Logo O POVO+
Lei Maria da Penha: 13 anos depois, mais denúncias e mais acolhimentos
Reportagem

Lei Maria da Penha: 13 anos depois, mais denúncias e mais acolhimentos

Criada em 7 de agosto de 2006, a lei que tirou da invisibilidade as diferentes formas de violência contra a mulher completa, hoje, 13 anos de vigência. Conheça os principais avanços e desafios a partir dela
Edição Impressa
Tipo Notícia Por

Desde que foi criada a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), há exatos 13 anos, cada vez mais, no Brasil, se denunciam ocorrências de violência contra a mulher. Ameaça, cárcere privado, agressão física, psicológica, moral, sexual, virtual, obstétrica, tráfico, feminicídio. Só nos seis primeiros meses deste ano, a Central de Atendimento à Mulher do Disque 180 recebeu 46,5 mil denúncias assim, 10,9% a mais do que consta nos registros do mesmo período em 2018.

O crescimento das denúncias segue o grave aumento da quantidade de registros de mulheres sendo assassinadas por serem mulheres — feminicídios — e acompanha a disseminação do conhecimento sobre a legislação que, nesta quarta-feira, 7, comemora mais de uma década de vigência. "Mulheres estão tendo mais acesso à informação", assegura Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará.

O Nudem tem feito, mesmo, mais atendimentos. Em 2018, 4,3 mil mulheres vítimas, principalmente, de violência psicológica, moral, física, patrimonial e sexual, foram amparadas pelos defensores públicos, número 9,5% maior do que em 2017 e 56,8% superior ao registrado em 2016. "As pessoas precisam se empoderar desse direito, saber que existe um ciclo de violência que, enquanto não for interrompido, pode se repetir", insiste Jeritza.

Do legado da lei que leva seu nome, Maria da Penha Maia Fernandes, 74, a farmacêutica cearense que, na década de 1980, sofreu dupla tentativa de feminicídio do marido, destaca o esclarecimento de que o código não é para punir homens mas, sim, proteger mulheres e punir homens agressores. "E quem é o homem agressor? É aquele que não sabe tratar a mulher com respeito e dignidade", resume. Mas, também, cobra: "Infelizmente, até o momento, políticas públicas só estão presentes, com raras exceções, nas cidades que geralmente são as capitais".

Urge a necessidade de interiorização da rede de assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Tanto que, em março deste ano, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), anunciou que o Estado construiria e manteria equipamentos semelhantes à Casa da Mulher Brasileira (projetada pelo Governo Federal) inaugurada ano passado em Fortaleza. "A Casa é um equipamento que veio revolucionar o acolhimento e o encaminhamento das mulheres em situação de violência", sintetiza Daciane Barreto, coordenadora da unidade.

Prevista em lei, a rede de assistência deveria já ter sido disseminada pelo menos pelas capitais do País, seguindo a multidisciplinaridade presente na CMB. Isso, porém, não aconteceu. Rosa Mendonça, titular, em Fortaleza, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, afirma, apesar disso, que o momento é de focar ações nos interiores dos estados. No Ceará, por exemplo, "não temos centros de referência, somente um juizado especializado no Cariri. Casas de abrigo, também, não. Interior é desprovido de tudo", disse.

Entre as contribuições mais significativas da Lei Maria da Penha, Rosa destaca as medidas protetivas — que, desde o ano passado, podem, também, ser aplicadas por autoridades policiais. Apenas no primeiro semestre deste ano, de acordo com a juíza, o Juizado expediu uma média de 350 medidas protetivas urgentes por mês. "Tem salvado vidas", garantiu.

Além disso, Rosa ressalta a construção de juizados especializados multidisciplinares, o incentivo à denúncia e a criminalização de práticas que antes eram consideradas de menor potencial ofensivo. A juíza sugere, no entanto, que alguns tipos de violência sejam melhor amparados judicialmente. "A psicológica, que é uma das piores, atinge muito a autoestima da mulher, mas não tem materialidade. A gente recorre a ameaça, contravenção penal", citou.

Daciane, da Casa da Mulher Brasileira, acrescenta a criação de medidas para prevenir e erradicar a violência de gênero. "Estamos avançando no ponto de vista da legislação e prática do enfrentamento". Pontua, contudo, desafios: machismo, cultura do patriarcado, misoginia e escassez de infraestrutura. Sobre a construção de mais CMBs, por exemplo, admitiu: "Não houve mais nenhum movimento pra continuidade do programa". (colaborou Domitila Andrade)

Avanços ao longo dos anos

2006

A lei foi criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

2015

Passou a se configurar violência contra a mulher tanto a violência doméstica e familiar como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

2017

Passou a ser direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores (preferencialmente do sexo feminino) capacitados. Foi nesse momento, também, que se determinou que a vítima deve ser preservada de qualquer contato com seu agressor, bem como não vitimizada novamente ao ter de prestar sucessivos depoimentos aos órgãos competentes.

2018

O descumprimento de medidas protetivas urgentes passou a ser crime com pena de detenção de três meses a dois anos. Também passou a reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e criminalizou o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual/libidinoso de caráter íntimo e privado.

2019

Em caso de constatação da existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor deve ser imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. Também, passou a ser autorizada a aplicação de medida protetiva de urgência tanto pela autoridade judicial como policial. Além disso, tornou obrigatória a informação sobre a condição de pessoa com deficiência da mulher vítima de agressão doméstica ou familiar e passou a exigir que, no registro policial, conste se a violência sofrida resultou em sequela, deixando a vítima com algum tipo de deficiência ou com agravamento de deficiência preexistente.

Fonte: Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

 

O que você achou desse conteúdo?