O município de Choró, distante 148 km de Fortaleza, não vê o prefeito eleito há um ano. Após diversas ramificações de investigações e operações deflagradas contra Carlos Alberto Queiroz Pereira, conhecido como Bebeto de Choró (PSB), o político segue foragido desde o dia 5 de dezembro de 2024, quando a Polícia Federal cumpriu mandado de prisão preventiva, na Operação Vis Occulta.
“Fico impressionada como a Justiça ainda não pegou o Bebeto em um ano, se todo mundo dá notícia dele passando por Canindé, por Choró, nas praias, em vários locais”, admira-se Rozário Ximenes, ex-prefeita de Canindé que fez a primeira denúncia contra Bebeto e a respeito de ameaças que vinha recebendo de pessoas relacionadas a ele.
O prefeito chegou a ser preso depois da eleição do ano passado, em outra ação do Ministério Público. Foi solto e, dias depois, quando as autoridades foram buscá-lo novamente em outra operação, já não o encontraram. Desde então, o paradeiro segue desconhecido e as investigações prosseguem em diferentes esferas.
Hoje, o inquérito contra Bebeto Queiroz tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), após ser citada a participação de pessoas com prerrogativa de função, como o deputado federal Júnior Mano (PSB). O processo está no gabinete do ministro Gilmar Mendes, sob segredo de Justiça.
O inquérito no STF faz parte de um mapa de processos mais amplo, mas tem foco estritamente criminal, analisando condutas que podem configurar infrações penais relacionadas ao período eleitoral.
Existem outras frentes jurídicas ocorrendo simultaneamente, conduzidas por diferentes instituições: Polícia Federal, Ministério Público e também no âmbito eleitoral.
Além da compra de votos, fraudes em licitações públicas, influência em órgãos de segurança, envolvimento com facções criminosas, ameaças e tentativa de homicídio foram algumas das suspeitas levantadas pela PF ao investigar denúncias contra o político.
As investigações começaram em setembro de 2024 e revelaram um suposto esquema de financiamento eleitoral criminoso em Canindé, distante 106 km de Fortaleza, com a oferta de vantagens materiais e financeiras a eleitores em troca de votos.
No dia 26 daquele mês, a então prefeita de Canindé, Rozário Ximenes, foi ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e fez as denúncias. Ela relatou estar sendo alvo de ameaças do então candidato, que estaria oferecendo dinheiro a eleitores e vereadores para votarem em Professor Jardel (PSB) para prefeito contra Kledeon Paulino (Republicanos), candidato que a então prefeita apoiava. Jardel foi eleito. Ela relatou ainda que Bebeto teria R$ 58 milhões que seriam usados para interferir nas eleições em 51 municípios do Ceará.
Na véspera do depoimento de Rozário, em 25 de setembro de 2024, a Polícia Federal R$ 599.407 em dinheiro com o policial militar Emanuel Elanyo Lemos Barroso, em Fortaleza, que acabara de realizar o saque em agência do Papicu. O PM disse que um colega havia pedido a ele para transportar o dinheiro, mas ele desconhecia a origem. A empresa seria a MK Serviços em Construção e Transporte Escolar Eireli, de propriedade de Mauricio Gomes Coelho. A PF investigava a possibilidade de se tratar de um laranja e o real proprietário ser Bebeto. Mauricio é vigilante e tinha remuneração de R$ 2.418,77. A empresa tem capital social de R$ 8,5 milhões.
Em 4 de outubro de 2024, dois dias antes da eleição, Bebeto, Maurício e outras pessoas foram alvos de mandados judiciais de vusca e apreensão cumpridos pela PF. Bebeto foi encontrado em apartamento na Beira Mar. Os policiais informaram que ele jogou o celular no espelho d'água do prédio vizinho. Eles recuperaram o aparelho e encontratam conversas para realização de pagamentos com contas no nome de Maurício. Havia também transferência de dinheiro para candidatos a vereador e eleitores.
É investigada ainda suposta relação do prefeito afastado com a facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Há informação sobre áudio com ameaças a apoiador de um rival de Jardel em Canindé. O número de onde partiram as ameaças pertenciria a mulhwer suspeita de ser uma das maiores traficantes da região, e que teria ativa participação na campanha no Município.
Além dos processos iniciados durante as eleições municipais de 2024, uma pistola e um revólver com numeração raspada foram apreendidos com o prefeito afastado durante uma abordagem da Polícia Rodoviária Estadual, em 2020.
As armas estavam no banco de carona do automóvel de Bebeto. Em janeiro deste ano, a Justiça do Ceará rejeitou recurso para anular provas no processo em que Bebeto foi condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, por posse ilegal de arma de fogo.
O POVO entrou em contato com a Polícia Federal diversas vezes durante a apuração. Porém, o órgão, por protocolo, não comenta investigações em andamento.
Nesse meio tempo, a Prefeitura de Choró reitera que o Município “não enfrenta nenhuma instabilidade administrativa” decorrente do caso. Segundo a gestão, todas as secretarias seguem funcionando normalmente, “garantindo a continuidade dos serviços públicos, a execução das obras e o atendimento à população”.
Da urna à prisão, da prisão à fuga
Bebeto Queiroz foi eleito em outubro do ano passado, com 5.971 votos, percentual de 61,1%, em disputa contra o Professor Antonio Delmiro (PT), que 3.801 votos (38,9%).
Em 22 de novembro de 2024, Bebeto foi alvo da operação Ad Manus, realizada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) para investigar possíveis fraudes em contratos para abastecimento de combustível em veículos da Prefeitura do Município.
O prefeito na época, Marcondes Jucá (PT), foi preso e afastado. Bebeto Queiroz, então sucessor eleito, foi alvo de mandato. Ele se entregou à Polícia Civil e foi preso na Delegacia de Capturas (Decap) na tarde do dia seguinte, o sábado, 23 de novembro de 2024.
Ele ficou preso durante dez dias, até se esgotar o prazo de prisão temporária. No dia 3 de dezembro, ele publicou nota nas redes sociais na qual afirmou ter “total inocência e disposição aos órgãos da Justiça”, apontando também o desejo de “esclarecer para a sociedade a sua total absoluta isenção e inocência”.
"Confiante na justiça, o prefeito Bebeto Queiroz se colocou imediatamente e integralmente à disposição das autoridades competentes para esclarecer todos os fatos, tendo cumprido os 10 (dez) dias de prisão temporária, em razão da ordem judicial expedida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, colaborando totalmente com o andamento da investigação", dizia o texto.
Dois dias depois, em 5 de dezembro de 2024, Bebeto se tornou alvo de outra operação, a Vis Occulta, do Ministério Público Eleitoral e da Polícia Federal, com apoio da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco). Desde então, o prefeito se encontra foragido novamente.
Caso levou PF a criar grupo para inquéritos sensíveis
Bebeto do Choró está foragido em função de um inquérito da Polícia Federal (PF) que investiga suposta compra de votos e um esquema que envolveria mais de 51 prefeituras, com a lavagem de dinheiro de emendas parlamentares. Ao O POVO, a ex-prefeita Rozário Ximenes disse suspeitar de que a demora em pegá-lo seja proposital, pois isso “derruba muita gente que ele ajudou”.
O avanço das investigações motivou a criação do Grupo de Inquéritos Especiais (Ginq) da Polícia Federal no Ceará, dedicado a casos sensíveis e de corrupção. O grupo inaugurou sua atuação com a condução do caso de Bebeto e deflagrou novas fases, como a Operação Snooker.
Em setembro, a operação cumpriu 22 mandados de busca e apreensão em quatro municípios no Ceará e um na Bahia, destinada a desarticular um esquema de corrupção, descaminho e lavagem de dinheiro relacionado a importações irregulares.
Cassação tramita no TRE-CE
Bebeto Queiroz teve a cassação do registro de candidatura a prefeito de Choró solicitada pelo Ministério Público Eleitoral da 6ª Zona. O seu vice, Bruno Jucá (PRD), também teve cassação requerida.
O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) informou que o último recurso pendente na Corte relacionado à cassação do prefeito de Choró, um embargo de declaração, está previsto para julgamento na primeira sessão de dezembro pelo pleno do tribunal. A data específica ainda será divulgada e somente após essa deliberação e, caso o acórdão seja mantido, o órgão iniciará o planejamento da eleição suplementar no Município.
O Tribunal destacou ainda que o calendário nacional de eleições suplementares é definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujo cronograma para 2026 ainda não foi publicado.
Investigações do Ministério Público
Em Canindé, o Ministério Público Eleitoral (MPE) trabalha questões eleitorais de natureza cível. Foi na 2" Promotoria de Justiça da Comarca do Município onde a ex-prefeita Rozário Ximenes, adversária de Bebeto, deu o depoimento contra o então candidato à Prefeitura de Choró.
O Ministério Público Eleitoral (MPE) informou ao O POVO que a ação de investigação judicial Eleitoral (Aije) envolvendo o prefeito afastado tramita em segredo de Justiça na Comarca de Canindé.
Já a investigação criminal conduzida pela Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública (Procap) também segue sob sigilo, sem possibilidade de divulgação de detalhes sobre o andamento.
Choró superou Bebeto Queiroz? Prefeito interino diz que sensação de instabilidade no Município diminuiu
O Município de Choró é administrado interinamente pelo presidente da Câmara, o vereador Paulo George Saraiva, o Paulinho (PSB). Ao O POVO, ele reitera que a sensação de instabilidade no Município diminuiu e que a cidade vive em tranquilidade.
O prefeito interino de Choró afirmou que, apesar da repercussão do caso envolvendo o gestor foragido, o clima no município permanece estável. Segundo ele, eventual apreensão surge apenas diante de visitas da imprensa ou comentários externos, mas a administração tem priorizado transmitir tranquilidade à população.
“Mais paira quando chega uma reportagem, quando alguém comenta, mas é muito tranquilo. O que temos como opção é colocar para o povo a questão da tranquilidade. As pessoas não têm, de forma alguma, necessidade de estar passando por essa intranquilidade”, afirmou o prefeito interino.
Ele ressaltou que a gestão municipal enfrenta limitações financeiras, mas mantém a continuidade dos serviços públicos e das entregas administrativas.
O prefeito interino ainda comentou sobre a possibilidade de disputar futuras eleições suplementares em Choró.
“Quando lançarem as datas, iremos sentar com todo o nosso grupo para a gente poder, pode ter certeza, escolher o melhor nome. Já fizeram pesquisa e o nome da gente foi colocado, para minha surpresa. Eu não pedi a ninguém, eu particularmente não fiz uma pesquisa. (...) Mas eu só poderei dizer e fazer campanha quando realmente datarem o mandato”, afirmou.