Ex-governador do Ceará. Depois de sete anos e três meses, será este o modo como identificar Camilo Sobreira de Santana ao final desta semana. O petista precisa se desincompatibilizar até sábado, 2 de abril, para estar habilitado a ser candidato em outubro. Ele já anunciou a intenção de concorrer a senador. A passagem de bastão para a vice-governadora Izolda Cela (PDT) não é só a continuação natural de um período de poder iniciado com Cid Gomes (PDT), em 2007. Mas o encerramento de uma era com marcas próprias e repleta de episódios firmados na história do Estado.
Em 28 de junho de 2014, a ideia era assistir pela televisão ao nervoso Brasil e Chile, pelas oitavas de final da Copa do Mundo. Mas Camilo foi chamado para a conversa que definiria como a grande aliança entre PT, o Pros, de Ciro e Cid, e mais 15 partidos iria para aquela disputa. Liderada por ele.
Na reunião do diretório estadual do PT, agradeceu repetidamente a José Guimarães (PT), àquele momento de semblante fechado, pelo recuo no projeto de disputar o Senado, como parte de um entendimento que reservou ao PT a "cabeça" da chapa majoritária. A escolha por um petista foi estratégica porque com isso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria impedido de gravar vídeos para a campanha do adversário Eunício Oliveira (MDB).
“Sei o que significou pra você esse recuo, mas às vezes a gente dá um passo pra trás, para dar dois pra frente”, disse Camilo na reunião, afirmando a Guimarães que a sigla e o povo do Ceará saberiam reconhecer a atitude "no futuro".
Os primeiros anos como governador foram de pouca influência nos rumos partidários. Queixas abertas, inclusive, de petistas que costumam lhe cobrar mais cara de... petista. O futuro reservaria uma ironia: a partir do segundo mandato, foi Camilo quem moldou o PT à sua feição.
O candidato que derrotou Eunício Oliveira (MDB) em 2014 não era muito além que um preposto de Cid Gomes. Diferentemente de 2018, quando reconduzido ao Abolição do alto de quase 80% dos votos, percentual que lhe conferiu peso político próprio e que começaria a lhe alçar à condição de político mais popular do Ceará, até mesmo que Ciro e Cid. Em dezembro do ano passado, pesquisa Opnus, contratada por O POVO, mostrou o governador com 78% de aprovação.
É uma realidade curiosa sobretudo se considerado o contexto em que se confirmou: o de muitas crises (veja linha cronológica). Em 2015, a seca no Ceará foi destaque na imprensa nacional e obrigou a administração estadual a montar plano de convivência com a falta d'água, principalmente no Interior. A economia nacional debilitada propiciaria as condições políticas para que a presidente Dilma Rousseff - do PT de Camilo e apoiada pelo grupo político dele — mal avaliada nas pesquisas sobre seu governo, fosse deposta no ano seguinte.
Em 2019, duas ondas de ataques de facções criminosas evidenciaram o problema da segurança pública no Ceará. Foram reação à nomeação de Mauro Albuquerque, um secretário linha dura, para comandar as penitenciárias.
"Eu penso que a maior marca da gestão Camilo foi a gestão de crises. Ele passou todos os sete anos gerindo crises", avalia o cientista político Cleyton Monte, pesquisador associado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC).
"Já chegou com crise no PT. Desde a redemocratização, existe um alinhamento entre o Governo do Ceará e o Federal. O Lucio Alcântara faz de tudo para se aproximar do Lula. Desde o governo Camilo você vê um desalinhamento entre o governo federal e o estadual. Crise na segurança pública, motim, crise econômica que impacta o estado, governo Bolsonaro, pandemia. (...) Ele tinha tudo para ser mal avaliado e não apresentar nada", segue Monte.
Segundo ele, porém, ao analisar dados é possível verificar os avanços. "Ele manteve investimento permanente em saúde, segurança e educação, que já vinha do Cid", diz Monte. A ressalva feita por Monte é de que foram poucos resultados na segurança. "A gente sabe que é o calcanhar de Aquiles".
O Ceará Pacífico não funcionou, ele entende: ler o programa é uma coisa, vê-lo na prática, outra. Mas Monte pondera que Camilo não se omitiu na área. Por exemplo, concorda com a tese de que o motim de parte da Polícia Militar do Ceará (PM-CE), em 2020, foi mais bem conduzido pelo governador do que o de 2012 por Cid Gomes.
Braço direito de Camilo desde o início da gestão, Chagas Vieira gerenciou a comunicação do governo e, na reta final, passou a chefiar a Casa Civil. Ele defende que a despeito das "muitas adversidades enfrentadas, num problema nacional", houve investimento forte na área, com a contratação de mais de 15 mil profissionais de segurança, construção de equipamentos e mudanças nas prisões.
"(...) ele conseguiu através de atitudes muito corajosas enfrentar esse problema do que vinha acontecendo nos presídios e fazer com que o sistema penitenciário hoje passasse a ser destaque em todo o País", ressaltou.
Chagas elege o motim de 2020 como o período mais difícil da gestão. "Acho que ele teve força, resiliência, de não se render àquela situação, de enfrentar. Acho que essa atitude dele foi importante para o País, porque, se ele não toma essa atitude, naquele momento esse movimento poderia ter se espalhado", analisa. No ponto máximo de estresse do levante policial, o principal aliado e senador, Cid Gomes (PDT), foi alvejado com dois tiros a bordo de uma retroescavadeira.
A Covid-19, aprofunda Chagas, demandou do petista firmeza e capacidade de conciliação "unindo todos os setores, todos os segmentos, montando comitês e não tendo medo de enfrentar os problemas, sempre zelando pela vida". Chagas reconhece que as decisões eram "antipáticas" e "impopulares", mas sempre com o objetivo de minimizar os danos.
Entre as realizações, o secretário destaca que 60% das escolas atuam em tempo integral, com plano estabelecidos e recursos assegurados para que a marca de 100% seja atingida até 2026. "Na saúde, eu destacaria a interiorização, a descentralização, antes só Fortaleza tinha equipamentos mais robustos de saúde. E aí houve uma ampliação muito grande e começou lá com o Cid com os hospitais de Sobral e do Cariri e ampliou-se muito para o Sertão Central", completou.
Pesquisador observa que tino político do governador construiu ampla maioria no Legislativo e foi capaz de administrar tensões político-partidárias
Extensas alianças eleitorais que na sequência se refletem no tamanho da base aliada na Assembleia Legislativa. O situacionismo é uma característica histórica da política cearense, como analisou em artigo no O POVO Cleyton Monte. Os irmãos Ferreira Gomes aprofundam a tradição, que na sequência é aperfeiçoada por Camilo Santana (PT). O governador maneja o Legislativo com facilidade. A oposição tem diferentes perfis, sendo numericamente incapaz de impor derrotas à gestão.
Cleyton Monte observa que Camilo tem forte capacidade para o diálogo, o que não significa dizer que sempre as demandas parlamentares serão atendidas ("gestão pública não é assim"), mas que as portas estarão abertas para a conversa.
A palavra "diálogo" é presença frequente no discurso de Camilo, em lives ou entrevistas. Outro ponto recorretemente abordado pelo petista é de que as disputas têm de ficar para o período eleitoral. Passado ele, é hora de reunir esforços conjuntos.
Outro aspecto político que define Camilo, como lembra o pesquisador, é a capacidade para equilibrar-se politicamente entre PT e PDT, entre Lula e Ciro, sendo o responsável principal por administrar interesses de uma aliança extensa na qual as ambições não raramente podem entrar em colisão.
O PT é exemplo claro disso ao aumentar de tamanho em prefeituras e deputados estaduais. "É como se ele dissesse 'não sou petista raiz, não sou tão querido a partir das instâncias do partido, mas aumentei o partido'." Ou ainda: "'Faço parte do grupo do Cid e do Ciro, estou com eles, mas conseguimos transformar o PT em segunda força do Estado'."
O senador Eduardo Girão (Podemos), que encampa a oposição ao governo do Ceará, escreveu ao O POVO que o Ceará é um dos estados mais violentos do Brasil e, paralelamente, dos que mais gastam com propaganda. O diagnóstico dele é resumido pela palavra "omissão".
"Os últimos sete anos da gestão do Governo do Ceará foram, infelizmente, de uma omissão injustificável no enfrentamento do crime organizado que dominou comunidades chegando ao cúmulo de famílias inteiras serem expulsas de suas casas, crianças perseguidas pelo tráfico em suas escolas e o 'poder paralelo' gerado a partir da ausência do Estado, definir horários de entrada em determinados bairros", disse Girão em nota.
O congressista ironizou que antes o Estado era comandado por uma oligarquia e, hoje, por organizações criminosas. "O Ceará se mantém com 36 mortes violentas por 100 mil habitantes numa situação semelhante à Síria que vive uma guerra civil. No Ceará, o governo atual gastou mais de 1,2 bilhão de reais só com propaganda para passar uma imagem que não condiz com a realidade", encerrou o aliado de Capitão Wagner, pré-candidato ao Governo do Ceará.
O secretário Maia Júnior (Desenvolvimento Econômico) alertou de cara que não faria críticas ao mandato de Camilo Santana (PT), por participar do governo e considerar a atitude antiética. Os pontos que discorda são ditos diretamente ao governador. O repórter respondeu que ele poderia falar sobre o que quisesse, os aspectos com os quais concorda, ao que ele respondeu que Camilo foi um dos "bons governadores" que o Ceará teve nos últimos anos.
"Educação foi uma área em que ele se dedicou bastante. O compromisso que ele fez na reta final de expandir o ensino em tempo integral foi uma decisão importantíssima", disse o ex-vice-governador sobre o Ceará Educa, cujo cronograma é de que todas as escolas tenham ensino integral até 2026. O secretário também citou a expansão dos campi universitários.
Em 3 de fevereiro deste ano, Camilo anunciou que o Ceará contaria com sete novas sedes no Interior. De 16 para 23 municípios com ensino superior no Ceará, um aumento de 44%. Acaraú, Aracati, Barbalha, Camocim, Canindé, Mauriti e Quixeramobim foram cidades contempladas com novas estruturas e cursos. Crateús, Crato, Juazeiro do Norte, São Benedito e Tauá terão novos cursos.
O secretário também falou da área em que atua, com menção a manchete do O POVO do último dia 23, sobre o crescimento do PIB cearense de 6,63%, superando a alta do País. Maia Júnior define como a retomada do protagonismo do desenvolvimento econômico e do combate à pobreza, medidas que se viabilizaram com uma reformulação na pasta dele.
"Essa visão deu resultados. Está ai na manchete de vocês, um PIB robusto. Sou suspeito a falar porque liderei", disse. A instituição do Conselho de Ex-Governadores para discussão sobre como o Ceará quer crescer até 2050, segundo o secretário, tem o significado da maturidade política .