No momento de agravamentos dos conflitos armados em diferentes frentes no Oriente Médio, após mais de três anos de guerra desde a invasão da Ucrânia pela Rússia e com pontos de tensão espalhados pelo planeta, a nova corrida armamentista passa a envolver as potências ocidentais e até o tradicionalmente pacifista Japão.
Na semana passada, Europa e Canadá concordaram com um aumento drástico dos gastos com defesa e segurança, em uma cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) feita sob medida para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que reivindicou uma "vitória monumental".
Os 32 Estados-membros da Otan anunciaram o compromisso de investir 5% do Produto Interno Bruto (PIB) anual em gastos com defesa e segurança até 2035, de acordo com comunicado oficial emitido em 25 de junho, após a reunião em Haia, na Holanda. Até então, o compromisso era de 2% do PIB — patamar alcançado no ano passado por apenas 22 dos países-membros.
Esse aumento obrigará os membros europeus da aliança e o Canadá a gastar muito mais em segurança e a multiplicar capacidades, cadências de fabricação e compras de armamentos.
Trump não escondeu a irritação com a Espanha pela decisão de limitar seus gastos militares a 2,1% do PIB. A Espanha, ameaçou Trump, pagará no âmbito comercial por essa relutância em alcançar 5%. "É o único país que não paga o que deve", protestou ele.
Um dia antes, em 24 de junho, o exército do Japão anunciou que realizou um teste de míssil pela primeira vez em território japonês. De acordo com a Constituição pacifista pós-Segunda Guerra Mundial, o Japão costumava limitar o uso da força apenas para autodefesa, mas rompeu com essa política em 2022.
O País trabalha atualmente para ter mísseis de cruzeiro de longo alcance e desenvolve mísseis superfície-navio Type 12. O País demonstra preocupação com os crescentes exercícios militares conjuntos entre China e Rússia nas proximidades da costa japonesa. A principal preocupação é a expansão da presença naval chinesa, País com o qual a nação insular tem rivalidade no passado e disputas territoriais no presente.
No caso da Otan, a declaração final da cúpula menciona a "ameaça de longo prazo representada pela Rússia à segurança euro-atlântica e a ameaça persistente do terrorismo". Além disso, reafirma compromisso de "oferecer apoio à Ucrânia, cuja segurança contribui para a nossa".
O objetivo de elevar os gastos a 5% é a soma de dois componentes. O primeiro é um mínimo de 3,5% de gasto militar em sentido estrito (salários, pensões, operações, aquisição de equipamentos, tarefas de manutenção). Cada país deverá relatar anualmente como está progredindo para alcançar esse nível.
A esse percentual será adicionado 1,5% de investimento em áreas mais amplas como infraestrutura, inovação e proteção de fronteiras, de utilidade tanto civil quanto militar.
Dias antes da cúputa da Otan, informações do governo da Alemanha já tratavam do esforço de elevar as despesas com defesa para 3,5% do PIB até 2029.
O gasto militar representará 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) alemão este ano, frente aos atuais 2%. A Alemanha, ao lado do Japão e também da Itália, formou o Eixo durante a Segunda Guerra. Após a derrota e a ocupação aliada, o País adotou cautela na escalada bélica. Realidade deixada cada vez mais para trás.
Como América Latina ficou livre de armas nucleares
Em meio a conflitos que podem culminar com uma guerra nuclear, chama a atenção como a América Latina ficou alheia ao desenvolvimento desse tipo de armamento. A não proliferação nuclear no continente foi obra de esforços diplomáticos, que fizeram da região a primeira densamente povoada do mundo a ser declarada livre destas armas em 1967. Neste contexto, dois países tiveram, porém, um papel ambíguo: Brasil e Argentina, que defendiam avanços nessa área.
A ideia de proibir as armas nucleares na região existia desde os anos 1950. Dois fatores contribuíram para essa postura pacifista: a ausência de grandes disputas internas entre os países latino-americanos, e o fato de nenhuma nação ter desenvolvido estes armamentos até então, aponta Ryan Musto, diretor de fóruns e iniciativas de pesquisa do Instituto Global de Pesquisa (GRI).
Neste momento inicial, Musto conta que houve um interesse da Costa Rica e do Brasil, visando especialmente não desperdiçar recursos. O tema ganhou urgência com a crise dos mísseis de Cuba em 1962, um dos momentos mais tensos da Guerra Fria, quando o mundo ficou próximo de uma escalada nuclear entre Estados Unidos e União Soviética. Foi quando os defensores da não proliferação na região ganharam grande impulso.
"A grande ideia de desnuclearização era brasileira, e foi impulsionada pelo país no contexto da Crise dos Mísseis", afirma o diretor técnico da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAM), Leonam Guimarães.
Após o golpe de 1964, que instaurou a ditadura militar, divergências passaram a dominar a postura brasileira com relação às propostas de não proliferação. O país alegava que certos termos das negociações poderiam violar a soberania.
O Brasil era, por exemplo, a favor da permissão para testes para fins pacíficos, algo defendido para uso na engenharia por certos setores na época, aponta Guimarães. "Foi então que veio o México, buscando impulsionar o seu nome internacional", conta Musto. O vácuo deixado pela postura brasileira foi ocupado pelo governo mexicano, que atuou ativamente para promover os termos do que viria a ser o Tratado de Tlatelolco, assinado na Cidade do México em 1967.
Como resultado dos esforços, o então secretário das Relações Exteriores do país, Alfonso García Robles, foi laureado com o Nobel da Paz em 1982 "por seu trabalho pelo desarmamento e as zonas livres de armas nucleares".
Uma das justificativas para a hesitação brasileira foi justamente seu principal vizinho. "Brasil e Argentina queriam manter suas opções nucleares em aberto por conta um do outro", aponta Musto.
Durante o governo de Juan Domingo Perón, que comandou a Argentina de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974, o país investiu numa série de desenvolvimentos nucleares.
Havia a ideia de que garantir a autonomia energética do país era essencial para o processo de industrialização por substituição de importações, enquanto o governo peronista da época cogitava uma possível Terceira Guerra Mundial, explica Nevia Vera, integrante do Centro de Estudos Interdisciplinares sobre Questões Internacionais e Locais (CEIPIL) da Província de Buenos Aires.
Guimarães lembra que, a partir deste momento, se "estabeleceu uma corrida entre os dois países", e que os estágios tecnológicos que a Argentina estabeleceu para a energia nuclear foram grandes motivadores para o complexo de Angra, no Brasil.
Outro país que não queria ter suas operações restringidas na região era a França. Sob o comando de Charles De Gaulle (1959-1969), Paris adotou uma postura fortemente nuclearizada, e resistiu que seus territórios ultramarinos no continente americano fizessem parte dos esforços de não proliferação.
Brasil e Argentina se mantiveram reticentes em adotar plenamente o tratado. Com uma postura ambígua, em que cumpriram com grande parte das determinações, mas que deixou margem para novos desenvolvimentos, os dois países somente adotaram de maneira plena a postura da não proliferação após suas transições democráticas.
Em 1994, ambos os países ratificaram plenamente Tlatelolco. Na visão de Vera, o tratado não afetou diretamente o desenvolvimento nuclear da Argentina, embora tenha causado "várias dores de cabeça diplomáticas", pois o país foi pressionado por grandes potências, especialmente os Estados Unidos, e gerou desconfiança global.
Neste contexto, foi frequente a acusação de que a Argentina tivesse fins bélicos em seus desenvolvimentos nucleares, o que Vera rechaça. "Na verdade, a confusão pode advir da compreensão que os militares tinham da segurança na época, que diferia daquela das grandes potências", aponta.
"Para governos desenvolvimentistas e alguns militares, a segurança estava frequentemente ligada à autonomia energética, como foi dito, e a energia nuclear era essencial para garantir isso, mas apenas em seu aspecto pacífico", afirma a especialista.
Um questionamento que os planos voluntários de desarmamento nucleares sempre sofreram foi sobre as contrapartidas por abrir mão da capacidade bélica. "Os tratados de não proliferação são assimétricos, e geram resistência entre os que não possuem os armamentos para sua assinatura", afirma Guimarães.
Naquele momento, o mundo passava por algumas iniciativas que visavam contrapartidas para os países que se abstivessem de seus desenvolvimentos nucleares belicistas. Em 1953, o presidente americano Dwight Eisenhower lançou o programa conhecido como Átomos para a Paz, que visava cooperação para o uso nuclear com fins pacíficos para reduzir a ameaça do desenvolvimento de armas atômicas.
Pouco depois, em 1957, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi criada, e um ano após a assinatura de Tlatelolco, em 1968, o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) foi firmado, ainda que com inúmeras ausências importantes.
O TNP reforçou os princípios de colaboração para fins pacíficos com quem abdicasse das armas. Foi neste contexto, em 1975, que a Alemanha Ocidental firmou seu acordo com o Brasil, que previa a transferência de tecnologia alemã para o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro, com a construção de oito usinas. Apenas uma saiu do papel, Angra 2, que entrou em operação em 2001.
O desenvolvimento de programas de energia nuclear na região acabou sendo limitado, e, hoje, além do Brasil, apenas Argentina e México usam esta fonte em sua matriz energética.
O que implica a meta da Otan de subir gastos com defesa a 5%?
Os países da Aliança Atlântica se comprometerão a atingir um investimento em defesa equivalente a 5% do PIB nacional até 2035.
Por que 5%?
Porque os Estados Unidos exigem ou, em caso contrário, poderão retirar sua proteção àqueles que não pagam o suficiente.
Também porque esse valor corresponde ao considerado necessário para manter as capacidades de defesa da Otan contra a Rússia.
As metas estão sujeitas a revisão a cada quatro anos.
Cada país recebe suas próprias metas e é livre para definir os meios para alcançá-las.
Dois capítulos:
3,5 1,5
O valor de 5% é a soma de dois tipos de gastos. A maior parte (3,5%) corresponde aos estritamente militares como compras de armas, salários das Forças Armadas. Estas despesas correspondem às capacidades militares. A Otan definiu diversas prioridades nesse sentido, como defesa aérea, segurança cibernética, logística e satélites.
Isto deve permitir um aumento global de 30% nas capacidades militares, quintuplicar as defesas aéreas e adicionar milhares de tanques aos arsenais da Aliança, segundo o secretário-geral Mark Rutte.
Além disso, os países devem investir 1,5% adicional do PIB em segurança em sentido mais amplo, com funções militares e civis, como controle de fronteiras e infraestruturas (portos, aeroportos, estradas).
O capítulo de 1,5% também inclui o conceito de "resiliência", ou seja, as necessidades da sociedade civil em caso de conflito.
Controle de gastos
Esta é uma das questões mais delicadas e dela dependerá a manutenção do poder de dissuasão contra a Rússia, mas também frente à China e Coreia do Norte.
Ao final de 2024, apenas 22 dos 32 Estados-membros atingiram a meta de gastos de 2% do PIB, o compromisso atual, estabelecido há dez anos.
A Otan insiste que todos devem cumprir a meta básica de 3,5% do PIB. E todos os anos devem apresentar um relatório à Otan explicando em que ponto se encontram em sua meta de 5%.
"Chegar a um acordo sobre essas metas é um marco importante, mas o monitoramento é igualmente crítico", observa a analista Marta Mucznik, do International Crisis Group.
"E igualmente importante é garantir que o dinheiro seja gasto adequadamente, eliminando as lacunas em capacidades vitais para a segurança europeia e mantendo a dissuasão da Ucrânia a longo prazo", acrescentou.
Participação
Os Estados Unidos contribuíram no ano passado com 62% do orçamento total de Defesa da Otan. Canadá e Europa aumentaram o investimento em 19%. Desde seu retorno à Casa Branca em janeiro, Trump ameaçou reduzir significativamente o guarda-chuva de segurança que Washington tem oferecido à Europa desde a Segunda Guerra Mundial
Perigo
Tratado de Tlatelolco, de 1967, proibiu armas nucleares na América Latina. No entanto, em 1982, a Guerra das Malvinas, entre Argentina e Reino Unido, envolveu potenciais desenvolvimentos bélicos nucleares por parte dos britânicos. A Argentina acusou o Reino Unido de violar a zona livre de armas nucleares com submarinos com propulsão nuclear e navios que transportavam armas nucleares. O caso se trata da primeira acusação de violação militarista numa região desnuclearizada. O tema chegou ao Opanal, que, em 1983, adotou a Resolução 170, que "expressa preocupação com o fato de submarinos com propulsão nuclear terem sido utilizados em ações bélicas em áreas abrangidas pela zona geográfica definida pelo Tratado"
EUA aprova nova venda de armas a Israel
Os Estados Unidos anunciaram na segunda-feira, 30, que aprovaram uma venda a Israel de kits de orientação de bombas e serviços relacionados por 510 milhões de dólares (R$ 2,78 bilhões).
"A venda reforçará a capacidade de Israel fazer frente às ameaças atuais e futuras ao melhorar a capacidade para defender suas fronteiras, suas infraestruturas vitais e seus centros populacionais", declarou a Agência de Cooperação para Defesa e Segurança dos Estados Unidos (DSCA, na sigla em inglês) em comunicado.
"Os Estados Unidos estão comprometidos com a segurança de Israel e é vital para os interesses nacionais americanos ajudar Israel a desenvolver e manter uma capacidade de autodefesa forte e preparada para o uso", acrescentou a agência. O Departamento de Estado aprovou esta venda e a enviou ao Congresso americano, como exige a lei. O anúncio acontece dias depois do fim da guerra entre Israel e Irã.
Em 13 de junho, Israel lançou uma ofensiva aérea maciça sobre o Irã com o objetivo declarado de impedir que o país persa desenvolva armamento atômico. Teerã sempre negou a intenção de fabricar armas nucleares.
Centenas de alvos militares e nucleares, bem como áreas habitadas, foram atacados em bombardeios que mataram altos funcionários iranianos e cientistas do programa nuclear, entre outros.
Pelo menos 935 pessoas morreram no Irã durante os 12 dias de guerra, informou nesta segunda-feira a agencia estatal de notícias IRNA.
O Irã respondeu com disparos de mísseis e drones sobre Israel que causaram 28 mortos, segundo as autoridades israelenses.
Um cessar-fogo impulsionado por Donald Trump entrou em vigor em 24 de junho, dois dias depois de o presidente americano ordenar ataques a instalações nucleares iranianas.
Washington é o principal aliado de Israel e fornece anualmente bilhões de dólares em armas ao país. (AFP)