mostra reportagem do O POVO de 4 de outubro de 1989. Na ocasião, ocorria o despacho feito pelo TSE, via Correios, do primeiro lote de cédulas eleitorais (244 caixas com 19,2 mil cédulas cada) para estados do Norte e Nordeste.

“A distribuição das cédulas que começou ontem deverá durar 20 dias”, lia-se na matéria. Em 1989, os então candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello (PRN), disputaram um 2º turno em 17 de dezembro, mas a Justiça Eleitoral só decretou um vencedor cinco dias depois, ao emitir boletim que assegurava a vitória de Collor.

DEZEMBRO de 1989, resultado que dava a vitória a Collor era dado quase no Natal, uma semana após o dia da eleição

Havia ainda a disputa nos bastidores, após a votação e esta era uma verdadeira “batalha campal”, como relata, Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Ceará (OAB-CE), atuante em eleições desde 1989.

“Os políticos se digladiavam nas mesas de contagem. Questionavam se o ‘x’ estava marcado no local correto, apontavam supostos erros de escrita e numéricos: se o cinco era um três, se o nove era um quatro. Brigavam por cada voto”, lembra.

E segue: “Se tornavam brigas homéricas, vinham candidatos e um batalhão de advogados. Vi pessoas ligadas a um dos lados da disputa pegando cédulas propositalmente, amassando, rasgando, para tentar anular votos. Ocorriam muitas recontagens e até impugnações de urnas inteiras. Toda uma votação de 300 pessoas se perdia por conta de problemas na apuração. A diferença daquela época para hoje é brutal”, ressalta.

Na disputa presidencial de 1994, última sem o dispositivo eletrônico, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula eram os mais bem colocados segundo as pesquisas de boca de urna. FHC venceria a eleição com folga, no primeiro turno. Mas dois dias após a votação Lula ainda não admitia a derrota, como mostrou o O POVO em 5 de outubro daquele ano.

“O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, recusa-se a admitir a derrota e resolveu se calar até o avanço das apurações chegar a um ponto em que esteja garantida a vitória de FHC”, destacou a edição daquele dia. Na sexta-feira seguinte ao pleito, dia 7 de outubro de 1994, o TSE havia contabilizado pouco mais de dois terços (68,25%) dos votos para presidente.

Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público Eleitoral (MPE), Emmanuel Girão, que trabalhou como escrutinador na eleição de 1988, as urnas eletrônicas representam um grande avanço. Naquele ano, Girão conta que “demorou três dias para apurar os votos” e detalha a experiência que teve.

“Na apuração, a confusão era grande. Como tínhamos muitos analfabetos e idosos os números, às vezes, eram inelegíveis. Até nos votos para prefeito, onde se marcava um ‘x’, o eleitor marcava errado, ou marcava o ‘x’ fora do quadrado. Os advogados de candidatos disputavam tudo isso, se a marcação estava mais perto do quadrado de seus representados. Naquele tempo, o voto muitas vezes era anulado”, relata.

O promotor avalia que a maioria das pessoas que criticam as atuais urnas eletrônicas, “não conhecem o funcionamento do sistema” e destaca ainda que todas as fases do processo eleitoral são fiscalizadas pela OAB, pelo MPE, pelos próprios partidos políticos e por outros órgãos. “Os partidos confiam no trabalho da Justiça eleitoral, no MP, e nas demais autoridades competentes, tanto que não questionam os processos eleitorais”, conclui.

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