O voto que definiu a maioria na 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para a condenação dos réus na ação penal 2668 coube à ministra Cármen Lúcia. Em 2023, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ela já havia sido o voto definidor da maioria para tornar inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ela emitiu recados em resposta a Luiz Fux, único magistrado a votar de forma divergente do resto da turma. Cármen Lúcia fez ainda discurso em defesa da democracia.
A única ministra no STF destacou que, em um tribunal com 20 mil processos, todos os casos são importantes, mas os efeitos das ações são "enormemente diferentes para a sociedade".
"Este Supremo Tribunal Federal teve, e continua a ter, este compromisso. "De fazer com que todos os julgamentos observem os direitos fundamentais de um lado e os deveres que os órgãos estatais têm com a sociedade de responder que o direito está prevalecendo. Para mim, todo o processo penal é especialmente difícil, humanamente difícil. Juridicamente é uma ação a mais que se apresenta neste processo. Juridicamente é uma ação penal", completou.
A ministra destacou ainda que toda ação penal impõe um "tratamento justo" e não é diferente com a ação penal do golpe. Cármen afirmou que na ação penal em questão "pulsa o Brasil que me dói". "Nesta ação penal há encontro de Brasil com seu passado e futuro".
Ela destacou também que o diferencial da ação em julgamento está ligado ao ineditismo dos crimes — golpe de Estado e abolição do Estado de Direito — e a circunstância de que a lei é para ser aplicada a todos, com as responsabilidades apuradas e objeto de julgamento. "E a reafirmação de que juiz é obrigado a julgar, nada mais", completou.
Cármen argumentou que o julgamento ocorre no ano em que se comemora 40 anos da redemocratização, ponderando que "não foram apenas de rosas" o período desde a Constituição de 1988. "Se houve dor, também houve muita esperança", completou. Ponderou ainda que, desde 2021, além da pandemia, "novos focos de pesares sociopolíticos brotaram com objetivos espúrios", em referência aos crimes agora sob julgamento.
A ministra enquadrou o ex-presidente como líder de uma organização criminosa armada que agiu para dar um golpe após a derrota nas eleições de 2022. Ela considerou que a Procuradoria-Geral da República ofereceu "prova cabal" de que o "grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro (...) desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas".
Último a votar, o presidente da turma, Cristiano Zanin, afirmou que "não é crível" que o ex-presidente não tivesse anuído à elaboração do decreto da minuta do golpe e de discurso de "posse", que seria supostamente lido, após a concretização do golpe de Estado em 2022.
Segundo Zanin, o ex-presidente estava ciente de todas as ações dos outros integrantes da organização criminosa, "anuindo" a cada passo e até "tomando a frente para conclamar a população" a adotar "atos concretos" pela ruptura institucional. "Era o líder a ser seguido pelos demais integrantes da organização criminosa."
O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, acompanhou o fim da sessão. Após a decisão da 1ª turma, ele fez breve discurso e disse que "só o desconhecimento profundo dos fatos ou uma motivação descolada da realidade encontrará nesse julgamento (do ex-presidente Jair Bolsonaro) algum tipo de perseguição política".
O presidente do STF disse que não faria nenhum juízo de mérito sobre o caso, mas elogiou o trabalho "hercúleo" do ministro Alexandre de Moraes e disse que o caso foi um "divisor de águas na história do Brasil".
Segundo Barroso, "estamos encerrando os ciclos do atraso na vida brasileira, marcados pelo golpismo e pela quebra da legalidade constitucional". "Estou convencido que incompreensões de hoje vão se transformar em reconhecimento no futuro", afirmou.
Gilmar Mendes, que também não integra a turma, foi outro ministro a acompanhar a sessão.
Fux fica calado em sessão com piadas e recados
O dia seguinte ao voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux foi o momento de os colegas darem o troco. Após expor um acordo de bastidor e avisar em tom pouco amistoso aos colegas que não desejaria ser interrompido no voto de mais de 12 horas, o magistrado se viu obrigado a manter a posição exigida dos demais nesta quinta-feira, 11, numa sessão permeada por piadas e recados a ele. Fux ficou calado e passou a maior parte do tempo olhando para baixo, manuseando papéis.
O único momento em que Fux alterou a postura corporal foi quando o ministro Alexandre de Moraes pediu a palavra para reforçar o argumento de Cármen de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou organização criminosa. Quando o relator da ação penal exibiu vídeos que exemplificavam o golpismo, Fux se colocou atento ao que passava no telão. Logo que a transmissão foi encerrado, voltou a abaixar a cabeça e manusear documentos.
Logo no início da sessão, Cármen e Dino arrancaram risadas com uma interação cujo subtexto mandava recados a Fux. Dino pediu a palavra para a colega e disse que adota a estratégia do "banco de horas" em seus votos — ou seja, vota rápido para fazer diversos "apartes" nos votos dos colegas.
"Mas vai usar tudo no meu?", questionou Cármen, provocando risos "Não, ainda tem o do ministro Zanin", respondeu Dino mantendo o clima descontraído. (Agência Estado)