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Hiroshima: nos 80 anos da era nuclear, mundo vive corrida armamentista e novas ameaças
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Hiroshima: nos 80 anos da era nuclear, mundo vive corrida armamentista e novas ameaças

Há sinais de que a tendência de redução dos arsenais atômicos no mundo,observada desde o fim da Guerra Fria, esteja sendo revertida. Quase todos os países que têm armas nucleares trabalharam em 2024 para atualizar os seus programas armamentistas
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Nuvem em forma de cogumelo da bomba atômica lançada pelo Enola Gay sobre Hiroshima (Foto: AFP / MUSEU MEMORIAL DE PAZ HIROSHIMA)
Foto: AFP / MUSEU MEMORIAL DE PAZ HIROSHIMA Nuvem em forma de cogumelo da bomba atômica lançada pelo Enola Gay sobre Hiroshima

O golpe definitivo contra o Japão na Segunda Guerra Mundial foi deferido em agosto de 1945. Na quarta-feira, 6, faz 80 anos do mais dramático marco inaugural da era nuclear, quando os Estados Unidos lançaram no Extremo Oriente a primeira bomba atômica em Hiroshima, no Japão. Passadas oito décadas, novas ameaças e corridas armamentistas alimentam conflitos ao redor do mundo. Três dias após Hiroshima, uma segunda bomba atômica foi lançada sobre Nagasaki, em 9 de agosto.

Numa demonstração de poder militar, os Estados Unidos apressaram a rendição do governo japonês, último remanescente do Eixo que mergulhara o mundo na guerra, ao lado da Alemanha, de Adolf Hitler, e da Itália, de Benito Mussolini.

Passadas oito décadas, o mundo atravessa período de ameaça nuclear que pode ser a maior desde a Guerra Fria. A guerra entre Rússia e Ucrânia, o conflito entre Israel e Irã, que envolveu os Estados Unidos, e as animosidades entre Índia e Paquistão ampliam as tensões internacionais.

A situação se agravou na sexta-feira passada, 1°, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump utilizou a própria rede social, a Truth Social, para informar que deslocou submarinos nucleares americanos para “regiões apropriadas” após declarações do ex-presidente russo Dmitri Medvedev.

"Ordenei que dois submarinos nucleares fossem posicionados nas regiões apropriadas, caso essas declarações insensatas e incendiárias sejam mais do que isso. As palavras são muito importantes e, muitas vezes, podem ter consequências imprevistas. Espero que este não seja um desses casos", compartilhou Trump.

O político se refere à fala do ex-presidente russo, que reagiu na segunda-feira, 28, à pressão de Trump pelo fim do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Medvedev disse que o ultimato do presidente norte-americano seria “um passo rumo à guerra” contra o próprio país dele.

Na Ucrânia, a Rússia tem realizado ataques a usinas nucleares, inclusive no fim de semana passado. Os ucranianos, por cua vez, chegaram a atacar base de bombardeiros nucleares russos.

Entre Israel e Irã, aprópria natureza do conflito está relacionada a suspeitas em relação ao programa nuclear iraniano e uma suposta finalidade bélica, que o país nega. Asusinas nucleares do país foram alvos de ataques. Israel, por sua vez, não é transparente sobre o próprio programa nuclear. Índia e Paquistão, por sua vez, são dois países que possuem armas nucleares. 

O menor vislumbre de uma guerra nuclear no horizonte preocupa. O mundo conhece o poder destrutivo das armas atômicas, embora o fantasma parece não assustar a todos da mesma forma.

Numa visita ao passado, no conflito que deu início à era nuclear e que não se limitou à Europa, milhares de pessoas morreram instantaneamente nas duas cidades japonesas que foram alvos das bombas atômicas. Os números apontam para mais de 200 mil mortos.

A devastação não foi pontual. No decorrer do tempo, inúmeras pessoas faleceram em consequência de doenças provocadas pela radiação nuclear das bombas atômicas.

Corrida armamentista aumenta risco de guerra nuclear

Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), quase todos os países que têm armas nucleares trabalharam em 2024 para atualizar os seus programas armamentistas existentes, de acordo com a avaliação anual sobre armamento e segurança internacional.

Integram a lista dos países que possuem armas nucleares os Estados Unidos, a Rússia, o Reino Unido, além da França, da China, da Índia, do Paquistão, da Coreia do Norte e de Israel.

Grande parte desses países mantiveram programas de modernização dos equipamentos armamentistas, tanto para atualizar as armas já existentes quanto para adicionar novas versões.

O instituto aponta para uma inversão da tendência, que era de redução do número de armas nucleares no planeta. Na década de 1980, anos finais da Guerra Fria, havia cerca de 64 mil ogivas, bombas e projéteis nucleares. Hoje, a quantidade gira em torno de 12 mil, mas com tendência de alta pela primeira vez desde o fim da União Soviética — e, portanto, do conflito político-ideológico com os Estados Unidos.

A disputa por produção bélica na Guerra Fria foi responsável pelo desenvolvimento significativo de armas nucleares. Em 1949, a URSS desenvolveu o seu primeiro artefato atômico.

Desde então, as grandes potências, numa tentativa de “equilíbrio pelo terror”, passaram a acumular arsenais cada vez mais destrutivos.

Os pesquisadores do Sipri concluíram ainda que, do arsenal estimado de 12.241 ogivas nucleares no mundo em janeiro deste ano, 9.614 delas estavam disponíveis para uso potencial.

Rússia alerta Trump: 'Todos devem ser muito prudentes sobre o tema nuclear'

O Kremlin fez um apelo nessa segunda-feira, 4, para uma demonstração de "grande prudência" nas ameaças nucleares, depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na sexta-feira, 1º, o envio de dois submarinos em resposta aos comentários do ex-presidente russo Dmitri Medvedev.

"Acreditamos que todos devem ser muito prudentes em suas declarações sobre o tema nuclear", declarou o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov, durante uma entrevista coletiva.

Peskov também afirmou que os dois submarinos americanos anunciados como enviados por Trump "já estão em serviço" permanentemente.

"Não desejamos ser arrastados para uma polêmica desse tipo", acrescentou.

Trump tomou a decisão na sexta-feira como reação às declarações consideradas provocadoras do ex-presidente Medvedev, que desde o início da ofensiva na Ucrânia, em 2022, fez vários comentários beligerantes contra os países ocidentais nas redes sociais.

O presidente americano não especificou exatamente para onde os submarinos seriam enviados, nem explicou se eram submarinos com propulsão nuclear ou armados com ogivas atômicas.

Donald Trump, que adotou uma postura conciliadora com seu homólogo russo Vladimir Putin após o retorno ao poder em janeiro, expressou nas últimas semanas sua frustração e ameaçou impor novas sanções contra a Rússia caso Moscou não interrompa a ofensiva na Ucrânia.

Apesar do momento de tensão, o enviado especial de Trump, Steve Witkoff, deve visitar a Rússia esta semana, a poucos dias do fim do prazo estabelecido pelo presidente dos Estados Unidos a seu homólogo russo.

Peskov declarou que a visita será "importante e útil".

"Sempre estamos felizes por ver Witkoff em Moscou e empolgados de estar em contato com ele", declarou, após indicar que não descarta a possibilidade de uma reunião com Putin. (AFP)

(ARQUIVOS) Esta foto de arquivo tirada em novembro de 1945 pelo Exército dos EUA e divulgada pelo Museu Memorial da Paz de Hiroshima mostra o Dome da bomba atômica, três meses após a bomba atômica ter sido lançada pelo bombardeiro B-29 Enola Gay sobre a cidade de Hiroshima . - O Japão, em 6 de agosto de 2020, marcará 75 anos desde o primeiro ataque a bomba atômica do mundo, com a pandemia de coronavírus COVID-19 forçando uma redução das cerimônias anuais para comemorar as vítimas.
(ARQUIVOS) Esta foto de arquivo tirada em novembro de 1945 pelo Exército dos EUA e divulgada pelo Museu Memorial da Paz de Hiroshima mostra o Dome da bomba atômica, três meses após a bomba atômica ter sido lançada pelo bombardeiro B-29 Enola Gay sobre a cidade de Hiroshima . - O Japão, em 6 de agosto de 2020, marcará 75 anos desde o primeiro ataque a bomba atômica do mundo, com a pandemia de coronavírus COVID-19 forçando uma redução das cerimônias anuais para comemorar as vítimas.

Potência e destruição

No local onde a bomba “Little Boy” explodiu em Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, existe hoje o Parque Memorial da Paz, construído em uma ilha no Rio Ota, único local da cidade que não foi reconstruído após o ocorrido.

A bomba tinha força equivalente a 15 mil toneladas de TNT. As temperaturas atingiram 7 mil graus Celsius. Uma tempestade de fogo sugou o oxigênio do ar e os edifícios queimaram por quilômetros.

Morreram imediatamente cerca de 80 mil pessoas. O número aumentou ainda em 1945, quando o balanço de mortos subiu para 140 mil por causa dos efeitos da radiação.

Com 350 mil habitantes na época, o local perdeu um em cada cinco moradores imediatamente após a explosão da primeira bomba nuclear da história.

Quando a bomba caiu em Hiroshima, a primeira coisa que as pessoas notaram foi uma "intensa bola de fogo", segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. A temperatura no epicentro da explosão atingiu 7 mil °C, pelas estimativas feitas, o que causou queimaduras fatais nas pessoas que estavam em um raio de cerca de 3 km.

Especialistas da Cruz Vermelha afirmam que houve casos de cegueira temporária ou permanente, devido ao forte flash de luz, além de danos posteriores à visão das vítimas, como catarata.

O turbilhão de calor gerado pela explosão também iniciou milhares de incêndios, que queimaram vários quilômetros quadrados da cidade, repleta de construções de madeira. Uma tempestade de fogo que consumiu todo o oxigênio disponível causou ainda mais mortes por asfixia.

Estima-se que queimaduras e danos relacionados ao fogo representam mais da metade das mortes imediatas em Hiroshima.

Além disso, a explosão criou uma onda de choque gigante que, em alguns casos, literalmente carregou as pessoas. Outras foram soterradas sob prédios desabados, ou feridas ou mortas por detritos voadores.

Os ataques a bomba soltaram uma radiação que se mostrou mortal tanto logo após o bombardeio quanto a longo prazo. Doenças e sintomas associados à radiação foram relatados por muitos que sobreviveram ao impacto inicial.

Os sintomas da síndrome aguda de radiação incluem vômitos, dores de cabeça, náuseas, diarreia, hemorragia e perda de cabelo. Para grande parte dos afetados, a doença é fatal dentro de algumas semanas ou meses.

Segundo estudo da Fundação de Pesquisa de Efeitos de Radiação do Japão-EUA, que analisou 50 mil vítimas de Hiroshima e Nagasaki, aproximadamente 100 morreram de leucemia e 850 sofreram de câncer induzido por radiação.

O esqueleto de um edifício, designado como marco zero para essa bomba, e a estátua de uma menina com os braços estendidos são lembranças desoladoras da devastação.

A idade média dos cerca de 105 mil sobreviventes contabilizados até o ano passado, conhecidos como hibakusha, é 86 anos.

Três dias depois de Hiroshima, em 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram uma segunda bomba na cidade de Nagasaki, no sul do país, matando cerca de 74 mil pessoas.

O grupo Nihon Hidankyo foi fundado em 1956, com a missão de contar a história dos hibakusha e pressionar por um mundo sem armas nucleares. (AFP)

 

O que aconteceu em Hiroshima

Em 6 de agosto de 1945, pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, as forças dos Estados Unidos detonaram uma bomba nuclear sobre a cidade de Hiroshima em uma tentativa de forçar o Japão a se render após quase quatro anos de conflito no Pacífico.

O ataque estava marcado para ocorrer no dia 1º de agosto, mas foi adiado por causa de um tufão. O ataque foi determinado pelo então presidente dos Estados Unidos Harry Truman, que acreditava ser essa a única maneira de encerrar a Segunda Guerra Mundial e evitar uma invasão por terra do Japão, que poderia ser ainda mais sangrenta.

Além das dezenas de milhares de pessoas que morreram imediatamente na explosão, o ataque deixou um legado terrível nos muitos sobreviventes dos bombardeios, que sofreram ferimentos e doenças duradouras resultantes das explosões e da exposição à radiação.

Dias após o ataque, uma segunda bomba nuclear americana atingiu Nagasaki, no sudoeste do Japão. A cidade de Kokura era o alvo inicial das ações, mas o tempo nublado fez com que os americanos mudassem os planos. Os dois ataques levaram à rendição do Japão em 2 de setembro de 1945. (DW)

O caminho até a bomba e além

10 de dezembro de 1938

A fissão nuclear foi descoberta na Alemanha nazista por Otto Hahn, Fritz Strassmann e
Lise Meitner.

1939

O húngaro Leo Szilard convenceu Albert Einstein a relatar ao presidente americano Franklin Delano Roosevelt as pesquisas de armas atômicas feitas pelos alemães. Em resposta, os americanos criaram ultrassecreto projeto Manhattan.

16 de julho de 1945

Do projeto Manhattan resultou a primeira explosão de uma bomba nuclear na história, no Los Alamos National Laboratory, no estado americano do
Novo México.

17 de julho de 1945

Os líderes dos "Três Grandes" — Winston Churchill (Reino Unido), Joseph Stalin (União Soviética) e Harry Truman (Estados Unidos) se reuniram em Potsdam, nos arredores de Berlim, para finalizar os acordos destinados a desarmar, desnazificar e democratizar a Alemanha.

Em 24 de julho, Truman avisou a Stalin sobre uma arma que grande força destrutiva, sem especificar a natureza nuclear. O líder soviético disse esperar que os Estados Unidos a usassem no Japão. Stalin já tinha informações do teste, pelos serviços de inteligência.

6 e 9 de agosto de 1945

Em 6 de agosto, às 8h15min, um avião da Força Aérea dos EUA — Enola Gay — realizou o primeiro ataque nuclear do mundo, lançando uma única bomba sobre a cidade japonesa de Hiroshima, no sul.

15 de agosto de 1945

O governo japonês admitiu a derrota e o imperador Hirohito informou à nação de sua capitulação em um discurso pelo rádio. O documento de rendição formal foi assinado em 2 de setembro no encouraçado USS Missouri, ancorado em Tóquio. A rendição japonesa coloca fim à Segunda Guerra Mundial.

24 de outubro

As Nações Unidas foram estabelecidas em 24 de outubro, com base em uma carta fundadora acordada em San Francisco quase quatro meses antes e assinada por 51 Estados.

Com sede em Nova York, o órgão sucede a Liga das Nações, que se mostrou impotente para deter a Segunda Guerra Mundial.

20 de novembro de 1945

Líderes nazistas foram julgados em Nuremberg. O julgamento durou 218 dias, e seu veredicto foi proferido em 1º de outubro de 1946 com 12 penas de morte; três penas de prisão perpétua; duas de 20 anos de prisão; uma de 15 anos; e uma de 10 anos. Em 16 de outubro, 10 dos réus foram enforcados.

A corrida armamentista nuclear

Até a manhã de 29 de agosto de 1949, os serviços de inteligência dos Estados Unidos não acreditavam que a União Soviética pudesse reunir recursos tecnológicos e financeiros para produzir uma bomba atômica. Estavam errados.
Os planos para uma bomba soviética remontavam a 1934, quando o físico Georgy Flyorov descreveu a teoria no Congresso de Altas Energias de Stalingrado. O programa russo começou de fato em 1940, mas só ganhou velocidade quando a Segunda Guerra entrou na fase final, em 1944.
Em 1946, o Laboratório n.º 2 passou a ser a sede do empreendimento. Nos documentos oficiais, era citado como "escritório" ou "armazém". Uma cidade inteira foi construída às margens do lago Baikal para receber o pessoal de serviços gerais, militares, técnicos, especialistas e as instalações de apoio, principalmente os laboratórios.
Conhecido como "Ponto Atômico Mãe", o complexo chegou a abrigar 50 mil pessoas, mantidas sob controle da polícia política em um regime bem parecido com o de um confinamento. Em Los Alamos, nos EUA, os 130 mil envolvidos no Projeto Manhattan, das armas atômicas americanas, estiveram submetidos ao mesmo esquema de segurança máxima.
O programa "Primeiro Relâmpago" foi entregue a dois notáveis da ciência soviética: Andrei Sakharov e Igor Kurchatov. O nome oficial do dispositivo era RDS-1. Foi detonado às 7 horas, no Casaquistão. A manhã que virou noite em 25 segundos deu início ao terror da corrida nuclear interminável. No local, a União Soviética faria perto de 500 testes atômicos até 1989. O índice de radiação em um círculo de 18 mil km² ainda hoje é considerado de alto risco.
No início dos anos 50, seria revelado que os soviéticos haviam recebido informações secretas repassadas por uma rede de espiões que agiam nos EUA — entre eles, vários cientistas.
Os governos ocidentais foram surpreendidos pelo teste. Um relatório conjunto da CIA e do MI-6 britânico sustentava que os soviéticos só teriam capacidade para construção de armas atômicas entre 1953 e 1954. O presidente dos EUA, Harry Truman, demorou 25 dias para anunciar que a Casa Branca dispunha de "fortes evidências da ocorrência de uma explosão nuclear" na URSS.
A primeira bomba soviética foi batizada como Joe 1, em uma citação irônica a Joseph Stalin, que governou a União Soviética por mais de 30 anos.
 

A maior

Em 30 de outubro 1961, na ilha de Nova Zemlya, no Ártico, os soviéticos explodiram a bomba mais potente já construída — entre 50 e 57 megatons (57 milhões de toneladas de TNT). Instrumento da Guerra Fria, a demonstração foi feita durante a realização do 22.º Congresso do Partido Comunista

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