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Suspeitas, inquéritos e processos: entenda a situação jurídica de Bolsonaro
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Suspeitas, inquéritos e processos: entenda a situação jurídica de Bolsonaro

O retorno de Bolsonaro ao Brasil chegou a ser anunciado pelo filho Flávio, que depois voltou atrás. Sem foro privilegiado pela primeira vez em décadas, ex-presidente enfrenta complicações na Justiça
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Ex-presidente Jair Bolsonaro perto de ficar inelegível (Foto: ROBERTO SCHMIDT / AFP)
Foto: ROBERTO SCHMIDT / AFP Ex-presidente Jair Bolsonaro perto de ficar inelegível

Há mais de dois meses fora do Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não tem previsão de data para retornar ao País. No começo de fevereiro, ele falou que retornaria nas "próximas semanas". Depois, citou especificamente o mês de março. Nesta semana, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chegou a anunciar a volta do pai para 15 de março. Minutos depois, apagou a publicação. Referindo-se ao ex-presidente como "nosso Johnny Bravo", Flávio disse que disse que não há data confirmada para o retorno e, quando houver, o anúncio será feito pelo próprio Bolsonaro.

Quando finalmente retornar, Bolsonaro enfrentará uma realidade nova para ele. Após 32 anos de mandatos eletivos, 28 deles como deputado federal e quatro como presidente da República, Jair Bolsonaro perdeu o direito ao foro especial por prerrogativa de função, dispositivo que, de certo modo, blinda autoridades como parlamentares, ministros e presidentes. Com isso, investigações envolvendo o agora ex-chefe do Executivo podem transitar na primeira instância. Isso sem considerar os dois anos em que foi vereador do Rio de Janeiro, com menos salvaguardas jurídicas.

O ex-presidente tinha proteção do chamado de “foro privilegiado” desde que virou deputado federal. Tinha assim a garantia de que investigações criminais contra ele só tramitariam no Supremo Tribunal Federal (STF), e somente a Procuradoria-Geral da República (PGR) teria a prerrogativa de formalizar uma denúncia, que também precisaria passar pelo crivo Câmara dos Deputados.

Quando virou presidente, passou a ser ainda mais resguardado. A tramitação de processos anteriores ao mandato foi suspensa, para só retornar agora, ao deixar o cargo. Denúncias relacionadas ao mandato cabiam exclusivamente ao procurador-geral da República, Augusto Aras, com quem o ex-presidente mantém amistosa relação. Bolsonaro agora se confronta com tudo isso.

Alvo de inquéritos no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enquanto exercia a Presidência, a situação jurídica de Bolsonaro requer, no mínimo, atenção. Sem o foro, ele passa, a depender do caso, a responder à Justiça comum. Exceções seriam nos inquéritos que envolvam atores que ainda têm direito ao foro privilegiado e cuja investigação não possa ser desmembrada. Nesse cenário, a competência continua nos respectivos tribunais superiores.

Outro fator que muda, é a prerrogativa de apresentar uma eventual denúncia. Sem o foro, esta passa a ser dos promotores e procuradores do Ministério Público nos estados ou do Ministério Público Federal na primeira instância, e não mais exclusividade da PGR. A decisão acerca de que processos seguem nas instâncias superiores e quais vão para a Justiça comum cabe aos relatores das respectivas ações.

Bolsonaro tornou-se alvo de quatro inquéritos autorizados pelo STF durante a sua gestão. Um sobre suposta interferência na Polícia Federal (PF); outro sobre divulgação de notícias falsas acerca de vacinas contra a Covid-19; um terceiro sobre vazamento de dados sigilosos de suposto ataque hacker ao TSE e o chamado inquérito das fake news, que apura notícias falsas e ameaças a ministros da Suprema Corte. Todos sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Neste ano, já como ex-presidente, Bolsonaro foi incluído entre investigados no inquérito que apura responsabilidades acerca dos atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília, e que culminaram na invasão e depredação de sedes dos três poderes da República. O senador Marcos do Val (Podemos) acusou Bolsonaro e o ex-deputado Daniel Silveira de tentarem coagi-lo para participar de um plano golpista que envolveria gravação de conversa com Alexandre de Moraes e impedir a posse do presidente Lula.

Bolsonaro enfrenta ainda acusações de gastos indevidos com cartões corporativos, a serem apuradas no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), e sua gestão tornou-se alvo de processo a respeito da crise humanitária envolvendo os povos indígenas do território Yanomami. Neste último caso, o STF determinou a abertura de investigação contra autoridades da gestão por suposto crime de genocídio; no entanto os nomes dos envolvidos não foram divulgados por questões de sigilo.

Em fevereiro, a ministra Carmen Lúcia, do STF, enviou ao menos seis pedidos de investigação envolvendo Bolsonaro para a Justiça comum, os processos ficaram a cargo da Justiça Federal de Brasília.

Cinco dos seis pedidos versam sobre ataques feitos pelo ex-presidente ao STF durante discursos no feriado do 7 de Setembro de 2021, quando Bolsonaro falou em tom golpista, inflamou apoiadores em Brasília e em São Paulo e ameaçou descumprir decisões judiciais.

Uma outra ação pedia que o ex-presidente fosse investigado por crime de racismo, após ele ter associado o peso de um negro ao arroba, unidade utilizada para pesar gado. Neste caso, o MPF manifestou entendimento pelo arquivamento da ação, entendendo haver “ausência de densidade” para denunciar Bolsonaro pelo suposto crime.

Vale ressaltar que várias das investigações que envolvem Bolsonaro estão em fase inicial e que parte delas corre em sigilo. Não há um prazo fixado para definir se haverá ou não declínio de competência ou mesmo para concluir os inquéritos, o que afasta as especulações de que o ex-presidente seria preso. Em fevereiro, o UOL noticiou que ministros do STF consideram improvável que haja prisão de Bolsonaro, mas dão como possibilidade real que ele fique inelegível.

Mais recentemente, veio à tona o caso das joias dadas de presente pelo regime da Arábia Saudita e que foram apreendidas ao entrarem no Brasil na mochila de um assessor do então ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), a Polícia Federal deve investigar três possíveis crimes: descaminho, tentativa de burlar pagamento de obrigação ou imposto devido, com pena de um a quatro anos de prisão; peculato, a tentativa ou apropriação por servidor público de bem ao qual teve acesso em razão do cargo, com pena de dois a doze anos de prisão; e lavagem de dinheiro, quando se tenta esconder a origem ilegal de um bem, com pena de três a dez anos de prisão. Na segunda-feira, a Polícia Federal abriu inquérito sobre o caso.

INQUÉRITOS NO STF

Inquérito dos atos golpistas de 8 de janeiro

Atendendo a pedido da PGR, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a inclusão de Bolsonaro na investigação que apura a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF ocorrida nos atos golpistas de 8 de janeiro. A PGR pediu a inclusão do ex-presidente para apurar se ele teria incitado a prática de crimes contra a democracia a partir de postagem de vídeo que sinalizava, sem provas, que houve fraude na eleição de 2022.

O vídeo, publicado no dia 10, foi apagado. Segundo o Moraes, a partir de afirmações falsas se formula uma narrativa que deslegitima as instituições e estimula grupos de apoiadores a atacarem pessoas que representam as instituições.

Na decisão, o ministro deferiu pedido para a expedição de ofício à empresa Meta para que preserve o vídeo postado e apagado, além de informações sobre seu alcance e a oitiva de especialistas para aferir efeitos da postagem.

A PGR pediu ainda a realização de interrogatório de Bolsonaro, mas como ele está nos Estados Unidos, Moraes explicou que esse requerimento será apreciado posteriormente. O processo corre em segredo de Justiça.

Interferências na Polícia Federal

O caso veio a público ainda em 2020, após acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro (União Brasil), eleito senador em 2022, de que Bolsonaro teria interferido politicamente no comando da PF para ter acesso a informações e blindar familiares e aliados. No ano passado, a PGR pediu o arquivamento do caso após investigação da PF concluir que não houve crime. O relator do inquérito é o ministro Alexandre de Moraes.

Em janeiro deste ano, após a saída de Bolsonaro da presidência, a Advocacia-Geral da União (AGU) deixou a defesa do ex-presidente. Segundo informou a AGU, Bolsonaro sinalizou que havia contratado um advogado particular para representá-lo no caso. Ainda não há decisão do Judiciário sobre a continuidade ou arquivamento.

Outro caso de suposta interferência está sob análise da ministra Carmen Lúcia, do STF, e envolve investigação de supostas irregularidades e desvios no Ministério da Educação. O caso está relacionado a um grampo telefônico que registrou o ex-ministro Milton Ribeiro afirmando que Bolsonaro havia sinalizado temer que a policia cumprisse mandados contra Ribeiro, o que se confirmou dias depois.

Divulgação de fake news sobre vacinas e máscaras

Um dos crimes imputados a Bolsonaro pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, envolve declarações mentirosas de Bolsonaro sobre máscaras e vacinas contra a Covid. Em uma transmissão ao vivo, Bolsonaro reproduziu mentiras ao associar os imunizantes a um suposto aumento do risco de contrair AIDS; e desestimulou o uso de máscaras, uma das principais medidas protetivas na pandemia.

No caso da associação de vacinas ao suposto desenvolvimento de Aids, a PF entendeu que Bolsonaro atentou contra a paz pública. Já na questão das máscaras, houve “incitação à prática de crime”. Ambas as infrações criminais são previstas em dispositivos da lei; a depender do caso podem gerar pena de três a seis meses de prisão ou multa.

O caso deve passar a ser responsabilidade do Ministério Público, que vai decidir se arquiva ou apresenta denúncia. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator no STF, definir se haverá declinação de responsabilidade para outra instância ou não.

Vazamento de informações sigilosas da PF

Inquérito foi instaurado em 2021, a partir de notícia-crime enviada pela Justiça Eleitoral, para investigação das condutas de Bolsonaro e aliados acerca da divulgação indevida de dados sigilosos da Polícia Federal. Na ocasião, Bolsonaro divulgou, via redes sociais, a íntegra de um inquérito que apura suposto ataque hacker ao TSE, ainda em 2018.

À época, o Tribunal esclareceu que o caso não gerou riscos à lisura do processo eleitoral de 2018, eleição que, inclusive, foi vencida pelo próprio Bolsonaro. A intenção do vazamento, segundo o TSE, seria fomentar narrativas que pusessem em xeque o processo eleitoral.

Posteriormente, a PGR chegou a pedir o arquivamento do caso, o que foi negado pelo ministro-relator Alexandre de Moraes. Bolsonaro não foi denunciado pela PGR, mas se o migrar para a Justiça comum, ele poderá ser denunciado pelo Ministério Público.

No entendimento de ministros do TSE que enviaram a notícia-creime à época, a conduta pode ser enquadrada no Artigo 153 do Código Penal, que considera crime “Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública. A pena para essa prática pode variar entre detenção, de um a quatro anos, e multa.

Inquérito das fake news

Processo que corre em sigilo, o Inquérito das Fake News está ligado a outra investigação que apura a atuação de milícias digitais contra a democracia brasileira. Aberto em 2019, pelo STF, o inquérito apura notícias falsas e ameaças contra os ministros.

Bolsonaro foi incluído entre os investigados em 2021, pelo relator Alexandre de Moraes. A inclusão do então presidente se deu após episódio em que ele atacava, sem apresentar provas, o sistema eleitoral e a lisura das eleições, prática comum à gestão Bolsonaro durante todo o seu mandato à frente do Executivo (2019-2022).

Esse é um dos exemplos de inquéritos que devem permanecer no STF, mesmo com a perda do foro privilegiado de Bolsonaro. Isso porque a investigação se iniciou a partir de pedido do Supremo.

Investigações na Justiça Eleitoral

No TSE, ao menos 16 processos contra o ex-presidente estão em tramitação; a maioria movida por partidos opositores. Um desses processos é uma ação ajuizada pelo PDT, que denunciou suposta prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por Bolsonaro, em meados de 2022, antes do primeiro turno da eleição.

A ação faz referência a uma reunião promovida pelo então presidente, com embaixadores, no Palácio da Alvorada em que foram registradas ameaças ao sistema eleitoral e contra membros do Judiciário. À época, a reunião foi transmitida pela TV Brasil (emissora pública).

A defesa de Bolsonaro e seu partido, o PL, argumentaram que o encontro não teve caráter eleitoral, tratando-se de reunião de governo. No entanto, o TSE rejeitou a tese em votação realizada no fim de 2022, decidindo que o caso permaneceria sob apreciação da Corte.

Com a perda do foro privilegiado, Bolsonaro pode ter algumas das ações que correm no TSE encaminhadas para Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). A movimentação segue a mesma lógica aplicada em casos não eleitorais, que podem passar para a Justiça comum.

Outra ação de investigação eleitoral, apresentada pelo PT e partidos da coligação que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, foi aberta no último dia 19 de janeiro pelo ministro Benedito Gonçalves, do TSE. No processo, Bolsonaro é acusado de realizar eventos, de forma indevida, nos palácios da Alvorada e do Planalto durante o 2° turno.

A ação cita reuniões realizadas com governadores próximos do então presidente e com cantores sertanejos para fazer anúncio público às vésperas da votação. Na análise do ministro Benedito, a petição trouxe indícios suficientes para a abertura do processo.

“Espaços tradicionalmente usados para a realização de coletivas pelo presidente da República, serviram de palco para a realização de atos ostensivos de campanha, nos quais se buscou projetar uma imagem de força política da candidatura”, afirmou Benedito na ocasião. Em caso de condenação em algum dos processos, Bolsonaro corre risco de ficar inelegível.

Com informações de Agência Brasil e Tribunais Superiores.

Colaborou: Júlia Duarte.

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