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Auditor fiscal e perito particular teriam ajudado fraude de R$ 1,8 bilhão em joias no Ceará
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Auditor fiscal e perito particular teriam ajudado fraude de R$ 1,8 bilhão em joias no Ceará

Operação Snooker, deflagrada pela Corregedoria da Receita e Polícia Federal também apontou colaboração de um perito particular no esquema. Importações ilegais também envolviam aquisição de produtos chineses, com declarações subfaturadas
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AGENTE da PF vistoria um dos galpões com mercadorias importadas sob esquema de fraude fiscal (Foto: DIVULGAÇÃÕ POLÍCIA FEDERAL)
Foto: DIVULGAÇÃÕ POLÍCIA FEDERAL AGENTE da PF vistoria um dos galpões com mercadorias importadas sob esquema de fraude fiscal

Investigação da Receita Federal em conjunto com a Polícia Federal descobriu um esquema bilionário de importações fraudulentas realizadas no Ceará que recebiam a ajuda de um auditor fiscal, lotado no Aeroporto Internacional de Fortaleza, e de um perito particular terceirizado.

Uma empresa do ramo de joias, que não teve o nome revelado, teria adquirido cerca de R$ 1,8 bilhão em peças de prata, num intervalo de dois anos, mas os itens eram informados ao fisco somente como bijuterias. Quando necessário, o perito era acionado para forjar laudos de que as joias não seriam prata legítima. A informação era crucial para reduzir o valor dos tributos de importação.

O trabalho partiu de uma denúncia anônima, feita à Receita em 2020, com investigações desenvolvidas ao longo de dois anos, mas a irregularidade ainda estaria sendo cometida em 2025. A operação, batizada de Snooker, foi deflagrada na manhã dessa quinta-feira, 11, em quatro cidades do Ceará (Fortaleza, Aquiraz, Maracanaú e Maranguape), em Salvador (BA) e com diligências também realizadas em Barueri (SP).

O valor das joias adquiridas na fraude foi confirmado pelo corregedor geral adjunto da Receita, Rodrigo Bettamio, que se deslocou de Brasília para acompanhar presencialmente a operação em Fortaleza. Uma segunda ponta da fraude, segundo a Receita e a PF, envolvia a compra de produtos chineses por importadores locais. Os artigos, os mais diversos, eram subfaturados tanto em quantidade como em valores.

O POVO apurou que a empresa seria a mesma que, em 29 de abril deste ano, foi alvo da operação Raio X, deflagrada pelo Ministério Público Federal (MPF), através do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf). O trabalho foi conduzido em parceria com o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz). A empresa foi acusada de sonegação de impostos. Bettamio disse que preferia não citar nomes de investigados.

O auditor-fiscal investigado foi afastado das funções. A casa dele, a sala de trabalho no Aeroporto e até o ambiente alfandegário estiveram entre locais vistoriados pelos agentes federais. Ele teria recebido o pagamento de propina diretamente ou direcionada a familiares, que também estariam sendo investigados. O perito também recebeu ordem de afastamento.

As cifras relacionadas aos produtos chineses não foram reveladas, mas imagens divulgadas da operação mostraram grandes galpões em Fortaleza, lotados de mercadorias, que foram vistoriadas e apreendidas após as irregularidades constatadas.

Um desses espaços é localizado na região da Praia de Iracema. Nas três cidades da Região Metropolitana, Aquiraz era principalmente residência de alguns dos alvos e Maranguape e Maracanaú seriam sedes das empresas e dos depósitos de mercadorias.

O bloqueio de bens e valores dos investigados, por ordem judicial, teria sido próximo dos R$ 40 milhões, entre contas bancárias, confisco de imóveis, veículos e até uma embarcação descrita como de luxo. Foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão, sendo 10 pessoas e 12 empresas indicadas como alvos. Não houve ordem de prisão e nenhum dos nomes foi informado.

O corregedor-adjunto da Receita, Rodrigo Bettamio, disse ao O POVO que não há certeza se havia comunicação entre os dois núcleos investigados - o da compra de joias e o de produtos chineses. “Isso precisa ser investigado também, mas a gente acha que se comunicam”. Ele admite que ainda há falta de clareza sobre esses fatos, “mas certamente o servidor era um elo entre eles”.

Além do servidor e do perito, o perfil dos investigados seria tanto de empresários como familiares e funcionários das empresas apontadas. A operação também alcançou que os alvos teriam usado empresas de fachada e operado com criptoativos para o recebimento de valores ilícitos, descritos como “milionários”. Os agentes fizeram a apreensão de dinheiro em espécie em alguns dos endereços.

Vários crimes foram identificados no esquema, segundo PF e Receita: corrupção ativa e passiva (que preveem penas de 2 a 12 anos de reclusão), fraude tributária (penas possíveis de 2 a 5 anos), descaminho (pena de 1 a 4 anos), falsidade ideológica a partir da manipulação de documentos periciais (até 5 anos de reclusão) e operações de lavagem de dinheiro (penas cabíveis de 3 a 10 anos, mais multa).

Receita admite conexão do caso com plano de matar auditor e atacar instituição

A Corregedoria Geral da Receita Federal suspeita que haja "forte conexão" do esquema de fraude nas importações, investigado pela operação Snooker, com a ameaça de morte feita a auditores e até a seus familiares, além de ataques à própria instituição.

Em 1º de julho deste ano, a Polícia Federal prendeu duas pessoas em Fortaleza na operação Porturium. Elas seriam parte de uma organização criminosa que teria ameaçado e planejado matar um auditor-fiscal da Receita no Ceará.

As intimidações ao servidor, tanto por telefone como por emails, teriam acontecido entre o fim de setembro e início de outubro de 2024, conforme apuração do O POVO à época. O auditor solicitou a ajuda institucional e pediu a proteção a ele e sua família. O caso, porém, estaria sendo investigado desde 2023, com a implantação de uma força-tarefa nacional direcionada.

"A gente não quer revelar ainda (quais seriam as conexões), mas estamos vendo a questão temporal, geográfica mesmo, o modus operandi, por isso imagina haver essas conexões. Estamos na linha de investigação para detalhar melhor", afirmou o corregedor-adjunto da Receita, Rodrigo Bettamio.

Além da ameaça, conforme as informações da operação Porturium, os investigados teriam acessado dados reservados do sistema da Receita e criaram um site falso. Nesta página, publicavam notícias e denúncias caluniosas que atacavam o órgão fiscal e servidores.

O trabalho dos auditores na aduana teria alcançado o esquema de importação fraudulenta, segundo o corregedor. "Eles começaram a ser ameaçados, intimidados, inclusive foram vítimas de representações disciplinares e criminais com base em provas fraudadas, em mensagens via WhatsApp. Era para interferir no trabalho correto desses servidores", disse Bettamio.

Na operação realizada em julho, pelo menos uma pessoa teria fugido. Houve mandados de busca e apreensão cumpridos no Ceará (Fortaleza e Maracanaú) e em São Paulo (capital e Santos). O caso segue sob investigação. 

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