Logo O POVO+
Os limites da polarização
Politica

Os limites da polarização

| Disputa | Pesquisadores discutem efeitos da polarização no tecido social. Agregador de pesquisas do O POVO mostra que fatia conquistada por Lula e Bolsonaro nas pesquisas vem se ampliando à medida que a eleição se aproxima
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
INTERNA_POL_OK (Foto: JANSEN)
Foto: JANSEN INTERNA_POL_OK

No início do ano de 2022, a soma dos percentuais de intenção de voto em Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) equivalia a 68% do total, de acordo com o Agregador de Pesquisas do O POVO, que reúne dados de oito institutos de sondagem.

Três meses depois, Lula e Bolsonaro passariam a 71% do eleitorado pesquisado, indo a 75% em maio e chegando a 76% no último dia 3 de junho, maior patamar alcançado por ambos nos cenários testados, sempre com liderança do petista em relação ao atual mandatário.

Segundo o agregador, três a cada quatro eleitores votariam hoje ou em Lula ou em Bolsonaro, considerando-se as diferentes margens de erro de cada um dos institutos trabalhados.

>> Acesse o Agregador de Pesquisas O POVO

O retrato mostrado pela ferramenta é cristalino: à medida que o país se aproxima das eleições de outubro, lulistas e bolsonaristas representam uma fatia mais expressiva do eleitor brasileiro. Isso resulta num embate cada vez mais intenso entre esses campos, fenômeno a que alguns pesquisadores se referem como "polarização".

Sinal dessa acirrada polarização são os episódios recentes nos quais as diferenças políticas parecem ter extrapolado a disputa eleitoral e chegado a outros âmbitos, como o artístico, o cultural e o empresarial.

A disputa que opõe a cantora Anitta, de um lado, e representantes do sertanejo, de outro, é exemplar dessa divisão no campo artístico, que vai se tornando uma arena onde se replicam os choques político-partidários.

Mas isso não se dá apenas no meio cultural. Também está em setores que são tragados pela polarização, como o de bares e restaurantes, envolvidos em querelas que, até pouco tempo atrás, estavam limitadas ao jogo entre as forças eleitorais.

Diretor do instituto responsável pela pesquisa Genial/Quaest, uma das incluídas no Agregador do O POVO, o cientista político e professor Felipe Nunes esboça uma resposta para o problema.

"Tenho ouvido muito sobre eleições polarizadas, mas sem evidências que possam ajudar a entender o conceito. Resolvi organizar alguns dados", escreveu o pesquisador nas redes, citando, em seguida, informações oriundas da 11ª rodada da pesquisa Genial/Quaest.

Conforme Nunes, "quando comparamos região, raça, sexo, renda e religião, percebemos que as eleições deste ano estão opondo dois Brasis", um lulista e outro bolsonarista.

"Homens se dividem, mulheres votam Lula (50% x 24%); ricos se dividem, pobres votam Lula (56% x 22%); brancos se dividem, pretos votam Lula (59% x 23%); católicos votam Lula, evangélicos votam Bolsonaro, e aqui a polarização social está mais clara".

Por fim, Nunes registrou que, enquanto o "Sul se divide, o Nordeste vota em Lula" à proporção de 61% contra 22% de Bolsonaro.

Para ele, "se alguém tinha dúvida, esses dados mostram que a polarização política se transformou em polarização social", e a disputa, que antes era principalmente entre partidos, agora é "entre grupos sociais que lutam por direitos, privilégios, garantias e recursos limitados".

A passagem da polarização política para a polarização social explicaria o grau de hostilidade nas disputas e a contaminação do acirramento em espaços antes mais distantes dessa dinâmica partidária.

Professor da Universidade Estadual do Ceará (UFC), o cientista político Pedro Gustavo de Sousa observa que há três efeitos por trás disso.

O primeiro é o "debate político que vai se ampliando para as distintas esferas da sociedade conforme se aproxima da data do pleito", ou seja, a pressão natural do calendário eleitoral. À medida que o dia de ir às urnas chega, os humores do eleitorado se tornam mais voláteis.

O segundo ponto, examina Sousa, é o fato de que, com "a progressiva ampliação da contenda eleitoral", figuras públicas tendem a se posicionar politicamente, o que tem como consequência o aumento das tensões políticas.

Finalmente, existe a pressão de um novo elemento: as redes sociais. O docente considera que essas plataformas "também contam no cálculo da decisão pela exposição da posição política".

Tudo isso contribui para o caldo de instabilidade atual, que sugere que as eleições de 2018, já muito polarizadas, podem ser superadas pelas de 2022 nesse quesito.

É o que projeta o professor e cientista político Cleyton Monte, para quem "esse nível de exacerbação das paixões políticas, que chega a ser violento, não é natural do jogo político e das eleições".

"Nas disputas a gente tem conflito, embate", aponta o especialista, "mas não de forma tão desrespeitosa, agressiva, desumana como temos hoje".

Para ele, "esse clima agressivo, que esteve presente em 2018, em 2020 e agora também em 2022, é um fenômeno que acontece no Brasil, nas redes e fora delas, de um acirramento que deixa claro que a disputa política está muito apaixonada, não no sentido de defesa da bandeira, mas de hostilidade, agressividade e de neutralização do próprio debate político".

 

Bate-pronto: Marcelo Teles, prefeito de São Gonçalo do Amarante

O POVO – O que o levou a tomar a decisão de suspender os shows?

Marcelo Teles – Temos visto catástrofes no Brasil. Pernambuco, Alagoas, e aqui as chuvas não param. Temos que gerar renda para o município, por isso eventos são importantes. Trazem pessoas de fora, visibilidade, porém as chuvas estão acima da média e percebemos que não é o momento.

O POVO – Avalia manter o deslocamento de verba também noutros eventos festivos, como carnaval, destinando recursos para outros setores?

Marcelo Teles – Eventos possibilitam renda. Muita gente faz comida, vende bebida. Tem a venda do gelo, dos insumos da alimentação, da infraestrutura. A economia se move em função de um grande evento, principalmente em municípios que precisam usar a criatividade, como é nosso caso. Portanto, cultura tem que haver. Mas, nesse momento, não dá pra ser prioridade. Carnaval somente ano que vem, então espero que a realidade esteja melhor para que possamos sim fazer.

Polarização faz parte de "guerra cultural" de Bolsonaro

A controvérsia entre sertanejos e outros artistas mais ligados ao campo progressista está situada no que o professor Rodrigo Prando chama de “guerras culturais” do bolsonarismo.

Segundo ele, o expediente é usado para mobilizar a tropa de aliados do chefe do Executivo, sobretudo num momento em que o custo de vida é elevado e o presidente se vê ameaçado em seu projeto de reeleição.

“Por isso Bolsonaro e bolsonaristas assumem a ideia de uma guerra cultural e atacam os artistas, especialmente os artistas que se identificam com a esquerda”, indica o pesquisador.

No fundo, o presidente estaria seguindo ainda uma velha diretriz determinada pela visão de Olavo de Carvalho, guru do presidente durante a primeira metade do mandato no Planalto.

Mas o efeito disso é garantido, ou seja, pode ajudar Bolsonaro na campanha? De acordo com o Prando, a resposta é não.

“No fundo”, explica ele, “Bolsonaro tem tentado trazer a discussão para o campo da liberdade de expressão e cultural, porque no campo econômico tem pouca coisa pra falar de concreto, e o que tem é majoritariamente negativo”. (Henrique Araújo)

Manifestação política de artista "está dentro da regra do jogo", diz professor

Professor de Direito da Universidade Regional do Cariri (Urca), Fernando Castelo Branco avalia que as manifestações políticas durante shows artísticos estão dentro do que prevê a legislação eleitoral e não constituem descumprimento à norma.

“A manifestação do artista, inclusive nos seus shows, me parece que a legislação permite, desde que o candidato (beneficiário da manifestação) não vá ao palco, não faça discurso nem transforme aquilo num ato de campanha dele”, aponta o pesquisador.

“Se o artista se posiciona publicamente”, continua, “se as pessoas vão e no meio ele faz uma fala ou exibe uma bandeira, eu entendo que isso está dentro da regra do jogo, para qualquer lado”.

Recentemente, artistas como Pabllo Vittar, Anitta, Ludmilla e Daniela Mercury foram alvo de questionamentos de parlamentares conservadores ou alinhados com o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ludmilla, por exemplo, foi interpelada por ação movida pelo vereador Fernando Holiday (Novo-SP) na Justiça de São Paulo. Segundo ele, a cantora fez “showmício” para um candidato à Presidência, o que a lei veda.

Na última sexta-feira, 3, a Justiça concedeu prazo de 72 horas para que a Prefeitura de São Paulo explicasse o pagamento na contratação do show de Ludmilla.

A artista é apenas mais uma cujo trabalho está na mira das autoridades. Gusttavo Lima, cantor sertanejo, perdeu contratos com prefeituras após investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de Roraima. Também na última sexta, a Justiça na Bahia vetou show de Lima durante festa junina que, no total, custaria R$ 2 milhões.

No Ceará, o prefeito de São Gonçalo do Amarante, Marcelo Teles (Pros), cancelou festa de São João com os artistas Wesley Safadão e Zé Vaqueiro, com gastos que somariam R$ 2 milhões agora deslocados para recuperação de estradas e compra de equipamentos para a saúde.

Embora não tenha relação direta com a polarização política que tem acirrado os ânimos no âmbito cultural, a suspensão da agenda no município cearense se dá na esteira do cancelamento de shows contratados por prefeituras.

Ainda de acordo com Fernando Castelo Branco, a manifestação política no campo da arte, porém, “não é uma novidade do processo eleitoral de 2022”, tendo sido registrada em pleitos anteriores.

“Em 1989, tivemos grande parte da classe artística apoiando o Lula (PT), com o jingle e os artistas cantando. Mas, do outro lado, havia, por exemplo, a Marília Pêra apoiando o Collor, o que causou inclusive uma certa disputa no meio”, lembra o docente.

Há outros episódios de tomada de posição mais explícita, como de Dominguinhos em favor de Fernando Henrique Cardoso e do cantor Fagner durante o pleito de 2018.

Conforme Castelo Branco, “o meio artístico se posicionar não é novidade”, mas essa conduta, antes mais desimpedida, porque não era regida pela lei eleitoral, agora é constrangida pelo Judiciário.

“Campanha nos anos 1980 e 90 tinha um atrativo que era o showmício. Isso movimentou muitos shows nas periferias dos centros urbanos. O chamariz dos comícios eram os artistas”, analisa. Hoje a legislação é mais rígida, proibindo o pedido de voto expresso, com ou sem a presença do postulante no palco.

O mesmo se deu com as empresas, que, antes do veto e da mudança na legislação eleitoral, podiam doar para campanhas políticas. Agora, apenas pessoas físicas podem contribuir financeiramente com candidatos, limitadas ao teto de 10% da renda anual declarada à Receita Federal.

O que você achou desse conteúdo?