Quase cinco anos depois de sua última passagem pelo Ceará, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta ao estado nesta sexta-feira, 20. A visita faz parte de agenda do petista pelo Nordeste para definir articulações de olho nas eleições de 2022.
Em entrevista ao O POVO concedida por e-mail antes de sua chegada, o ex-presidente comentou as críticas sistemáticas do presidenciável Ciro Gomes (PDT) ao partido e a ele. "Ciro diz o que ele quiser, e eu digo o que eu quero. Quando um não quer, dois não brigam", respondeu Lula.
O ex-chefe do Executivo nacional evitou falar diretamente sobre a possibilidade de uma candidatura do PT ao Governo do Estado, mas apontou que as eleições ainda estão distantes.
Lula desembarca no Ceará depois de visitar Pernambuco, Piauí e Maranhão. Do estado, ele segue para o Rio Grande do Norte e finaliza o périplo na Bahia. É a primeira caravana do petista após o Supremo haver anulado suas condenações na Lava Jato e declarado a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
Na capital cearense, Lula se reúne hoje ainda com o governador Camilo Santana (PT). Amanhã, visitam juntos o Porto do Pecém. Ao lado do gestor estadual, deve discutir formas de compatibilizar os interesses e alianças do governador, principalmente com os Ferreira Gomes, e as estratégias do PT nos planos nacional e local.
Camilo defende uma composição com o PDT de Ciro e Cid Gomes, tese postulada por boa parte do PT cearense. Uma ala do partido, contudo, quer que a sigla apresente candidatura própria ao Governo em 2022.
Na entrevista, Lula também trata da reformulação do Bolsa Família pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e agenda marcada com dirigentes políticos do estado, como Eunício Oliveira (MDB).
O POVO: Para 2022, o senhor defende um palanque no Ceará com candidato do PT ao governo?
Lula: Eu estou visitando o Ceará para conversar com o governador Camilo, as lideranças do estado e saber dos desafios e visão de futuro que precisamos para o Ceará e para o Brasil. As eleições ainda estão longe, muita coisa ainda pode acontecer e é preciso primeiro ouvir as pessoas. A população brasileira hoje não está pensando em eleição. O povo está pensando em como vai comer, como vai ganhar o dia. Depois de termos praticamente eliminado a fome, hoje ela voltou e muita gente passa o dia lutando para ter algo para comer. O desemprego é imenso e a pandemia ainda não acabou. Os desafios de 2021 são uma preocupação maior que 2022, por mais que o ano que vem, e as eleições do ano que vem, sejam importantes para o Brasil voltar para um rumo correto, sensato, de democracia, desenvolvimento e inclusão social. Tem um caminho antes disso, cheio de desafios, inclusive porque Bolsonaro não tem apreço nenhum pela democracia e pela vida do povo brasileiro.
OP: Bolsonaro acabou com uma das marcas da gestão petista: o Bolsa Família. Como avalia essa decisão do presidente?
Lula: Ele não acabou com o Bolsa Família. Ele está tentando mudar o nome para se apropriar de algo que ele criticou sua vida inteira. Se hoje, pelo motivo que for, ele quer ampliar o programa e reajustar o valor do benefício, o que é necessário porque o preço dos alimentos subiu muito, isso é bom porque o Bolsa Família salva milhões de brasileiros da fome e ao longo dos anos manteve milhões de crianças estudando na escola. É necessário analisar todas as mudanças que ele propõe para ver se são sérias, se não vão destruir o programa como tudo que o Bolsonaro tem destruído ou danificado: o SUS; a política ambiental; a segurança pública, liberando armas; as universidades e tudo que ele tem prejudicado. O PT tem defendido um valor maior para o Bolsa Família, e o povo sabe quem criou o programa e que ele foi uma das medidas que fizemos para melhorar a vida do povo trabalhador. O Bolsonaro já desmontou a política de valorização do salário mínimo, segue retirando direito dos trabalhadores e reduzindo ou extinguindo programas como o Minha Casa Minha Vida e o Luz Para Todos. Ele acabou com os programas de apoio à agricultura familiar, à compra de alimentos e regulação de estoque e com isso o arroz, o feijão, dispararam de preço. Então o povo sabe como sua vida era melhor nos governos do PT, como prometeram que tudo ia melhorar se tirasse a Dilma e como, na verdade, tudo piorou nesses últimos cinco anos. O povo, ainda mais no Nordeste, sabe que o país precisa recuperar o rumo, a esperança e voltar a ter um governo que cuide do país, que dialogue com todos, mas em especial, tenha um cuidado maior com quem precisa mais de ajuda e oportunidade.
OP: Ciro tem feito críticas sistemáticas ao senhor e ao PT. Por que não tem respondido?
Lula: Eu não tenho respondido porque é um direito dele dizer o que ele quiser, eu não vou me preocupar em responder as agressões dele. Ele diz o que ele quiser, e eu digo o que eu quero. Quando um não quer, dois não brigam.
OP: Como o senhor avalia a situação do Eunício Oliveira e o PT? Ele hoje se recusa a apoiar candidato do PDT, mas tem ótima relação com o senhor e com o Camilo. Vocês têm conversado sobre 2022?
Lula: O Eunício Oliveira foi meu ministro, é alguém que eu conheço há muito tempo, foi um aliado durante minha presidência e é uma pessoa importante no Ceará e no Brasil. Eu quero, sim, conversar com ele, não necessariamente já sobre 2022, mas como tenho conversado com muita gente, em muitos estados e de muitos partidos, sobre a situação do Brasil.
OP: Como tem conduzido a escolha de possível vice para 2022? Qual perfil deve ter?
Lula: Eu nem defini que vou ser candidato ainda, nem estou conduzindo escolha de vice. Quem está conduzindo é a imprensa, que já inventou mais de 15 vices para mim, parece que vão fazer um Big Brother para escolher um vice. Eu tive o melhor vice do mundo, o José Alencar, que eu não conhecia, vi uma palestra dele, e quando terminou eu sabia que ele seria meu vice. E foi uma pessoa extraordinária, de uma lealdade e dignidade imensa. Quando eu definir se serei candidato, pelo fim desse ano ou começo do ano que vem, aí vamos começar a ver um bom nome para vice. Se tiver metade da qualidade que tinha o José Alencar, já será qualidade de sobra.