Nessa quarta-feira, 30 de novembro, um mês se passou desde a eleição que consagrou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente eleito do Brasil, derrotando Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno, mas o quadro no país já se alterou significativamente.
Durante esse período, o petista estreitou laços com legendas que lhe fizeram oposição na campanha, a exemplo de União Brasil e PSD, além do PP de Arthur Lira, a quem o PT oficializou apoio na última terça-feira, 29, na corrida pela reeleição à frente da mesa-diretora da Câmara.
Caso sinalizem entrada na base do novo chefe do Executivo tão logo tome posse, o arco de sustentação de Lula incluiria Rede, PV, PSB, PCdoB, MDB, União Brasil e PSD.
Se as articulações, conduzidas pelo próprio Lula, antecipam uma base mais robusta no Congresso Nacional e indicam que o revés de Bolsonaro já foi plenamente assimilado no dia a dia legislativo, ainda há resistência de aliados mais radicais do presidente.
Em parte das estradas e mesmo em frente a quartéis de cidades como Fortaleza, capital cearense, os bolsonaristas protestaram e alguns ainda persistem na tese do não reconhecimento da vitória de Lula.
O silêncio do presidente também colabora para que essa ala golpista do seu eleitorado siga confrontando o regime democrático e apelando para uma intervenção militar, um recurso de exceção sem amparo legal na Constituição.
Ao O POVO, pesquisadores, contudo, minimizam essas queixas da franja radicalizada. Para eles, esses setores do bolsonarismo estão cada vez mais isolados, sem força sequer dentro do espectro conservador.
Mas esse cenário deve permanecer assim? Há chances de esse movimento eventualmente recrudescer e ganhar corpo, ameaçando a ordem democrática? E quanto à governabilidade de Lula, o que esses trinta dias já sugerem?
Professor de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Vitor Sandes considera que os atos golpistas pelas ruas se originam em “movimento contrário ao resultado das eleições realizado por pequenos grupos radicalizados à direita do espectro ideológico”.
“São extremistas de direita que rejeitam a democracia, mas representam uma parcela muito diminuta da população brasileira”, aponta.
Nesse sentido, reflete o pesquisador, significariam pouco risco ao país neste momento, de plena aceitação do pleito e encaminhamento dos ritos para assegurar a posse de Lula como novo presidente.
Também professor e cientista político, Pedro Gustavo de Sousa (Uece) concorda: “O movimento de rua contestador do resultado eleitoral não apresenta indícios de que poderá crescer no curto prazo”.
“Sem uma ação mais explícita do Bolsonaro para estimular tal movimento”, continua o especialista, “não parece haver um cenário promissor para que a contestação eleitoral ganhe maior amplitude social”.
De acordo com os pesquisadores, os maiores obstáculos para o governo Lula não estão nas marchas ilhadas desses bolsonaristas deixados para trás até pelos filhos do presidente. O risco para o petista está na Câmara e no Senado nos primeiros meses de gestão.
“No âmbito do Congresso, Lula terá pela frente a oposição aguerrida dos parlamentares alinhados com o bolsonarismo”, projeta Sousa, referindo-se sobretudo às fortes bancadas eleitas pelo PL nas duas casas.
Sandes acrescenta: “Para o Lula, os maiores desafios iniciais se darão na relação com o Congresso, em busca da construção de maiorias estáveis que garantam apoio a sua agenda de governo”.
Eles ponderam, contudo, que mesmo uma parte das siglas que apoiou Bolsonaro na eleição deve ter algum tipo de composição e diálogo com o presidente eleito. Ou seja, Lula vai ter espaço para atuar nesse meio de campo e tentar ampliar seu time, cuja soma já teria algo em torno de 160 deputados.
“De resto”, calcula Sousa, “as demais bancadas parlamentares terão um comportamento dentro dos parâmetros de negociação com o Executivo. Mesmo as bancadas de oposição ou independentes poderão votar com o governo em dados momentos”.
Sandes observa ainda que, “se o governo for mal-sucedido, abrirá espaço para que os movimentos de oposição ganhem força nas ruas”, uma possibilidade encarada como mais remota, mas não descartada.
Silêncio de Bolsonaro alimenta golpismo, diz pesquisador
Mesmo sem dar um pio desde a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 30 de outubro último, o presidente Jair Bolsonaro (PL) estimula atos golpistas de aliados que, neste momento, continuam ocupando a frente de quartéis pelo país.
Esses manifestantes se concentram em pequenas quantidades, é verdade, mas, conforme analistas, o atual chefe do Executivo talvez precise apenas de uma parcela do seu eleitorado para tumultuar o ambiente político. Esse seria um de seus planos quando deixar o governo.
“O silêncio de Bolsonaro revela a sua própria relação com a democracia. Embora tenha sido representante parlamentar por 28 anos, eleito sucessivas vezes, sua relação sempre foi de tensão e de enfrentamento”, avalia Emanuel Freitas, professor e cientista político da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Para ele, Lula terá pela frente uma oposição forte na esteira desses protestos e dos votos recebidos pelo atual presidente no segundo turno – o petista venceu por margem estreita.
“Num primeiro momento”, indica, “Lula vai enfrentar oposição forte, porque temos senadores e deputados bolsonaristas com muita presença nas redes e manejo e sabem fazer estardalhaço”.
O silêncio do atual mandatário seria, então, uma tentativa de manter coeso esse núcleo fanatizado para o qual Bolsonaro não foi derrotado e cuja retórica é encorajada por atos como o de Valdemar da Costa Neto.
Presidente nacional do PL, partido de Bolsonaro, Costa Neto chegou a entrar com uma ação questionando os votos de parte das urnas no segundo turno, principalmente de cidades interioranas.
Sem eles, disse o dirigente, Bolsonaro teria sido eleito. A alegação, claro, não tinha qualquer fundamento, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a rejeitou dias depois. Antes, determinou que o PL refizesse a ação para incluir o primeiro turno da eleição, e não apenas o segundo.
Como Costa Neto não acatou a medida, Alexandre de Moraes, presidente do TSE, recusou a petição e aplicou multa de R$ 22,9 milhões ao partido de Bolsonaro, além de bloquear o acesso da legenda ao fundo partidário.
"Lula vai conseguir atrair gente que fez oposição"
Cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabio Kerche considera que Lula deve conseguir ampliar rapidamente a sua base congressual para assegurar maioria na aprovação de sua agenda de campanha.
Segundo ele, esse diálogo do petista com outras legendas vai se estender a parlamentares e partidos que estiveram ao lado de Jair Bolsonaro (PL) nas disputas eleitorais.
“O mandato de Lula já está sendo construído, a composição da Câmara vai mudar. Acho que a aliança é ampla e Lula vai conseguir atrair gente que fez oposição a ele na eleição”, responde.
Questionado sobre eventuais dificuldades do presidente eleito diante de atos de rua num primeiro momento da gestão no Planalto, Kerche diz não enxergar força nesses grupos.
“Acho que esses movimentos estão isolados. Foi superado (o pleito), e Lula toma posse em 1º de janeiro. A comunidade internacional já reconheceu, todas as instituições já reconheceram”, indica, acrescentando que esses radicais “fazem barulho, mas não têm força para reverter”.
“São atos isolados de uma minoria, nem todo mundo que votou em Bolsonaro apoia esse tipo de coisa”, considera.
Ponto de vista: O cenário do pós-eleição
A resistência bolsonarista um mês depois das eleições tem uma conjugação de fatores: há os que, de fato, acreditam em fraude, pois foram dominados por fake news e teorias da conspiração; há os que sabem que não houve fraude, mas não aceitam a eleição de Lula; há os que não aceitam a democracia e querem golpe ou intervenção militar; e há os que estão financiando os atos e estes podem estar numa das alternativas aventadas anteriormente.
Com a posse de Lula, provavelmente, o movimento perderá força, mas poderá ser mantido a depender do financiamento e da resiliência assentada em uma ética da convicção de que Bolsonaro é, realmente, um mito, salvador, envolto quase numa aura de santidade.
Outro ponto: com a mudança de governo, e mudança no comando das forças armadas, as instituições podem funcionar, investigando, processando e punindo os atos de bloqueios, de ataques e de atentados contra a ordem democrática.
Muito dependerá de como será o início do novo governo e como Lula agirá em relação a um país fraturado politicamente.
Não há dúvidas que Lula terá oposição mais ferrenha, especialmente, por parte de bolsonaristas, mas o centrão é pragmático e, a depender do que “ganhar”, estará com o governo.
Mas os bolsonaristas radicais vão usar a tribuna para atacar e as redes sociais para divulgar fake news e teorias da conspiração. Não será fácil, dado o ineditismo da situação.
Rodrigo Prando é cientista político e professor da Faculdade Mackenzie