A campanha eleitoral no Ceará, que começa nesta terça-feira, 16, é daquelas que a história trata de dar um lugar especial antes mesmo de começar. As articulações prévias resultaram no completo redesenho do cenário eleitoral cearense. Pela primeira vez desde 2006, PT e PDT estarão em lados opostos na disputa pelo poder. Um racha marcado por forte tensão e troca de farpas entre líderes locais e nacionais dos dois partidos.
Na outra ponta, emerge uma candidatura competitiva que ameaça romper com o ciclo de dominância política dos últimos 16 anos no Estado. Capitão Wagner, do União Brasil, desponta na liderança das pesquisas e tem como principal desafio provar que, ao contrário das duas disputas à Prefeitura de Fortaleza (2016 e 2020), dessa vez terá fôlego suficiente para manter-se na ponta da corrida eleitoral até o fechamento das urnas.
A postulação de Wagner já era dada como certa desde 2021, quando o próprio deputado anunciou intenção de concorrer ao Abolição por meio de postagem nas redes sociais. “Vamos construir um projeto capaz de libertar o Ceará”, disse ele à época ao se lançar pré-candidato.
Na contramão de Wagner, que começou a construir as bases de sua candidatura há mais de um ano das eleições, o PDT sinalizava que a escolha do nome governista seria levada até os 45 do segundo tempo. Não havia consenso em torno da postulação.
A sigla levou a decisão para o voto, apresentando o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, o deputado federal Mauro Filho, o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, e a então vice-governadora, Izolda Cela, como pré-candidatos ao cargo máximo do Estado.
Juntos, os quatro pedetistas participaram de dez encontros regionais promovidos pelo partido em várias localidades do Interior cearense entre o fim de 2021 e março deste ano. A indefinição abriu espaço para um explícito ambiente de tensão. O acirramento se tornou ainda maior quando Izolda Cela assumiu a chefia do Executivo Estadual, no dia 2 abril, após a saída de Camilo Santana (PT), que se desincompatibilizou do cargo para disputar o Senado.
Fora do Governo, Camilo reforçou os gestos a favor da candidatura de Izolda à reeleição. Em paralelo, cresceu dentro do PT a posição uníssona pró-Izolda. O movimento cresceu após a cúpula pedetista sinalizar que o favorito à indicação seria Roberto Cláudio.
Contrários à escolha de RC, líderes petistas cearenses ameaçavam romper com o PDT se o nome do ex-prefeito fosse confirmado. Consignado por figuras históricas do partido, como os deputados federais José Guimarães, Luizianne Lins e José Airton Cirilo, o veto se tornou condicionante para a manutenção da aliança.
A posição foi explicitada em tom mais veemente no dia 9 de junho, quando Guimarães afirmou em entrevista exclusiva ao O POVO que o PT buscaria “outro caminho” caso Roberto Cláudio fosse o escolhido pelos pedetistas.
Se antes estava em Camilo a base da sustentação do acordo PT-PDT, mesmo em fase de forte instabilidade, o mesmo ocorreu no momento em que a aliança se desmoronou. O ex-governador foi quem deu aval para o racha na noite do dia 18 de julho, quando o diretório estadual do PDT indicou Roberto Cláudio como candidato ao Governo, após votação em que ele obteve 55 votos dos dirigentes partidários, contra 29 de Izolda. Mauro Filho e Evandro Leitão, naquela ocasião, já haviam se retirado da disputa interna.
A escolha foi uma vitória de Ciro. Insatisfeita com o desfecho do processo, Izolda foi às redes sociais afirmar que teve o “direito” à reeleição negado. “Meu partido PDT decidiu hoje, em reunião de diretório, que não terei o direito a concorrer à reeleição”, disse a governadora.
A convenção pedetista, realizada no dia 24 de julho, foi tão marcada por ausências quanto pelo discurso áspero de Ciro Gomes, que atraiu para si todas as atenções. Sem Cid Gomes e Izolda Cela no palanque, Ciro ativou o modo “pistola”. A mira tinha endereço certo: Camilo Santana. Mesmo sem citar o nome do ex-governador, a cada palavra pronunciada ficava evidente o destino do forte arsenal.
“O nosso povo não tem culpa da vaidade e da prepotência de lideranças que, uma vez construídas nessa luta e ao redor desse projeto, agora servem por uma ninharia, por um punhado de nada ou um carguinho de ministro e desertam da humildade e da luta do povo”, disparou. Dias antes, Ciro já havia falado que Lula teria oferecido um ministério a Camilo, caso vitorioso para presidente, para o afastar do PDT.
Depois do pesado ataque, o ex-governador não demorou muito para revidar. Embarcou para São Paulo poucas horas após o evento do PDT. Na capital paulista, ele se reuniu com Lula e depois de uma longa conversa anunciou o deputado Elmano Freitas como o candidato do PT ao Governo. Estava ali sacramentada a ruptura da aliança que ocupou o centro do poder cearense por 16 anos consecutivos.
Ao divulgar o nome do candidato, Camilo também partiu para o ataque. “Contra o ódio, a intolerância e a mentira”, escreveu o ex-governador no Twitter. Embora não tenha deixado claro a quem as palavras se dirigiam, o pronunciamento traçou definitivamente a linha divisória entre os blocos petistas e pedetistas na disputa ao Abolição.
Com a definição das candidaturas, Izolda decidiu desembarcar do seu partido no dia 26 de julho. "Diante desta nova realidade, e respeitando as decisões tomadas, anuncio o meu pedido de desfiliação do PDT", informou a governadora por meio das redes sociais, ao que ainda complementou: "Poderíamos já estar todos unidos contra o fascismo, a intolerância e o ódio. Defendi isso desde o início, juntamente com Cid, Camilo e tantos outros".
Na mesma semana da desfiliação de Izolda Cela, Elmano foi oficializado candidato ao governo em evento realizado no Centro de Convenções, em Fortaleza, com a presença de Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann.
Camilo Santana também foi um dos protagonistas. No discurso, fez elogios a Izolda e agradecimentos ao senador Cid Gomes. “Ninguém vai me separar dele, jamais. Ninguém me separa da minha amizade e gratidão a esse cearense que tanto fez pelo Ceará”, disse Camilo.
A ausência de Cid nos acontecimentos que resultaram no fim da aliança foi um dos destaques da pré-campanha cearense. O senador não participou da escolha do candidato pedetista, tarefa avocada pelo irmão Ciro. O afastamento refletiu a divisão interna do partido quanto ao nome que seria indicado para a disputa. Até o momento em que esta matéria foi escrita, Cid ainda não havia se pronunciado publicamente sobre o assunto.
O irmão Ivo Gomes, prefeito de Sobral, foi quem expôs a suposta preferência do senador. De acordo com ele, Cid concordava com Camilo sobre a candidatura de Izolda, por isso teria submergido após RC ser o indicado. Indo além, Ivo ainda disse que “simplesmente não existe” apoio do senador à candidatura de RC. Também afirmou que o PDT “ignorou e alijou” Cid do processo de escolha do nome.
O cenário ficou quase definido no dia 5 de agosto, fim do prazo, após Capitão Wagner ser oficialmente indicado pelo União Brasil como candidato a governador. Ele terá como vice o ex-deputado federal Raimundo Gomes de Matos, do PL, um dos sete partidos que compõem sua coligação (Podemos, Avante, PL, Republicanos, PTB e União Brasil).
A vice de Elmano é a ex-secretária executiva de Esporte, Jade Romero, do MDB. Foi uma indicação direta do ex-senador Eunício Oliveira, que preside a sigla no Ceará. Jade, no entanto, não era a primeira opção do partido. Ela já foi definida após o prazo final. Antes dela, o nome apresentado foi o da fisioterapeuta Renata Almeida, que desistiu da disputa. Nas redes sociais, ela explicou que abriu mão da vaga por ter sido vítima de ataques à sua honra e à de sua família nas redes sociais.
Após o encerramento das negociações para a formação das coligações, o candidato com mais partidos a apoiá-lo foi Roberto Cláudio, com 10 adesões, além do próprio PDT. Ele reúne PSDB, Cidadania, PMB, Patriota, Agir, PMB, PSB, PSC, DC e PSD — este último, partido do seu candidato a vice, Domingos Filho. Porém, o apoio do PCDB e do Cidadania é objeto de divergências internas e foi suspenso pela Justiça.
Elmano vem na sequência, com nove legendas aliadas. Estão ao lado do candidato do PT o PP, MDB, PRTB, Psol, Rede, Solidariedade, Pros, PCdoB e o PV.
Outros três partidos lançaram candidaturas isoladas ao Governo do Estado: Chico Malta (PCB), Serley Leal (UP), e Zé Batista (PSTU).
A configuração política da campanha eleitoral de 2022 no Ceará aponta para uma tripla polarização, projeta a professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres. Na avaliação dela, Wagner, Elmano e Roberto Cláudio chegam à disputa com plenas condições de vitória. O resultado das urnas, calcula a especialista, dependerá das estratégias que cada um deles pretende colocar em prática.
Torres acredita que o cenário de acirramento pós-racha PT/PDT confere a estas eleições um ingrediente único em relação às últimas disputas vivenciadas no Ceará. Para realçar o grau de competitividade esperado neste ano, ela faz um paralelo com o cenário de 2014.
“Naquele ano, também havia acontecido um rompimento na pré-campanha, quando Eunício [Oliveira] saiu do Governo e se lançou candidato. Mas, dessa vez, já existe um nome consolidado na oposição”, ressalta, em referência a Capitão Wagner. Para ela, o candidato do União Brasil é aquele que verdadeiramente “incorpora o discurso de oposição”. “Ele é e sempre foi um candidato anti-ferreira gomista. Essa imagem já é bastante consolidada”, pontuou.
O posicionamento de Wagner, segundo a professora, pode embaraçar o caminho de Roberto Cláudio, que diante do rompimento com o PT, de Camilo Santana, tem a difícil missão de adotar um discurso dual. “Ao mesmo tempo em que ele precisa construir uma fala de oposição, porque estará do lado oposto a Camilo, também tentará demonstrar que é o melhor nome para dar continuidade àquilo que foi bem sucedido nesse projeto. Não é fácil essa tarefa”, analisa.
Em relação a Elmano, a especialista ressalta como fator negativo o desconhecimento do eleitor sobre a trajetória do candidato. Por outro lado, ela aponta o palanque de apoio a ele como variável capaz de exercer grande peso durante a campanha.
“Ele [Elmano] caiu de paraquedas nesse cenário de quebra de alianças, mas ainda que seja um candidato desconhecido, se comparado aos demais, tem um espólio importantíssimo, que é o próprio palanque. Os seus dois maiores cabos eleitorais são Lula e Camilo, que estão com a popularidade muito em alta no Ceará”, comentou Torres.
Ainda de acordo com a professora, outro elemento que pode dar configuração única às eleições cearenses deste ano é a tendência de nacionalização das campanhas. De um lado, a tentativa de Elmano de colar sua imagem na do ex-presidente Lula. Do outro, Capitão Wagner querendo se desvencilhar de Bolsonaro, ainda majoritariamente rejeitado no Estado.
“Ele [Wagner] tem tido o cuidado de preservar a sua imagem como a de um líder político que iniciou a sua trajetória antes do bolsonarismo. Acredito, inclusive, que o Bolsonaro precisa muito mais de Wagner do que Wagner de Bolsonaro”, pondera. “A rejeição do bolsonarismo deve ser bastante explorada e a popularidade de Lula também. Resta saber como ficará Ciro nesse cenário”, acrescentou.
Pesquisa Ipespe encomendada por O POVO aponta quadro semelhante ao analisado pela especialista. Conforme o levantamento, Lula e Camilo são os políticos com maior potencial de influenciar na escolha do eleitor ao Governo do Estado. Bolsonaro, por outro lado, é o que mais tem peso negativo.
O apoio de Lula aumenta as chances de voto a um determinado candidato para 50% dos entrevistados. Camilo aparece na sequência, com 48%. Ciro está em terceiro, com 29%, seguido dos senadores Cid Gomes (28%) e Tasso Jereissati (28%) e da governadora Izolda Cela (23%). Bolsonaro aparece com apenas 17% das menções positivas, na última posição entre os sete políticos citados.
O presidente, contudo, lidera o ranking de influência negativa, aquele que mostra o eleitor rejeitando um candidato por associação a algum outro nome. Nesse caso, Bolsonaro tem 43%. O segundo colocado, Ciro Gomes, tem 22%, à frente de Lula (22%), Cid (22%), Izolda (20%) e Jereissati (21%). Camilo tem o melhor desempenho, com 15%.
Com a popularidade em alta, o ex-governador Camilo Santana é o favorito na corrida ao Senado. Neste ano, apenas uma vaga estará em disputa. Conforme indicou a pesquisa Ipespe, Camilo lidera com folga as intenções de voto, atingindo 68%.
Quando a pesquisa foi realizada, todavia, o cenário ainda não estava definido. Só depois foram lançados a advogada Kamila Cardoso (Avante), na chapa de Capitão Wagner, e o empresário Amarílio Macêdo (PSDB) na coligação de Roberto Cláudio. A própria candidatura de Amarílio é ainda dúvida, pois está suspensa pela Justiça, enquanto o partido recorre
Os cinco postulantes vão disputar a cadeira que hoje é ocupada pelo senador Tasso Jereissati. O tucano anunciou que esse será seu último mandato eletivo e que não pretende mais disputar eleições. No total, ele soma quase 16 anos no Senado, sendo eleito para as legislaturas 2003-2011 e 2015-2023.
A campanha eleitoral começa oficialmente nesta terça-feira, 16, após o encerramento do prazo para o registro de candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A partir desta data até o dia 1º de outubro, véspera do primeiro turno das eleições, os candidatos poderão pedir voto abertamente ao eleitor.
Também estão permitidos os comícios, carreatas, caminhadas, distribuição de material gráfico e divulgação na internet. Já a propaganda no rádio e na TV começa no dia 26 de agosto e vai até 30 de setembro.
Durante o período, a legislação eleitoral impõe limites aos candidatos. Entre as proibições estão a distribuição de chaveiros, bonés, camisetas, brindes, canetas, alimentos ou quaisquer outros bens materiais que possam influenciar o voto do eleitor. O cumprimento das normas será fiscalizado pelo Ministério Público Federal (MPF), com apoio das polícias militar, federal e judiciárias e dos Ministérios Públicos dos estados.