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22 ex-prefeitos são alvos de representação por desmonte em transições de mandatos
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22 ex-prefeitos são alvos de representação por desmonte em transições de mandatos

Embora 22 municípios tenham virado alvo de apurações, o Tribunal de Contas destaca que não houve decretos generalizados de emergência no início das novas gestões
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Lista envolve políticos da situação e oposição (Foto: Arte: O POVO)
Foto: Arte: O POVO Lista envolve políticos da situação e oposição

Dos 184 municípios cearenses, 93 passaram por mudança de prefeito depois das eleições de 2024. Em 40 deles, a oposição ao então prefeito saiu vitoriosa, ou seja, nessas localidades não houve reeleição e nem um aliado alçou à sucessão do Executivo local. Em todas as cidades que mudaram de gestão, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) realizou o mais profundo processo realizado até hoje de acompanhamento das transições de governo. Em mais da metade daqueles em que a oposição venceu foram constadados problemas.

Foram 22 municípios cearenses que se tornaram alvo de representações para apuração de responsabilidades de 130 agentes públicos, incluindo 22 ex-prefeitos e seis empresas contratadas por administrações municipais. No total, o TCE identificou 95 ocorrências de irregularidades.

Em 17 municípios considerados de maior risco, foram realizadas inspeções, com foco em quatro aspectos principais: o processo de transição, a preservação de dados e informações, a continuidade de serviços e atividades administrativas e a gestão do patrimônio público.

Segundo o diretor de Fiscalização de Atos de Gestão I do TCE, Cristiano Goes, o cenário mais grave se deu no campo financeiro. “O que a gente viu em diversos municípios é que houve esse desequilíbrio nos últimos oito meses de mandato. Deixaram de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, notadamente no artigo 42. Uma falta de cuidado das gestões públicas no encerramento do mandato”, disse.

O referido artigo dita que é vedado ao titular de poder, nos últimos dois quadrimestres do mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa.

Caucaia

A situação foi detectada em Caucaia, segundo maior colégio eleitoral do Ceará, comandado à época pelo então prefeito Vitor Valim (PSB), que não tentou reeleição e cujo candidato que apoiou — Waldemir Catanho (PT) — tampouco obteve êxito. O município, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, foi onde o TCE verificou a maior quantidade de condutas irregulares na transição de governo.

Entre outros pontos, notou-se inadimplemento do programa “Bora de Graça”; parcela de financiamento internacional não executada; débito junto à empresa locadora de equipamentos de informática, bem como às concessionárias de energia elétrica e de água e esgoto; além de despesas pendentes com mais de 650 fornecedores.

Procurada pela reportagem no início deste outubro, a assessoria de Vitor Valim informou que ainda não havia sido notificada sobre o relatório. “No entanto, temos a convicção de que, assim que forem recebidas as notificações e no momento oportuno, todos os pontos citados serão devidamente esclarecidos de forma transparente e responsável, reforçando o nosso compromisso com o povo de Caucaia”.

Cascavel

Cascavel, também na Grande Fortaleza, acumula o maior número de investigados. Além do ex-prefeito Tiago Lutiani, são alvo das apurações ex-secretários, gestores de unidades administrativas e membros da equipe de transição.

Vulnerabilidade dos dados e informações públicas armazenados em sistemas informatizados de terceiros; interrupção da prestação de serviços públicos de caráter continuado/obrigatório e desabastecimento de insumos essenciais; e não recebimento dos bens patrimoniais estão entre os problemas notados pelo TCE.

Ao O POVO, a comunicação de Lutiani informou que o relatório “foi devidamente respondido, todas as informações foram prestadas e os esclarecimentos realizados nos autos da tomada de prestação de contas”. Também mencionou que um bloqueio judicial das contas de Cascavel “impôs um duro golpe” na gestão, fazendo com que obrigações deixassem de serem cumpridas “única e exclusivamente” em razão disso.

“Sobre a questão dos bloqueios, mesmo com as contas bloqueadas, o município não parou os serviços essenciais”, acrescentou.

Fortaleza

Fortaleza, por sua vez, tem o ex-prefeito José Sarto (PDT), ex-superintendentes do Instituto Dr. José Frota (IJF), ex-secretários da Saúde e de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplog) apontados como responsáveis por quatro diferentes tipos de irregularidades.

Entre elas, o desabastecimento de medicamentos, insumos e materiais médico-hospitalares necessários aos atendimentos ofertados pelo IJF, além da paralisação da atividade de profissionais por atrasos nos pagamentos.

Ainda para a Capital, o TCE cita desequilíbrio financeiro ao final do mandato, ocultação passivo e não empenho de despesas. À reportagem, a comunicação de Sarto negou qualquer irregularidade na transição da Prefeitura de Fortaleza.

"Foram mais de 30 encontros com participação ativa da nossa equipe, que forneceu todos os dados necessários", assegurou, acrescentando que a administração municipal "foi entregue com mais de R$ 630 milhões em caixa".

Citou ainda, por nota, "perseguição contra a gestão anterior pela atual". "As questões do Tribunal serão devidamente esclarecidas no momento oportuno", garantiu.

Três ex-prefeitos do mesmo município são alvo de representação

Pacajus teve três ex-prefeitos que comandaram o município em 2024 com irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). São alvos de representação Bruno Figueiredo (PSB), gestor de janeiro a abril; Faguim (PSB), que ficou até agosto; Tó da Guiomar (Republicanos), seguiu até o fim do mandato. As mudanças ocorreram por idas e vindas judiciais.

Além da desobediência ao artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), eles são citados pela suposta ausência de elaboração do plano anual de contratações municipal e pela não quitação dos débitos junto à concessionária de fornecimento de energia elétrica.

À reportagem, Faguim informou ter apresentado defesa ao Tribunal. "Fui prefeito 88 dias e mostrei em documentos e imagens reuniões com os representantes da Enel", disse. Tó, por sua vez, ainda não tinha sido notificado e preferiu não se manifestar.

Já Bruno alegou a existência do plano de contratações e que débitos com a Enel estavam sendo questionados na Justiça. "Sai do cargo de prefeito no dia 4/4/2024, com isso não fiz transição com a atual gestão, e não tive notícias de ter acontecido nenhuma transmissão real entre as gestões", afirmou.

Crateús foi outro município com mais de um prefeito mencionado no relatório do TCE. Marcelo Machado (Solidariedade), prefeito entre janeiro de 2021 e maio de 2024, retornando ao cargo em novembro até o fim do ano. E Dr. Nenzé (PSB), que assumiu na ausência do titular e hoje é vice. Nenhum dos dois atendeu a reportagem.

Já os ex-gestores Rafael Marques (Pacatuba) e João Bosco Tabosa (Pentecoste) se limitaram a informar que os esclarecimentos serão justificados ao Tribunal. Enquanto isso, os de Canindé, Jijoca de Jericoacoara, Novo Oriente e Frecheirinha contestaram as conclusões do órgão e dizem ter deixado as administrações em situação regular.

Em Canindé, a ex-prefeita Rozário Ximenes (Republicanos) rebateu todas as acusações. Segundo ela, entre outros pontos, a gestão foi entregue "adimplente" e os atrasos registrados no pagamento de contratos ocorreram por causa do atraso nos repasses do Tesouro Nacional em dezembro de 2024.

De Jijoca de Jericoacoara, o ex-prefeito Lindbergh Martins (PSD) negou todas as irregularidades. "Fiquei surpreso com esse relatório. A gente montou, inclusive, uma sala para eles dentro da Prefeitura, toda equipada para fazer essa transição. Não teve dificuldade de nada", relatou.

Já em Novo Oriente, o contador do ex-prefeito Nenen Coelho (PSB), Ewerton Bezerra, informou que "as duas pendências foram sanadas", acrescentando que o órgão técnico sugeriu o arquivamento do processo.

Em Frecheirinha, o ex-prefeito Helton Luís também negou todas as falhas. Segundo a defesa, o município foi entregue "totalmente adimplente". Quanto à alegação de interrupção de serviços, sustenta que as atas da transição demonstram "que o município manteve tudo conforme solicitado, sem quaisquer empecilhos".

O POVO não obteve retorno dos ex-prefeitos Robério Rufino (Ipu), Chico Abreu (São Luís do Curu), Wanderley Nogueira (Morada Nova), Antônio Almeida (Acopiara), Dário Coelho (Itapiúna), Dr. Rafael (Penaforte), Tatiano (Tarrafas) e João Luiz (Campos Sales).

Todos foram procurados via ligação telefônica e de WhatsApp, bem como por mensagem de texto pelo mesmo aplicativo. Os números foram obtidos por meio de correligionários e políticos aliados. No caso de Dr. Rafael, foram três telefones diferentes; de Wanderley Nogueira e Taiano, dois cada. No caso de Dr. Rafael, os números não eram WhatsApp, por isso não foram feitas ligações pelo aplicativo. Os demais, um número foi localizado pela reportagem, mas sem conseguir contato.

Inspeção especial: Guaramiranga

Guaramiranga, a 106 quilômetros de Fortaleza, ampliou o número de inspeções do Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) por ter sido a única cidade que deixou de apresentar o relatório final no prazo estabelecido.

No município, o órgão precisou realizar "inspeção extraordinária", já na gestão atual, comandado por Ynara Mota (Republicanos). Apenas após essa fiscalização, Guaramiranga entregou o relatório final, "o que levou ao percentual 100% dos municípios com a transição concluída".

Ao O POVO, o advogado Edson Lucas disse que o atraso na entrega do documento se deu porque "não houve tempo hábil para que todas as informações da transição fossem professadas, haja vista a quantidade de informações".

"Tão logo finalizado, foi efetuado o protocolo do relatório, gerando também uma denúncia de sucateamento do município em relação à administração anterior", contou.

Câmaras municipais

Das 184 câmaras municipais, 113 enviaram relatórios de transição ao Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE). Outras 36 informaram formalmente que houve reeleição do presidente, situação prevista na legislação como dispensada do envio do documento.

Apesar disso, 65 casas legislativas cearenses descumpriram a obrigatoriedade e não encaminharam até o prazo final, encerrado em 31 de janeiro de 2025. Por essa razão, a equipe de transição do TCE-CE direcionou e-mails de cobrança a todos os presidentes das câmaras em atraso.

Depois dessa ação, restam apenas 35 casas legislativas. "Como houve uma redução, a gente resolveu não abrir representação nesse momento, mas será um dos itens na prestação contas de 2024 das câmaras, que elas ainda vão prestar. Até 30 de junho ele deve ter enviado", contou Cristiano Goes, diretor de Fiscalização de Atos de Gestão I do TCE.

Resultados e próximos passos

O acompanhamento das transições de governo mostrou um resultado considerado positivo pelo Tribunal de Contas do Ceará (TCE): o início das gestões de 2025 não foi marcado por decretos generalizados de situação de emergência administrativa nos municípios onde houve troca de prefeito.

Diretor de Fiscalização de Atos de Gestão I do TCE, Cristiano Goes, informou que apenas cinco cidades emitiram decretos, mas "situações pontuais, sem irregularidades evidenciadas". São elas Araripe, Barreira, Itapajé, Juazeiro do Norte e Salitre.

Em relação às representações, foram julgadas as de Canindé e de Ocara, esse cujo ex-prefeito não foi alvo. Já quanto às inspeções, o diretor apontou que 15 foram julgadas, faltando apenas Tarrafas e Itapiúna.

Após o relatório final, os ex-gestores apresentam defesa para a unidade técnica do órgão, que emite documento a ser encaminhado ao relator. Esse, por sua vez, pede a pronúncia do Ministério Público. Depois, o conselheiro emite o voto.

Segundo Goes, a orientação do presidente do TCE, Rholden Queiroz, e do secretário de Controle Externo, Marcel Oliveira Albuquerque, é de que os processos de transição sejam tratados como prioridade.

"Chega a defesa, eles já vão sendo direcionados para o técnico fazer análise e a gente dá saída o quanto antes para que sejam julgados de forma célere os processos. Alguns ainda vão ser julgados nesse ano e, não mais tardar, o restante no começo do ano de 2026", projeta.

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