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Novas regras preveem punição a eleitores e candidatos por violência contra mulher em campanha
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Novas regras preveem punição a eleitores e candidatos por violência contra mulher em campanha

São previstas punições a várias formas de violência política de gênero, inclusive assédio, humilhação, constrangimentos e ameaças
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Fachada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Fachada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Violência política de gênero é objeto da lei 14.192, sancionada em agosto do ano passado. A legislação tenta impedir “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos” de mulheres. No âmbito das campanhas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assimilou na resolução que regulamenta a propaganda eleitoral aspectos dessa lei de modo a evitar qualquer tipo de assédio contra mulheres que disputam cargos eletivos no pleito de 2022.

O plenário do TSE aprovou em dezembro do ano passado alterações na Resolução nº 23.610 com foco em proteger candidaturas femininas. O procurador de Justiça do Ministério Público do Ceará (MPCE), Emmanuel Girão, explica que a nova redação dada pela corte eleitoral aponta novas hipóteses de propaganda não toleradas. "Qualquer propaganda eleitoral que deprecie a condição da mulher, que estimule a sua discriminação, pode ser imediatamente retirada, seja qual for o veículo que ela esteja ocorrendo", detalha.

A lei de agosto de 2021, que dispõe sobre violência política contra mulher, já promove alterações no Código Eleitoral, na Lei dos Partidos Políticos e na Lei das Eleições. "Essa lei e esse movimento do TSE acontecem na esteira de um movimento pela maior participação feminina na política e pelo enfrentamento a ações que implicam em violência política contra a mulher", explica o procurador de Justiça do MPCE.

A lei 14.192 também inseriu novo parágrafo no Artigo 326 do Código Eleitoral, que passou criminalizar ações que visam “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.

Tribunal Superior Eleitoral (TSE)(Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Foto: José Cruz/Agência Brasil Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

A legislação prevê pena de reclusão de um a quatro anos além de multa. A pena ainda pode aumentar em um terço se o crime é cometido contra mulher gestante, maior de 60 anos ou com deficiência.

Adriana Gerônimo, da mandata — no feminino como forma de ênfase de gênero — coletiva Nossa Cara (Psol), destaca a importância de legislar sobre esses temas uma vez que a participação feminina na política é interditada de diversas formas.

“A gente recebeu [essas mudanças] com muito ânimo e lutamos muito para que mais mulheres ocupem lugar na política. A gente sabe como esse movimento de estar na política é violento, é vulnerável. As mulheres, socialmente, já são muito vulneráveis, e a política é um ambiente de muita exposição, onde muitas vezes os colegas parlamentares se utilizam de questões pessoais e políticas para difamar”, conta.

Ela observa ainda que “existe sempre essa tentativa de colocar as mulheres eleitas em condições vexatórias”. “Tudo vira uma pauta para difamar”, afirma, citando o caso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), notadamente vítima de machismo e misoginia antes de perder o mandato, em 2016.

Conselho que julga violência de gênero de vereador só tem uma mulher

A vereadora Adriana Gerônimo (Psol) aponta a necessidade do amparo institucional e legal para o pleno gozo dos direitos políticos das mulheres. Isso porque além da ameaça de exposição durante a campanha, ela relata um movimento de interdição do direito de legislar dessas representantes legitimamente eleitas.

Mandato coletivo Nossa Cara, ou mandata, como elas preferem. Formado por Louise Santana, Adriana Gerônimo e Lila Beserra(Foto: BARBARA MOIRA, em 4/3/2021)
Foto: BARBARA MOIRA, em 4/3/2021 Mandato coletivo Nossa Cara, ou mandata, como elas preferem. Formado por Louise Santana, Adriana Gerônimo e Lila Beserra

“A gente vê, por exemplo, aqui na Câmara Municipal [de Fortaleza], quanto aos projetos da Nossa Cara: quase 70% nunca nem transitaram aqui na Câmara porque a presidência se fecha ao projeto de mulheres, e sobretudo de mulheres que compõem a oposição”, relata.

“Então a gente todo tem tempo esse direito cerceado, esse direito de legislar. Eu queria que as questões ideológicas fossem deixadas de lado e que pelo menos o mérito das legislações possam ser analisados, porque o que a gente vivencia é isso, não sai nem da presidência os nossos projetos, e isso é violência política de gênero também”, aponta.

Um dos projetos da Nossa Cara que aguardam para ser colocados em pauta pelo presidente da CMFor é o que prevê obrigatoriedade de presença feminina em todas as comissões da Casa.

“Como nós temos 43 assentos e só nove de mulheres, não se consegue fazer a paridade de gênero. Então a gente propõe que cada mulher que entrou seja incluída, para que nenhuma comissão fique sem mulher”, detalha, citando a Comissão Especial do Plano Diretor, composta apenas por vereadores homens.

Na sequência, Adriana expõe um fato ainda mais delicado: o Conselho de Ética da CMFor, que atualmente julgando um caso de violência contra a mulher praticado pelo vereador Ronivaldo Maia (PT). “Só tem uma mulher. Como é que o Conselho de Ética que vai tratar de violência de gênero só tem uma mulher?”, indaga a vereadora.

Cota de gênero escancara desigualdade na participação feminina na política

Chefe da seção de gerenciamento de dados partidários do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), Adriana Soares alerta para outro tipo de violência: mulheres que são usadas por partidos para preencher a cota de gênero de 30% — prevista na Lei das Eleições — sem nem sequer saber que tiveram candidaturas lançadas.

“Em todas as eleições a gente tem mulheres que não sabem que foram candidatas. Os partidos colocam o nome delas ou fazem com que elas assinem o documento para preencher a cota, quando termina a eleição elas descobrem que foram candidatas e aí elas não apresentaram prestação de contas e ficam sem poder tirar certidão de quitação durante quatro anos”, explica.

E relata ainda: “Eu já vi aqui uma mulher que precisava assumir um concurso e não conseguia tirar a certidão de quitação porque faltava a apresentação de prestação de contas quando ela tinha sido candidata, e ela não sabia que tinha sido candidata”.

No ano passado, O POVO noticiou, em vários interiores do Estado do Ceará, chapas inteiras de vereadores que foram cassadas por fraude na cota de gênero. Nas decisões, os respectivos juízes eleitorais concluíram que candidaturas femininas laranjas, que se apresentavam pouco competitivas ou sequer promoviam campanha, foram utilizadas com a única finalidade de atender a determinação da Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, o procurador Emmanuel Girão, do MPCE, alerta que não adianta esforço unilateral das instâncias do Judiciário sem a devida conscientização dos partidos políticos.

“Nós aqui no Ministério Público do Ceará estamos com uma campanha de enfrentamento à violência política contra a mulher, a atitude da Justiça Eleitoral e do MP são louváveis, mas nós não percebemos esse mesmo empenho nos partidos políticos e nos políticos em si, pelo menos na maioria”, conta.

“É preciso que os partidos adotem medidas concretas no âmbito do próprio partido político e também sanções políticas quando essa violência ocorrer no exercício do mandato, então você tem instrumentos de punição para parlamentares que adotam esse tipo de comportamento”, defende, citando o caso de importunação sexual sofrido pela deputada Isa Penna (Psol-SP), na Alesp, quando o deputado Fernando Cury (Cidadania) foi punido apenas com a perda temporária do mandato. (Maria Eduarda Pessoa)

Urna eletrônica(Foto: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/Agência Brasil)
Foto: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/Agência Brasil Urna eletrônica

Combate à violência contra mulher e outras práticas

Violência política contra candidata ou detentora de mandato: enquadrada como crime. Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão que pretenda impedir, causar obstáculo ou restringir os direitos políticos femininos, além de qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e liberdades políticas fundamentais, em virtude do gênero, como assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar a mulher, com uso de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com objetivo de impedir ou dificultar a campanha da candidata ou o desempenho do mandato eletivo. Pena: reclusão de um a quatro anos e multa

Milícia virtual: é crime contratar direta ou indiretamente grupo de pessoas para emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou desabonar a imagem de candidata, candidato, partido político ou coligação. Pena: dois a quatro anos de detenção e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil

Fake news: é crime divulgar, na propaganda eleitoral ou durante a campanha fatos inverídicos em relação a partidos ou candidatas e candidatos, capazes de exercer influência perante a eleitora e o eleitor. Pena: detenção de dois meses a um ano ou multa

Fonte: Resolução nº 23.610 do TSE

A violência contra candidatas ou mulheres eleitas

Primeira mulher a ocupar a prefeitura de Santana do Livramento (RS), a delegada Ana Tarouco estava habituada a investigar casos da Lei Maria da Penha. Loira, de 41 anos e divorciada, ela coordenava a Polícia Civil naquela região da fronteira com o Uruguai.

Filiou-se ao DEM e venceu a eleição de 2020 destacando seu campo político: "Sou de direita". Um ano depois de assumir, a delegada se tornou uma das primeiras vítimas de um novo crime: a violência contra mulheres candidatas ou eleitas no País.

Constituído pela Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral no ano passado, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero colecionou, desde dezembro, dez casos com 12 vítimas desse crime e de outro, também reconhecido pelo Congresso em 2021: o de violência política contra mulheres em geral.

"Esse tema merece atenção das instituições. O combate a essas condutas é uma das prioridades da subprocuradora-geral eleitoral", disse a coordenadora do grupo, a procuradora Raquel Branquinho.

O primeiro dos novos delitos foi estabelecido em agosto de 2021, durante a reforma da lei eleitoral. Ela tornou crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor. A pena é de 1 a 4 anos de prisão.

Um mês depois, os parlamentares delimitaram outro crime, ainda mais grave, dentro da Lei de Defesa do Estado Democrático. Ele é mais amplo e pune quem restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena, neste caso, vai de 3 a 6 anos de cadeia.

"Estamos fazendo um trabalho de conscientização sobre o seu uso (da legislação) por meio do grupo de trabalho", afirmou Raquel Branquinho. A procuradora encaminha representações para as procuradorias eleitorais estaduais sobre casos que chegaram ao conhecimento do grupo.

"Noventa e nove por cento dos casos é de competência da Justiça Eleitoral de primeiro grau." Como são delitos eleitorais ou de competência da Justiça Federal, normalmente é a Polícia Federal que investiga esses casos.

O primeiro deles registrado pela procuradoria envolveu a vereadora Katyene Leite (PTB), em Pedrinhas (MA). Ela foi impedida por um colega de usar o microfone na Câmara, em 6 de outubro de 2021.

Seguiram-se outros nove casos envolvendo vereadoras, deputadas federais e uma prefeita pertencentes a sete partidos (PTB, PSD, DEM, PT, Psol Rede e PCdoB), em seis Estados. O caso da vereadora do PTB seria enquadrado no delito da lei eleitoral.

Há um padrão cultural nesses casos identificado pela procuradoria: o acusado usa a condição de mulher para desmerecer ideias e projetos. Assim foi com Ana Tarouco. Ela estava viajando quando um vereador do PDT foi à tribuna da Câmara, na véspera do Dia Internacional da Mulher, e, ao comentar uma iniciativa da prefeita, afirmou que ela tinha um cérebro de "caroço de azeitona".

"A violência contra a mulher não é um ato isolado em si. Sou a primeira mulher eleita em uma região de fronteira." Candidata pela primeira vez, ela concorreu com três ex-prefeitos.

Ana Tarouco, prefeita de Santana do Livramento(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Ana Tarouco, prefeita de Santana do Livramento

Os ataques, segundo Ana, começaram pouco depois da posse. "Uma vereadora disse que eu só recebo os machos no gabinete. Isso é comportamento de autoridade pública?" Ela se queixa da falta de solidariedade dos vereadores. "Qualquer coisa que faço vira uma novela. Minhas férias viraram uma novela.

"A prefeita esteve, em janeiro, em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, quando foi fotografada de biquíni. As imagens foram distribuídas na cidade. "As pessoas falaram: Olha lá, ela está de biquíni na praia. Sim, estava de biquíni. Queriam que eu estivesse de burca?"

A prefeita diz não saber quem tirou as fotos. "Daí tu não entras nas redes sociais porque não quer se indispor. Mas aí o que acontece? Mandam para minha mãe. Minha mãe fica horrorizada. Ela tem 80 anos. A sociedade não tem limites com as mulheres."

Ana Tarouco também reclama de ter a vida privada devassada. "Não consigo sair à noite. Sou jovem, gosto de dançar, mas, em cinco minutos, está tudo nas redes." Para Ana, a culpa é da realidade cultural, marcada pelo machismo. "Tenho uma trajetória para não ser reduzida a um caroço de azeitona."

Na Câmara, ela tem o apoio de metade dos vereadores. A ofensa sofrida por Ana em março trouxe a solidariedade de mulheres do PT, um partido de esquerda. "Nesse momento não devemos ter partido, mas humanidade."

Na avaliação da prefeita, muitas mulheres não se ocupam da política porque a sociedade ainda pensa que elas devem se dedicar à casa e aos filhos. Santana do Livramento tem 80 mil habitantes. "Entendo por que as mulheres não querem ir para a política. Mas a política não é um jogo sem regras." (Agência Estado)

Cota de gênero escancara desigualdade na participação feminina na política

Chefe da seção de gerenciamento de dados partidários do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), Adriana Soares alerta para outro tipo de violência: mulheres que são usadas por partidos para preencher a cota de gênero de 30% — prevista na Lei das Eleições — sem nem sequer saber que tiveram candidaturas lançadas.

"Em todas as eleições a gente tem mulheres que não sabem que foram candidatas. Os partidos colocam o nome delas ou fazem com que elas assinem o documento para preencher a cota, quando termina a eleição elas descobrem que foram candidatas e aí elas não apresentaram prestação de contas e ficam sem poder tirar certidão de quitação durante quatro anos", explica.

E relata ainda: "Eu já vi aqui uma mulher que precisava assumir um concurso e não conseguia tirar a certidão de quitação porque faltava a apresentação de prestação de contas quando ela tinha sido candidata, e ela não sabia que tinha sido candidata".

No ano passado, O POVO noticiou, em vários municípios do Interiores cearense, chapas inteiras de vereadores que foram cassadas por fraude na cota de gênero. Nas decisões, os respectivos juízes eleitorais concluíram que candidaturas femininas laranjas, que se apresentavam pouco competitivas ou sequer promoviam campanha, foram utilizadas com a única finalidade de atender a determinação da Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, o procurador Emmanuel Girão, do MPCE, alerta que não adianta esforço unilateral das instâncias do Judiciário sem a devida conscientização dos partidos políticos.

"Nós aqui no Ministério Público do Ceará estamos com uma campanha de enfrentamento à violência política contra a mulher, a atitude da Justiça Eleitoral e do MP são louváveis, mas nós não percebemos esse mesmo empenho nos partidos políticos e nos políticos em si, pelo menos na maioria", conta.

"É preciso que os partidos adotem medidas concretas no âmbito do próprio partido político e também sanções políticas quando essa violência ocorrer no exercício do mandato, então você tem instrumentos de punição para parlamentares que adotam esse tipo de comportamento", defende, citando o caso de importunação sexual sofrido pela deputada Isa Penna (Psol-SP), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde o também deputado Fernando Cury (Cidadania) foi punido apenas com a perda temporária do mandato. (Maria Eduarda Pessoa/especial para O POVO)

 

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