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Mulheres devem ser protagonistas na luta pela equidade e pelo fim do racismo
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Mulheres devem ser protagonistas na luta pela equidade e pelo fim do racismo

Para a vice-governadora Jade Romero há grandes avanços quando gestões consideram marcadores de gênero e raça
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 01-03-2024: Entrevista com vice-governadora Jade Romero para Aguanambi. (Foto: Samuel Setubal) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 01-03-2024: Entrevista com vice-governadora Jade Romero para Aguanambi. (Foto: Samuel Setubal)

Quando começou o governo Elmano de Freitas (PT), marcou apenas a segunda vez que uma mulher chegou ao cargo de vice-governadora do Ceará. Jade Romero (MDB) assumiu também a Secretaria das Mulheres, a primeira vez que o organograma da gestão cearense passou a contar com uma pasta voltada para o gênero. Para ela, o posto proporciona espaço de transversalidade com outras secretarias para desenvolver políticas públicas voltadas para não só a proteção de mulheres, mas também na diminuição das desigualdades sociais. E para enfrentar o desafio da inclusão feminina, em todos os espaços possíveis, ela destaca a escolha da gestão de considerar marcadores de gênero e raça até vinculados à destinação de recursos orçamentários.

O POVO - Ano passado, o número de feminicídios foi o maior em seis anos, desde que começou a contabilização no Ceará. Como é que o Estado recebe esse aumento, de causas ou possíveis motivações. O que está sendo construído para 2024 para que esse cenário não se repita?

Jade Romero -  No Estado, nós tomamos uma decisão. Era uma demanda antiga dos movimentos sociais, principalmente de mulheres, para que todo assassinato de mulher fosse antes caracterizado como feminicídio e, somente durante o percurso da investigação, pudesse ser constatado que, na verdade, não teria sido uma morte de uma mulher em razão de gênero, ou seja, qualificado como homicídio. Todos os estados que adotaram essa prática tiveram uma diferença, porque há primeiro uma mudança metodológica, mas que eu considero também mais justa de ser tratada. Questões de gênero envolvem muitas questões subjetivas e muito além daquilo que a gente trata no dia a dia. Muitas vezes o feminicídio não acontece só após o término de um relacionamento ou pela ausência de uma relação. É a razão de gênero, pode acontecer dentro de outras perspectivas também. Infelizmente, esse aumento não ocorreu só aqui no Estado do Ceará. Eu estive visitando, a gente conversa muito com a secretarias das mulheres, um projeto na Espanha. A Espanha vinha há 20 anos tendo queda de feminicídio e, no ano passado, voltou a ter um aumento. Existem várias razões que podem ser apontadas para esse aumento do feminicídio. O estímulo à cultura de ódio, o acesso às armas, mas também, à medida que a mulher tem mais autonomia e mais força, muitas vezes, o homem não consegue ter um controle da situação emocional e age com ainda mais força para tentar conter a mulher. Quando a gente fala dessa política de mulheres, eu sempre trago essa perspectiva de que nós precisamos envolver os homens. Essa pauta não pode ser somente nossa, que vivemos os mais diversos tipos de violência no dia a dia. A gente precisa ter os homens envolvidos, porque os agressores são do sexo masculino. É falar dessa masculinidade, de como nós estamos criando os nossos filhos para lidar com as situações mais adversas que temos no dia a dia. Nós temos uma série de situações assim. Por exemplo: "Homem não pode chorar, homem não faz terapia, isso não é coisa de homem". Assim como a gente também tem um universo: "Isso não é coisa de mulher, a mulher deve se comportar assim". Esses papeis de gênero vêm sendo impostos ao longo da nossa história, da nossa cultura, eles precisam ser repensados, não somente pelo governo ou pela Assembleia. Esse é um objetivo que, se a gente quer uma sociedade com mais justiça social, com menos desigualdade, nós precisamos repensar esses papeis como sociedade. E a gente sabe que a mentalidade é um processo de mudança que demanda tempo, mas demanda também força, energia, política pública. Por isso, a gente também tem feito grandes esforços, como o lançamento do programa Ceará Por Elas e outras políticas para dar também essa proteção imediata às mulheres que são vítimas de violência.

OP -  Proteção para mulheres envolve segurança pública, alimentar, entre outras. Quais são as prioridades como secretária e como vice-governadora?

Jade - Nós temos o alto comando, a alta gestão do Estado do Ceará, sensibilizado em relação a equidade de gênero. A primeira ação afirmativa do Elmano foi ter paridade de gênero no secretariado. Essa representatividade é importante também dentro desse processo de proteção das mulheres, da ascensão da participação. Esse é um ponto que eu considero importante: criação da secretaria. Sou a única vice-governadora no Brasil que assumiu essa função de coordenar as políticas de mulheres. Isso também é uma decisão política de priorizar essas estratégias. A Secretaria de Mulheres é realmente bastante transversal. Nós temos diálogo em todas as secretarias, porque a lente de gênero pode ser aplicada nas mais diversas políticas. O Ceará Sem Fome, por exemplo, existem estudos da ONU que mostram que há no mundo todo uma feminização da fome. Mulheres são mais impactadas pela insegurança alimentar. Aqui no Estado do Ceará, o nosso Ceará Sem Fome, que é comandado pela primeira-dama, a Lia, tem mais de 90% de beneficiários mulheres. É uma política também que, de forma transversal, atinge mais mulheres. Quando a gente fala do crédito para o empreendedorismo, nós temos também o Ceará Crede, em que mais de 70% dos beneficiários também são mulheres. Quando a gente olha para questões climáticas, também os estudos mostram que as mulheres têm sido mais impactadas. Nós temos dentro da Secretaria de Meio Ambiente, quando falamos dos agentes de jovens ambientais, de outras políticas também, as grandes protagonistas são as mulheres. Proporcionalmente isso já vai acontecer porque nós somos a maioria da população, mas nós temos sido colocadas também como peças-chave dentro dessas políticas públicas porque há um impacto tanto do desafio, quanto também da solução em relação a nós, mulheres. A Secretaria das Mulheres permeia e norteia as políticas do Estado para que a gente tenha essa decisão. Nós fomos o primeiro estado brasileiro a construir um orçamento sensível à raça e ao gênero. Os nossos marcadores, os nossos indicadores, que vão ser avaliados ao fim da gestão, porque foi durante a construção do PPA, eles terão ali indicadores daquilo que a gente conseguiu avançar na equidade de gênero e também no fim do racismo.

OP - Qual a diferença que faz colocar esses marcadores dentro das limitações da política pública, da destinação do orçamento, de considerar gênero e raça?

Jade - É uma decisão política acima de tudo, em que os gestores veem a possibilidade e a questão da equidade de gênero e do fim do racismo como pontos chave para vencer e superar as desigualdades sociais. E quando a gente traz esse olhar para o governo e para a política, é uma decisão também baseada em dados. Quando a gente fala de violência contra nós mulheres, a gente tá falando na grande maioria de mulheres negras e pobres que são impactadas. Apesar de que a gente sabe que casos de violência doméstica acontecem nas mais diversas camadas sociais, atingem mulheres numa perspectiva geral, mas há dados sobre isso que nos mostram um norte sobre a necessidade também da superação do racismo. O Elmano traz essa essa decisão para que nós possamos acompanhar. Eu acredito também que é uma evolução das políticas públicas. Nós temos várias formas de fazer a mesma coisa, mas a decisão do governador é de poder acompanhar também sobre a superação desses desafios.

OP - A senhora é a segunda vice-governadora, que assumiu até em alguns momentos a governadoria. Quais são os avanços que tem que a senhora observa do tempo da ex-governadora Izolda para o seu? Quais coisas podem ser melhoradas?

Jade - É um grande orgulho suceder uma mulher com a Izolda que foi uma grande vice-governadora, uma grande governadora, a primeira da nossa história. No contexto político ali onde eu fui eleita junto com Elmano, importante destacar, a Izolda foi a primeira governadora mulher da nossa história e ela não teve o direito à reeleição. Quando a gente fala também dessas violências, a gente também fala da violência política de gênero. Isso me trouxe também uma grande responsabilidade. Agora a diferença. Eu acredito muito na força da representatividade de suceder a Izolda da minha forma, sendo uma mulher jovem grávida assumindo em alguns momentos esse papel, estando ao lado do Elmano nessa construção, na continuidade do projeto e trazendo aquilo que eu acho que traz um pouco a minha história com aquilo que a população cearense também esperava. Porque, durante a nossa caminhada, principalmente durante a campanha, eu senti muito essa necessidade que as mulheres têm no Ceará de se sentirem representadas. Obviamente não existe unanimidade e eu não quero ser isso, mas a gente sabe que no nosso estado as nossas mulheres precisam ampliar essa representatividade por meio de mulheres que defendem essas políticas para mulheres. Temos ainda uma longa caminhada. A Izolda teve uma participação muito importante na educação e eu agradeço a parceria do Elmano, que tem me dado todo apoio para que eu também possa deixar minha marca dentro da política de mulheres. Acredito que esse é meu grande objetivo dentro do governo, trazer essa perspectiva de gênero para as demais políticas.

OP - Em algunas cidades, quando a prefeita foi mãe, escolheu montar um quarto na sede da prefeitura, escolheu trazer essa maternidade para a gestão para seguir com as atividades. Como está sendo esse período da gravidez? E há planejamento para o pós?

Jade - Eu acho que é bem simbólico, porque, em 2022, eu só pude ser candidata depois de uma decisão do TRE-CE e do TSE que virou o jurisprudência pro Brasil todo que uma mulher que esteja durante a licença-maternidade, ela não precisa se desencompatibilizar para ser candidata. Eu acho que antes mesmo de ser eleita, já trouxe esse marco que foi simbólico do ponto de vista da participação feminina na política. Agora, com um bebê de 2 anos e grávida novamente, traz essa força das mulheres que muitas vezes se tenta cercear. "É momento para isso? Você tá tão bem na sua vida profissional, você vai decidir ter um filho?" Isso mostra que nós temos a liberdade, o direito da liberdade de escolha, de escolhermos o momento da nossa vida que nós queremos ascender profissionalmente, que nós queremos ter filhos. Obviamente não são todas as mulheres que conseguem ter uma retaguarda para conciliar essas múltiplas tarefas. Nós também não podemos romantizar o acúmulo de papéis, mas eu acho que a gente tem de demonstrar para a sociedade a representatividade dessa força feminina de tomar a decisão. Nós somos donas das nossas histórias e somos nós que decidimos aquilo que a gente quer fazer ou que nós não queremos fazer. Dentro dessa perspectiva de uma gravidez muito saudável, graças a Deus, tendo toda a condição de suprir esses desafios que o governador está passando. Eu quero, após ter neném também, estar totalmente à disposição dentro das minhas limitações. Somente depois é que eu vou decidir realmente como é que vai ser a minha a minha rotina, porque a gente sabe que o período puerpério é muito difícil. Às vezes as mulheres ficam muito bem, mas muitas vezes não ficam. Eu acho que é respeitar o momento. Se for necessário, trago neném para cá, se não tiver condição de ficar em casa. É o direito à livre escolha para que a mulher possa tomar a sua decisão. Licença-maternidade é um direito garantido e a mulher pode fazer da forma para sua vida pessoal e profissional.

OP - Sobre o episódio das críticas à senhora por vereadores na Câmara, ano passado. Como analisa o episódio e projeta que outros episódios possam acontecer com sua figura e outras mulheres na política? (Jade criticou o prefeito José Sarto e o ex-prefeito Roberto Cláudio e por isso foi chamada por vereadores de "menina de recados” e "garganta de aluguel").

Jade - Esse episódio, infelizmente, não foi o primeiro, nem será o último. Inclusive, ele dividiu não somente a classe política, mas dividiu também as opiniões num contexto geral de algumas pessoas. A gente ainda tem um caminho muito grande para internalizar, para entender o que é essa violência política de gênero, para ter esses mecanismos para combater. A gente só vai conseguir ampliar a representatividade feminina quando a gente conseguir ter mais mecanismos para enfrentar e para combater esse tipo de prática. Porque as pessoas se explicam e muitas vezes fica por isso mesmo. Como é que a gente atrai uma mulher para participar da vida pública sabendo que ela vai ser xingada, diminuída, que a posição dela vai ser relativizada, que ela vai ser violentada dentro desse espaço? Se a gente quer ampliar a representação da atividade política feminina, nós temos de combater a violência política de gênero. A gente tem uma grande oportunidade nessas eleições de fazer uma discussão séria, que seja suprapartidária, porque também a gente não pode também trazer esse contexto só quando convém politicamente. São mulheres de direita e de esquerda que sofrem essa violência diariamente. Essa violência, infelizmente, é muito presente nas câmaras de vereadores. Aqui no Estado do Ceará, nós temos, por exemplo, Câmara que não tem nem sequer um banheiro feminino. Isso diz muito de um universo que foi construído para os homens. Por isso, ampliar a representatividade é importante para que a gente possa dizer que esse espaço também é nosso e que nós queremos construir de forma justa e igualitária. E que não ocorra violência, porque, afinal de contas, quando tem esses episódios quem perde é a população.

OP -  Quando se fala nessas violências, a senhora sente que as mulheres se tornam mais alvo como políticas ou como executivas, como secretárias, por exemplo?

Jade - Esses episódios de violência permeiam a sociedade, são reflexos da sociedade em todas as instâncias. Eu já recebi aqui um grupo de médias e grandes empresárias que relatam sofrer violência de gênero quando vão acessar, por exemplo, um crédito, um financiamento. "Será que ela vai ter condição? Será que ela faz realmente uma boa gestão? Ela vai poder conseguir pagar esse financiamento?". Isso independe da posição em que nós estamos. E a gente vê, vive e sente na pele todos os dias, das mais diversas formas. Muitas vezes, vem como forma de cuidados. "É porque você é uma mulher, então a gente tem que cuidar mais". Nenhuma de nós, independentemente de posição política, empresarial, profissional, está livre, porque é um reflexo daquilo que a gente vive no nosso cotidiano. Por isso é tão importante essa transformação cultural de compreender que, por exemplo, a gente abre uma notícia e tem um caso de importunação sexual. É impressionante a quantidade de pessoas que ainda relativizam a importunação. São situações que somente a mudança cultural é que nos vai nos dar realmente a condição de deixarem de dizer: "Isso é besteira. Isso é mimimi", para que as pessoas possam realmente compreender que nós podemos ser melhores com o mundo, com as mulheres, sermos mais justos. Não é objetificar, porque a objetificação traz essa essa relativização dos crimes, principalmente nos crimes sexuais. É um desafio que nós temos realmente, como eu disse lá no começo, como sociedade.

OP - O MDB vai querer fazer parte da chapa do PT em Fortaleza para fazer essa dobradinha aqui também? E, considerando o episódio do ano passado com os vereadores, com sua crítica voltada para política, qual a avaliação da prefeitura de Fortaleza?

Jade - Aqueles que acham que a mulher não tem o direito de se posicionar podem se preparar para atacar novamente, porque eu vou me posicionar sempre que achar necessário. Enquanto mulher, enquanto vice-governadora, independentemente do momento que eu esteja vivendo. Estou bem pertinho de ter neném, mas tenho acompanhado toda essa movimentação política e vou seguir me posicionando, como sempre fiz na minha vida, independentemente se era na vida pública, do movimento estudantil ou partidário. Esses ataques que a gente sofre não nos calam. Ao contrário, eles nos dão mais força e reforçam realmente a necessidade de a gente se posicionar, de trazer essa discussão, porque ali eu estava fazendo uma discussão sobre a perspectiva de gestão e em nenhum momento eu ataquei pessoalmente a ninguém, falei de gestão, mas sofri uma violência política de gênero. Acaba também dando luz à importância de a gente discutir para que as mulheres possam ampliar a sua voz. Eu tenho um acompanhado todo esse processo, mas muito focada nas questões relacionadas ao governo. Não tenho me envolvido nas decisões partidárias, mas acredito que o MDB, por óbvio, deve seguir com nosso espectro político, até porque nós temos um alinhamento ideológico de pensamento, de um projeto que já vem há muitos anos. Recentemente o presidente do MDB (Eunício Oliveira) deu entrevista e falou, inclusive, que deve seguir esse alinhamento ideológico aqui também, em especial na Capital. Nos municípios do interior também vai haver composição política. A gente sabe que nem todos os municípios vão conseguir juntar todo o campo político, mas eu acredito que a grande maioria há uma tendência de nós marchamos juntos sobre a liderança do Camilo (Santana) e ao lado aí também do nosso governador Elmano.

OP - Mas dentro do MDB tem veto para alguns dos pré-candidatos do PT?

Jade - Eu acho que não nos cabe essa discussão. Eu acho que o respeito partidário tem de ser de parte a parte. Esse é um processo do PT, que eu considero muito justo que o PT faça o pleito de ter a cabeça de chapa. Pela liderança do Camilo e do Elmano. Nós temos também o presidente Lula. Essa trinca tem toda condição de ter o protagonismo desse processo eleitoral aqui na capital e muitos municípios também. Acho que isso é natural. O processo interno é do PT e ele tem de ser respeitado pelos demais partidos. Obviamente existem preferências, desejos e alinhamentos até mesmo no cotidiano mesmo do trabalho. Isso é natural. A nossa missão como partido aliado é respeitar o processo interno do PT.

OP - Mas pessoalmente a senhora tem preferência?

Jade -  Eu prefiro acompanhar e respeitar a decisão do do partido.

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