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Vai começar a campanha mais acirrada das últimas décadas
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Vai começar a campanha mais acirrada das últimas décadas

| INÍCIO | Ruptura entre PT e PDT reconfigurou cenário eleitoral do Estado. Corrida ao Abolição tende a ser triplamente polarizada
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Capitão Wagner, Elmano de Freitas e Roberto Cláudio são os candidatos mais competitivos na disputa ao Palácio da Abolição  (Foto: Samuel Setubal / Aurélio Alves ; Fabio Lima)
Foto: Samuel Setubal / Aurélio Alves ; Fabio Lima Capitão Wagner, Elmano de Freitas e Roberto Cláudio são os candidatos mais competitivos na disputa ao Palácio da Abolição

A campanha eleitoral no Ceará, que começa nesta terça-feira, 16, é daquelas que a história trata de dar um lugar especial antes mesmo de começar. As articulações prévias resultaram no completo redesenho do cenário eleitoral cearense. Pela primeira vez desde 2006, PT e PDT estarão em lados opostos na disputa pelo poder. Um racha marcado por forte tensão e troca de farpas entre líderes locais e nacionais dos dois partidos.

Na outra ponta, emerge uma candidatura competitiva que ameaça romper com o ciclo de dominância política dos últimos 16 anos no Estado. Capitão Wagner, do União Brasil, desponta na liderança das pesquisas e tem como principal desafio provar que, ao contrário das duas disputas à Prefeitura de Fortaleza (2016 e 2020), dessa vez terá fôlego suficiente para manter-se na ponta da corrida eleitoral até o fechamento das urnas.

A postulação de Wagner já era dada como certa desde 2021, quando o próprio deputado anunciou intenção de concorrer ao Abolição por meio de postagem nas redes sociais. “Vamos construir um projeto capaz de libertar o Ceará”, disse ele à época ao se lançar pré-candidato.

Raimundo Gomes de Matos e Capitão Wagner(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Raimundo Gomes de Matos e Capitão Wagner

Na contramão de Wagner, que começou a construir as bases de sua candidatura há mais de um ano das eleições, o PDT sinalizava que a escolha do nome governista seria levada até os 45 do segundo tempo. Não havia consenso em torno da postulação.

A sigla levou a decisão para o voto, apresentando o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, o deputado federal Mauro Filho, o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, e a então vice-governadora, Izolda Cela, como pré-candidatos ao cargo máximo do Estado.

Juntos, os quatro pedetistas participaram de dez encontros regionais promovidos pelo partido em várias localidades do Interior cearense entre o fim de 2021 e março deste ano. A indefinição abriu espaço para um explícito ambiente de tensão. O acirramento se tornou ainda maior quando Izolda Cela assumiu a chefia do Executivo Estadual, no dia 2 abril, após a saída de Camilo Santana (PT), que se desincompatibilizou do cargo para disputar o Senado.

Fora do Governo, Camilo reforçou os gestos a favor da candidatura de Izolda à reeleição. Em paralelo, cresceu dentro do PT a posição uníssona pró-Izolda. O movimento cresceu após a cúpula pedetista sinalizar que o favorito à indicação seria Roberto Cláudio.

Domingos Filho, Ciro Gomes e Roberto Cláudio(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Domingos Filho, Ciro Gomes e Roberto Cláudio

Contrários à escolha de RC, líderes petistas cearenses ameaçavam romper com o PDT se o nome do ex-prefeito fosse confirmado. Consignado por figuras históricas do partido, como os deputados federais José Guimarães, Luizianne Lins e José Airton Cirilo, o veto se tornou condicionante para a manutenção da aliança.

A posição foi explicitada em tom mais veemente no dia 9 de junho, quando Guimarães afirmou em entrevista exclusiva ao O POVO que o PT buscaria “outro caminho” caso Roberto Cláudio fosse o escolhido pelos pedetistas.

Se antes estava em Camilo a base da sustentação do acordo PT-PDT, mesmo em fase de forte instabilidade, o mesmo ocorreu no momento em que a aliança se desmoronou. O ex-governador foi quem deu aval para o racha na noite do dia 18 de julho, quando o diretório estadual do PDT indicou Roberto Cláudio como candidato ao Governo, após votação em que ele obteve 55 votos dos dirigentes partidários, contra 29 de Izolda. Mauro Filho e Evandro Leitão, naquela ocasião, já haviam se retirado da disputa interna.

A escolha foi uma vitória de Ciro. Insatisfeita com o desfecho do processo, Izolda foi às redes sociais afirmar que teve o “direito” à reeleição negado. “Meu partido PDT decidiu hoje, em reunião de diretório, que não terei o direito a concorrer à reeleição”, disse a governadora.

Elmano, Lula e Camilo(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Elmano, Lula e Camilo

Ciro ataca, Camilo responde

A convenção pedetista, realizada no dia 24 de julho, foi tão marcada por ausências quanto pelo discurso áspero de Ciro Gomes, que atraiu para si todas as atenções. Sem Cid Gomes e Izolda Cela no palanque, Ciro ativou o modo “pistola”. A mira tinha endereço certo: Camilo Santana. Mesmo sem citar o nome do ex-governador, a cada palavra pronunciada ficava evidente o destino do forte arsenal.

“O nosso povo não tem culpa da vaidade e da prepotência de lideranças que, uma vez construídas nessa luta e ao redor desse projeto, agora servem por uma ninharia, por um punhado de nada ou um carguinho de ministro e desertam da humildade e da luta do povo”, disparou. Dias antes, Ciro já havia falado que Lula teria oferecido um ministério a Camilo, caso vitorioso para presidente, para o afastar do PDT.

Depois do pesado ataque, o ex-governador não demorou muito para revidar. Embarcou para São Paulo poucas horas após o evento do PDT. Na capital paulista, ele se reuniu com Lula e depois de uma longa conversa anunciou o deputado Elmano Freitas como o candidato do PT ao Governo. Estava ali sacramentada a ruptura da aliança que ocupou o centro do poder cearense por 16 anos consecutivos.

Ao divulgar o nome do candidato, Camilo também partiu para o ataque. “Contra o ódio, a intolerância e a mentira”, escreveu o ex-governador no Twitter. Embora não tenha deixado claro a quem as palavras se dirigiam, o pronunciamento traçou definitivamente a linha divisória entre os blocos petistas e pedetistas na disputa ao Abolição.

Com a definição das candidaturas, Izolda decidiu desembarcar do seu partido no dia 26 de julho. "Diante desta nova realidade, e respeitando as decisões tomadas, anuncio o meu pedido de desfiliação do PDT", informou a governadora por meio das redes sociais, ao que ainda complementou: "Poderíamos já estar todos unidos contra o fascismo, a intolerância e o ódio. Defendi isso desde o início, juntamente com Cid, Camilo e tantos outros".

Cid desaparece e Lula assume posição de cabo eleitoral de Elmano

Na mesma semana da desfiliação de Izolda Cela, Elmano foi oficializado candidato ao governo em evento realizado no Centro de Convenções, em Fortaleza, com a presença de Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann.

Camilo Santana também foi um dos protagonistas. No discurso, fez elogios a Izolda e agradecimentos ao senador Cid Gomes. “Ninguém vai me separar dele, jamais. Ninguém me separa da minha amizade e gratidão a esse cearense que tanto fez pelo Ceará”, disse Camilo.

A ausência de Cid nos acontecimentos que resultaram no fim da aliança foi um dos destaques da pré-campanha cearense. O senador não participou da escolha do candidato pedetista, tarefa avocada pelo irmão Ciro. O afastamento refletiu a divisão interna do partido quanto ao nome que seria indicado para a disputa. Até o momento em que esta matéria foi escrita, Cid ainda não havia se pronunciado publicamente sobre o assunto.

O irmão Ivo Gomes, prefeito de Sobral, foi quem expôs a suposta preferência do senador. De acordo com ele, Cid concordava com Camilo sobre a candidatura de Izolda, por isso teria submergido após RC ser o indicado. Indo além, Ivo ainda disse que “simplesmente não existe” apoio do senador à candidatura de RC. Também afirmou que o PDT “ignorou e alijou” Cid do processo de escolha do nome.

Cenário quase definido

O cenário ficou quase definido no dia 5 de agosto, fim do prazo, após Capitão Wagner ser oficialmente indicado pelo União Brasil como candidato a governador. Ele terá como vice o ex-deputado federal Raimundo Gomes de Matos, do PL, um dos sete partidos que compõem sua coligação (Podemos, Avante, PL, Republicanos, PTB e União Brasil).

A vice de Elmano é a ex-secretária executiva de Esporte, Jade Romero, do MDB. Foi uma indicação direta do ex-senador Eunício Oliveira, que preside a sigla no Ceará. Jade, no entanto, não era a primeira opção do partido. Ela já foi definida após o prazo final. Antes dela, o nome apresentado foi o da fisioterapeuta Renata Almeida, que desistiu da disputa. Nas redes sociais, ela explicou que abriu mão da vaga por ter sido vítima de ataques à sua honra e à de sua família nas redes sociais.

Após o encerramento das negociações para a formação das coligações, o candidato com mais partidos a apoiá-lo foi Roberto Cláudio, com 10 adesões, além do próprio PDT. Ele reúne PSDB, Cidadania, PMB, Patriota, Agir, PMB, PSB, PSC, DC e PSD — este último, partido do seu candidato a vice, Domingos Filho. Porém, o apoio do PCDB e do Cidadania é objeto de divergências internas e foi suspenso pela Justiça.

Elmano vem na sequência, com nove legendas aliadas. Estão ao lado do candidato do PT o PP, MDB, PRTB, Psol, Rede, Solidariedade, Pros, PCdoB e o PV.

Outros três partidos lançaram candidaturas isoladas ao Governo do Estado: Chico Malta (PCB), Serley Leal (UP), e Zé Batista (PSTU).

Campanha tende a ser nacionalizada e triplamente polarizada

A configuração política da campanha eleitoral de 2022 no Ceará aponta para uma tripla polarização, projeta a professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres. Na avaliação dela, Wagner, Elmano e Roberto Cláudio chegam à disputa com plenas condições de vitória. O resultado das urnas, calcula a especialista, dependerá das estratégias que cada um deles pretende colocar em prática.

Torres acredita que o cenário de acirramento pós-racha PT/PDT confere a estas eleições um ingrediente único em relação às últimas disputas vivenciadas no Ceará. Para realçar o grau de competitividade esperado neste ano, ela faz um paralelo com o cenário de 2014.

“Naquele ano, também havia acontecido um rompimento na pré-campanha, quando Eunício [Oliveira] saiu do Governo e se lançou candidato. Mas, dessa vez, já existe um nome consolidado na oposição”, ressalta, em referência a Capitão Wagner. Para ela, o candidato do União Brasil é aquele que verdadeiramente “incorpora o discurso de oposição”. “Ele é e sempre foi um candidato anti-ferreira gomista. Essa imagem já é bastante consolidada”, pontuou.

O posicionamento de Wagner, segundo a professora, pode embaraçar o caminho de Roberto Cláudio, que diante do rompimento com o PT, de Camilo Santana, tem a difícil missão de adotar um discurso dual. “Ao mesmo tempo em que ele precisa construir uma fala de oposição, porque estará do lado oposto a Camilo, também tentará demonstrar que é o melhor nome para dar continuidade àquilo que foi bem sucedido nesse projeto. Não é fácil essa tarefa”, analisa.

Em relação a Elmano, a especialista ressalta como fator negativo o desconhecimento do eleitor sobre a trajetória do candidato. Por outro lado, ela aponta o palanque de apoio a ele como variável capaz de exercer grande peso durante a campanha.

“Ele [Elmano] caiu de paraquedas nesse cenário de quebra de alianças, mas ainda que seja um candidato desconhecido, se comparado aos demais, tem um espólio importantíssimo, que é o próprio palanque. Os seus dois maiores cabos eleitorais são Lula e Camilo, que estão com a popularidade muito em alta no Ceará”, comentou Torres.

Ainda de acordo com a professora, outro elemento que pode dar configuração única às eleições cearenses deste ano é a tendência de nacionalização das campanhas. De um lado, a tentativa de Elmano de colar sua imagem na do ex-presidente Lula. Do outro, Capitão Wagner querendo se desvencilhar de Bolsonaro, ainda majoritariamente rejeitado no Estado.

“Ele [Wagner] tem tido o cuidado de preservar a sua imagem como a de um líder político que iniciou a sua trajetória antes do bolsonarismo. Acredito, inclusive, que o Bolsonaro precisa muito mais de Wagner do que Wagner de Bolsonaro”, pondera. “A rejeição do bolsonarismo deve ser bastante explorada e a popularidade de Lula também. Resta saber como ficará Ciro nesse cenário”, acrescentou.

Pesquisa Ipespe encomendada por O POVO aponta quadro semelhante ao analisado pela especialista. Conforme o levantamento, Lula e Camilo são os políticos com maior potencial de influenciar na escolha do eleitor ao Governo do Estado. Bolsonaro, por outro lado, é o que mais tem peso negativo.

O apoio de Lula aumenta as chances de voto a um determinado candidato para 50% dos entrevistados. Camilo aparece na sequência, com 48%. Ciro está em terceiro, com 29%, seguido dos senadores Cid Gomes (28%) e Tasso Jereissati (28%) e da governadora Izolda Cela (23%). Bolsonaro aparece com apenas 17% das menções positivas, na última posição entre os sete políticos citados.

O presidente, contudo, lidera o ranking de influência negativa, aquele que mostra o eleitor rejeitando um candidato por associação a algum outro nome. Nesse caso, Bolsonaro tem 43%. O segundo colocado, Ciro Gomes, tem 22%, à frente de Lula (22%), Cid (22%), Izolda (20%) e Jereissati (21%). Camilo tem o melhor desempenho, com 15%.

Camilo favorito para assumir cadeira de Tasso no Senado

Com a popularidade em alta, o ex-governador Camilo Santana é o favorito na corrida ao Senado. Neste ano, apenas uma vaga estará em disputa. Conforme indicou a pesquisa Ipespe, Camilo lidera com folga as intenções de voto, atingindo 68%.

Quando a pesquisa foi realizada, todavia, o cenário ainda não estava definido. Só depois foram lançados a advogada Kamila Cardoso (Avante), na chapa de Capitão Wagner, e o empresário Amarílio Macêdo (PSDB) na coligação de Roberto Cláudio. A própria candidatura de Amarílio é ainda dúvida, pois está suspensa pela Justiça, enquanto o partido recorre

Os cinco postulantes vão disputar a cadeira que hoje é ocupada pelo senador Tasso Jereissati. O tucano anunciou que esse será seu último mandato eletivo e que não pretende mais disputar eleições. No total, ele soma quase 16 anos no Senado, sendo eleito para as legislaturas 2003-2011 e 2015-2023.

Campanha eleitoral nas ruas, rádio, TV e internet: os limites da lei

A campanha eleitoral começa oficialmente nesta terça-feira, 16, após o encerramento do prazo para o registro de candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A partir desta data até o dia 1º de outubro, véspera do primeiro turno das eleições, os candidatos poderão pedir voto abertamente ao eleitor.

Também estão permitidos os comícios, carreatas, caminhadas, distribuição de material gráfico e divulgação na internet. Já a propaganda no rádio e na TV começa no dia 26 de agosto e vai até 30 de setembro.

Durante o período, a legislação eleitoral impõe limites aos candidatos. Entre as proibições estão a distribuição de chaveiros, bonés, camisetas, brindes, canetas, alimentos ou quaisquer outros bens materiais que possam influenciar o voto do eleitor. O cumprimento das normas será fiscalizado pelo Ministério Público Federal (MPF), com apoio das polícias militar, federal e judiciárias e dos Ministérios Públicos dos estados.

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