Sem um representante definido em torno de quem as siglas se agrupem, as legendas da chamada terceira via, tais como PSDB, MDB e Cidadania, vivem clima de tensão a um dia da divulgação de pesquisas que podem apontar o pré-candidato do bloco ao Palácio do Planalto.
No PSDB, o acirramento entre o ex-governador João Doria e a cúpula do tucanato dificulta ainda mais a escolha do potencial concorrente. Prevista para amanhã, a divulgação de resultado de sondagens qualitativa e quantitativa com nomes como o de Doria e o de Simone Tebet (MDB-MS) foi chamada pelo paulista de "tentativa de golpe" contra as prévias.
Vitorioso no processo interno social-democrata no ano passado, o tucano ameaçou judicializar a questão caso a executiva nacional do partido pretenda apoiar outro nome que não o dele na corrida pela Presidência da República.
Nesta terça-feira, 17, a partir das 16h30min, o PSDB se reúne para discutir uma carta que Doria enviou a Bruno Araújo, presidente da legenda, no último sábado, 14. Nela, o ex-governador afirmou que as pesquisas, contratadas pelos comandos partidários envolvidos nas negociações com objetivo de avaliar a rejeição dos pré-candidatos, são "desculpas estapafúrdias".
Ainda segundo Doria, as "movimentações do presidente do partido criam insegurança jurídica" - o documento carrega o selo de uma firma de advocacia.
O uso dos levantamentos, neste momento, sinaliza que os três partidos buscam uma alternativa que tenha mais força eleitoral do que Doria para enfrentar o ex-presidente Lula (PT), que vem liderando números de intenção de voto, seguido sempre do atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL).
O bloco, que já contou com Henrique Mandetta, Sergio Moro e Rodrigo Pacheco, todos do União Brasil e já fora dessa disputa, hoje se reduziu a Doria e Tebet, que assegura postular a Presidência mesmo sem apoio do PSDB.
Para especialistas ouvidos pelo O POVO, as dificuldades da terceira via a dois meses das convenções partidárias e a cinco das eleições se devem a um conjunto de fatores, entre os quais se encontra a cristalização do voto num cenário de polarização.
"A concentração das intenções de votos no par Lula-Bolsonaro atua fortemente no sentido de corroer os planos da terceira via. Por ora, dispor de apenas um representante que agrupe os partidos é um resultado fora do comum", explica o cientista político e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Pedro Gustavo de Sousa.
De acordo com o pesquisador, há um problema adicional para esse segmento, que diz respeito aos palanques regionais das agremiações que estão no centro das articulações da terceira via. "MDB e União Brasil terão maiores dificuldades de lançar candidatura própria por conta dos interesses regionais", avalia.
Sousa acrescenta que, "mesmo o PSDB, que lançou candidatura própria em todas as eleições presidenciais desde a redemocratização, também vem enfrentando dificuldades para consolidar um nome competitivo".
Cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV, Cláudio Couto é categórico sobre as chances da terceira via de se unificar na órbita de uma chapa única.
"Creio que a terceira via não leva a lugar nenhum. Ela deve sucumbir à consolidação da bipolarização entre Lula e Bolsonaro", responde. Para que esse quadro se alterasse, diz Couto, "algo muito extraordinário precisaria ocorrer".
Mas o quê? Rodrigo Prando, professor da Faculdade Mackenzie, traça um horizonte turvo para os partidos que querem furar a dicotomia Lula/Bolsonaro. Também ele considera como improvável o fortalecimento de um postulante fora do desenho atual.
"Se a gente somar Ciro, Doria, Simone Tebet, Luciano Bivar, qualquer um, dá muito menos do que tem o Bolsonaro ou Lula", calcula, para em seguida dizer que "a polarização restringe muito a possibilidade da terceira via, que foi um desejo de analistas, de formadores de opinião, da mídia, mas não se consolidou".
"Pode ser o Doria ou Ciro? Pode. Se acontecer um fato novo, que mobilize e eletrize a sociedade, isso pode mudar", aventa a hipótese, concluindo que "a grande questão é que todas as pesquisas mostram um cenário consolidado de um virtual segundo turno de Lula e Bolsonaro".
"MDB deveria conversar com Simone Tebet", diz Eunício
Presidente estadual do MDB no Ceará, o ex-senador e ex-chefe do Congresso Eunício Oliveira afirma que o partido deveria dissuadir a senadora Simone Tebet (MDB-MS) de concorrer à Presidência.
"Se depender da minha posição no partido, Simone deveria assumir outra postura de candidatura e permanecer no Senado", admite.
Segundo ele, "o MDB deveria conversar com a Simone pra voltar pro Legislativo ou disputar eleição no estado". Em seguida, o cearense elogia a emedebista, que considera "um quadro importante", mas sugere que ela desista da disputa.
"Melhor do que ficar nesse vuco-vuco que não vai dar em nada, não tem perspectiva de nada. Está definido. Vai ter candidatura só pra encher linguiça", critica.
Ainda conforme o ex-senador, hoje pré-candidato a deputado federal, os partidos da terceira via, inclusive o MDB, não irão conseguir chegar a consenso em torno de um candidato ou candidata.
"Não vão chegar a entendimento nenhum", aponta o ex-senador, para quem "o país está polarizado, a eleição é Lula e Bolsonaro".
"Não tem espaço para isso (terceira via), é todo mundo brigando", conclui, numa referência às trocas de farpas entre o tucano João Doria e o presidente do partido, o ex-deputado Bruno Araújo.
Uma reunião entre PSDB, MDB e Cidadania está prevista para amanhã, dia em que as siglas vão discutir resultado de pesquisas internas com os nomes de Doria e Tebet. O objetivo é utilizar os levantamentos para ajudar a bater o martelo sobre quem tem mais viabilidade eleitoral.
Apoiador da pré-candidatura de Lula, Eunício já havia manifestado preferência pelo petista em conversas no MDB. Em reunião recente, defendeu que o partido abrisse mão da candidatura. (Henrique Araújo)
"Existe uma tendência natural à fragmentação", avalia pesquisador
O cenário de fragmentação eleitoral da terceira via seria natural diante da organização do sistema partidário no Brasil. É o que diz o professor e cientista político Vitor Sandes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
De acordo com ele, "no nosso sistema eleitoral, e da forma como as regras eleitorais são definidas, existem incentivos para que os partidos lancem suas candidaturas nas eleições presidenciais, estaduais e majoritárias".
"Aqueles partidos que têm candidaturas com potencial eleitoral", explica, "ainda que não seja para ganhar eleição, mas a ponto de ter um espaço na disputa e no debate, pensando no processo de negociação para o segundo turno, podem colocar seus candidatos como uma forma também de marcar esse espaço político e evitar serem coadjuvantes".
Desse modo, mesmo siglas pequenas ou de médio porte veem ganhos numa candidatura solo para cargos como o de presidente. "Quando os partidos se unificam", diz Sandes, "é difícil chegar a um consenso sobre quem será o vice ou quem não terá nem a candidatura a presidente nem a vice".
"Por isso existe uma tendência natural à fragmentação das candidaturas majoritárias, porque os partidos precisam se lançar nas eleições, muitas vezes impedindo essa junção de forças", sublinha.
No caso de siglas que postulam cargo nacional, essa costura é mais delicada, já que implica entendimentos locais difíceis de compatibilizar com os interesses gerais de cada partido.
É exemplo disso o MDB, que costuma deixar os palanques estaduais livres, mas agora tenta estabelecer um nome único para o Planalto ao lado de PSDB e Cidadania. (Henrique Araújo)
Defesa de Doria diz que qualquer decisão do PSDB contra tucano será contestada já no TSE
A pré-campanha do ex-governador João Doria à Presidência já prepara uma reação jurídica e política a uma eventual decisão da executiva nacional do PSDB de barrar sua candidatura e indicar apoio a senadora Simone Tebet (MS), pré-candidata do MDB.
Adversário de Doria, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convocou para terça-feira, 17, uma reunião da direção da legenda após receber uma carta dura do ex-governador na qual ele pede que seja respeitada a "vontade democrática" do partido expressa no resultado das prévias do ano passado.
"Qualquer decisão contrária à pré-candidatura do João Doria nessa reunião será nula. A convocação foi genérica e não houve sequer o direito de defesa para o ex-governador. A executiva nacional não tem esse poder. Está tudo errado", disse à reportagem o advogado eleitoral do ex-governador, Arthur Rollo.
Especialista em direito eleitoral, Rollo foi contratado por Doria comandar sua estratégia jurídica. Segundo o advogado, dependendo do resultado do encontro desta terça, ele irá protocolar uma medida judicial junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O gesto seria mais simbólico, já que, na avaliação de Rollo, qualquer anúncio da sigla seria inócuo. "O estatuto do PSDB tem regras bastante específicas. É a 1° vez que questionam o resultado de prévias no partido", afirmou.
Em outra frente, o coordenador da pré-campanha de Doria e presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi, articula uma ofensiva nas redes sociais e aposta na militância tucana para evitar que o partido abra mão de ter candidato próprio.
"Vamos defender a manutenção do resultado das prévias e continuar com a pré-campanha. Politicamente o resultado das prévias fortalece nossa posição", afirmou o dirigente.
A pré-campanha de Doria divulgou nesta segunda-feira, 16, um levantamento que aponta uma reação da militância tucana nas redes sociais após o presidente de honra do partido Fernando Henrique Cardoso sair em defesa do ex-governador em um tuíte pedindo respeito ao resultado das prévias.
Foram mais de 12 mil menções no Twitter, o que levou a hashtag #DoriaPresidente aos trending topics em oitavo lugar, um dia depois da carta que Doria divulgou alegando que há uma tentativa de golpe em curso dentro do partido. O movimento atingiu 60 tweets por minuto, segundo a pré-camapanha.
De acordo com a ferramenta TrendMap, que monitora Twitter, e a VTracker, que acompanha as demais redes, entre sábado e domingo foram registradas 21.792 interações.