Uma cena desoladora: jogadoras ladeadas, olhares cabisbaixos de quem viu a chance de chegarem ao topo escapar por um triz, e, nas mãos, cartaz em que se lê "Brasil, precisamos de apoio". A foto que tomou as redes sociais esta semana é de 2007. Doze anos separam o vice-campeonato mundial da mais recente eliminação, nas oitavas de final, contra França, no último domingo, 23, na Copa do Mundo. As posturas mudam, o sentimento da recém-formada e apaixonada torcida agora existe, mas a seleção brasileira e o futebol feminino continuam carecendo de apoio. O que precisa mudar?
A visibilidade dada à seleção feminina, com inéditas transmissões em TV aberta e recordes de público, pode levar a dois caminhos: um maior acompanhamento dos passos que a equipe dará daqui para frente e o evidenciamento de ligas nacionais e estaduais. "A partir dessa visibilidade vai ter cobrança maior e, de certa forma uma fiscalização, por parte da imprensa e do público, querendo saber como está a preparação para as Olimpíadas (de 2020), por exemplo, como será a renovação de elenco e se terá mudanças na comissão técnica", indica a jornalista Allana Alves, coordenadora de Comunicação do Fortaleza Esporte do Clube.
Em evidência, a seleção suscita debates até então deixados de lado. Como, por exemplo, um técnico como Vadão, sem conquistas expressivas na modalidade masculina, comandando o Brasil feminino. "Quando se debate a qualidade da comissão técnica, isso gera incômodo. Nenhuma entidade gosta de ser incomodada. E isso pode fazer com que a CBF repense as políticas pro futebol feminino, e com uma estrutura mais sólida que vise resultados a longo prazo, talvez isso reflita nos clubes também", projeta a jornalista esportiva Renata de Medeiros, da Rádio Gaúcha e do Jornal Zero Hora.
Karine Nascimento, jornalista e comentarista de futebol, acredita que é preciso, então, "olhar para o mercado interno". Ela indica que a recente visibilidade se junta à obrigatoriedade dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro de manterem times femininos. A promessa é que o Brasileirão — agora com duas séries sendo transmitidas na Band — seja reforçado e cresça.
Há, porém, defasagem nas categorias de base, que só este ano ganham competição nacional. Renata lembra que a França, algoz do Brasil, tem torneios a partir do sub-7. "Isso significa que uma mulher quando chega na seleção da França desde os sete anos lida psicologicamente com ganhar e perder, tem uma rotina competitiva de treinos e de jogos. Hoje, seis países europeus, com dimensões bem menores que o Brasil, têm cada um mais de 100 mil meninas federadas, e o Brasil tem 3 mil", aponta.
Num discurso pós-jogo, Marta, empoderada, firme, consciente do papel que representa pede valorização. Mas ela vai além. Talvez pela proximidades do fim do próprio ciclo, a seis vezes melhor do mundo fala diretamente às novas gerações. Aí está uma diferença primordial entre 2007 e 2019: as palavras de Marta reverberam em outras meninas. São ouvidas numa transmissão em TV aberta, que atingiu mais de 30 milhões de espectadores — o maior público de um jogo de futebol feminino em um só país. Cifra que desbanca a velha desculpa de que partidas entre mulheres não têm público.
"O torcedor falava 'eu não acompanho porque ninguém transmite'; as grandes empresas de mídia falavam 'a gente não transmite porque não tem audiência e ninguém patrocina', e os patrocinadores falavam 'a gente não patrocina porque ninguém transmite, e não tem público'. Acho a gente chegou num ponto em que as pessoas estão vendo que negligenciaram e estão agora comprando a causa para tentar diminuir o atraso histórico", acredita Renata.
Serviço: onde assistir às principais competições femininas de futebol
Brasileirão - Série A1 e A2
A Band transmite um jogo por rodada, da primeira ou da segunda divisão, aos domingos, às 14h. No Twitter, o perfil @BRFeminino também faz transmissões.
Liga Americana - NWSL
Com Marta, Andressinha e Debinha jogando em times da liga, os jogos podem ser assistidos no site da NWSL ou no app. O calendário da temporada está disponível em link http://nwslsoccer.com.
Champions League - UWCL
Os clubes europeus fazem as transmissões nas redes sociais, e alguns canais brasileiros transmitem a final. O perfil da Champions no twitter é @UWCL
Campeonato Inglês - FAWSL
Os próprios clubes, como como Arsenal, Chelsea, Manchester City e Liverpool, transmitem os jogos pelas suas respectivas redes sociais. E o perfil @FAWSL no twitter divulga calendário e novidades da temporada.
Campeonato Espanhol - Liga Iberdrola
Andressa Alves, no Barcelona, e Ludmilla, no Atlético de Madrid, disputam essa liga. Em 2020, o Real Madrid estreia na categoria. As transmissões também são feitas pelos clubes no Facebook.
Fonte: perfil da jornalista Carolina Lima (@_littlecarol) no Twitter
Clubes cearenses se voltam ao futebol feminino
Com o sucesso comercial da Copa do Mundo Feminina, os olhares do mundo passaram a se voltar para o futebol das mulheres. No Brasil, além da visibilidade aumentada, a obrigatoriedade de clubes da Série A do Brasileiro manterem time feminino incentiva a prática da modalidade. O desenvolvimento de categorias femininas de futebol, porém, ainda é embrionário, pelo menos no Estado.
O Campeonato Cearense Feminino deste ano teve apenas quatro participantes: Ceará, Caucaia, Menina Olímpica e Tiradentes. A previsão para a edição 2019, prevista para início em agosto, é a inclusão de mais equipes, entre elas o Fortaleza. A proposta de expansão incluiria ainda times da Região Metropolitana de Fortaleza e do Interior, de forma a tornar o Estadual mais competitivo.
Apesar do equilíbrio entre homens, Ceará e Fortaleza vivem situações diferentes entre mulheres. O Alvinegro é o atual campeão cearense e está a dois jogos de um possível acesso à Série A1 do Brasileirão Feminino. O Fortaleza está terminando o processo de montagem de elenco, visando a disputa do Cearense 2019.
A iniciativa feminina no Ceará se iniciou a partir de parceria com o projeto Menina Olímpica, que cedeu atletas para a formação da equipe alvinegra no ano passado. O acordo é válido até o final do Brasileiro A2, com ainda possibilidade de renovação de contrato até o fim do Estadual deste ano.
Hoje, todas as jogadoras do Ceará possuem carteira assinada — são atletas profissionais —, algo raro para o esporte entre mulheres no Brasil. Normalmente, as jogadoras atuam por contrato, algo que as deixa desamparadas em caso de desligamento.
A atacante do Ceará, Valéria, 25, ressalta a importância de, pela primeira vez na carreira esportiva, atuar com carteira assinada. "Já passei por outros clubes em que a gente trabalhava apenas com contrato, você não tinha nada assegurado. Você tava ali, mas amanhã você não sabia qual seria o seu futuro. E aqui não. Eu chego e tenho todos os meus direitos", comemora.
Desde 2010 sem formar equipe feminina de futebol, o Fortaleza está de volta ao Estadual neste ano. Sob o comando do treinador Fuscão, as Leoas treinam há dois meses, reunindo atletas que disputaram o Brasileiro A2 com jogadoras locais. Dentre elas, quatro estiveram no time de nove anos atrás, que conquistou o inédito título Cearense Feminino.
Segundo Fuscão, o grupo ainda está em formação. A previsão do técnico é trabalhar com 30 a 35 atletas no Estadual. Além disso, o número de dias semanais de treino deve ser ampliado com a aproximação do certame. Atualmente, são dois treinamentos a cada sete dias.
A atacante Elizete, 41, veterana do time do Fortaleza de 2010. À época, ela foi artilheira da competição, com 18 gols marcados — recorde de tentos anotados em uma única edição do Cearense Feminino. Para ela, a repercussão recente da seleção brasileira na França-2019 pode contribuir para os clubes e as atletas locais. "A gente tem que acreditar que vai crescer, que essa bandeira vai ser levantada muitos anos, para as atletas que vão vindo aí", ressalta, ecoando súplica de Marta após a eliminação do Brasil no Mundial.
Apesar do investimento dos grandes clubes, o time feminino tradicional do Estado é o Caucaia, maior campeão cearense, com seis conquistas. A equipe ainda ficou entre as oito melhores do País nos Brasileirões de 2009 e 2014.