Um ano após o triplo homicídio que vitimou o tenente Antonio Cesar Oliveira Gomes, 50, e os sargentos Sanderley Cavalcante Sampaio, 46, e João Augusto Lima, 58, o caso ainda aguarda desfecho da Justiça. Oito pessoas foram acusadas e seguem sem julgamento pelo crime ocorrido no bairro Vila Manoel Sátiro.
O episódio ocorreu no começo da tarde do dia 23 de agosto de 2018. Conforme a denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE), as vítimas estavam em um bar, à paisana — somente Sanderley ainda estava na ativa —, quando foram surpreendidos pelos criminosos. Estes trafegavam em, pelo menos, dois veículos, uma moto vermelha e um carro modelo Volkswagen Voyage, de cor preta. "Logo ao chegarem, parte dos infratores desembarcou e, sem qualquer aviso ou discussão, passou a desferir uma saraivada de disparos de arma de fogo em direção às vítimas, sem lhes dar chance de fuga ou mesmo de esboçar qualquer reação", afirma a acusação. Dezessete tiros, ao todo, atingiram os PMs.
Nos dias seguintes ao crime, foram presos Francisco Wellington Almeida da Silva, Eduardo Vale de Lima, Rafael Mendes Almeida, Charlesson de Araujo Souza, Fabiano Cavalcante da Silva e Lucas Oliveira da Silva. Todos pertencem à facção criminosa Guardiões do Estado (GDE), de acordo com o MP. Fabiano, que seria o mandante da execução, inclusive, foi apontado como uma das principais liderança da organização criminosa no bairro. À época , ele estava preso, em Itaitinga. No inquérito, ao qual O POVO teve acesso, consta depoimento em que uma testemunha diz que, horas antes do crime, Fabiano telefonou para Lucas, ligação que estava no viva-voz. Ele teria dito que policiais estavam "de bobeira" em um bar. Em seguida, que mandaria "um veículo e alguns homens".
Em junho último, o MP aditou a denúncia para acusar duas outras pessoas: Raimundo Costa Silveira Neto, o "Raimundo Geladeira"; e Waldiney de Melo Lima, o "Taxista". Eles integrariam, junto a Fabiano, uma célula da GDE conhecida como Conselho Missão, afirmou ao MP uma testemunha, ex-integrante da facção. O POVO também teve acesso ao teor das declarações da fonte. Conforme ele, o "Conselho Missão" tem como intuito "mapear inimigos" da facção. "Como eles são do 'conselho missão', eles não precisam de autorização para matar ninguém não", acrescentou, ressaltando que nem mesmo o "conselho final da GDE" os dá ordens. Entre oito e dez pessoas fariam parte desse grupo.
Ainda segundo a testemunha, o triplo assassinato ocorreu porque os criminosos acreditavam que a morte de Thalys Constantino de Alencar, de 18 anos, havia sido uma retaliação de policiais ao assassinato do subtenente Juciano de Lima Barbosa, ocorrido cerca de um mês antes do triplo homicídio, também na Vila Manoel Sátiro. Thalys foi morto um dia antes dos policiais. De acordo com o MP, também Fabiano seria o mandante do assassinato do subtenente. "Eles decidiram que se vingariam em qualquer policial que eles encontrassem pela região lá", disse a testemunha. Quando perguntado pelos promotores se teria sido uma "infeliz coincidência" os três policiais terem sido os escolhidos, a testemunha respondeu: "exatamente".
O MPCE, porém, identificou "divergências", referente aos executores do crime, entre o depoimento da fonte e a investigação policial. Para a testemunha, as pessoas presas têm participação no crime em tarefas como fornecimento de arma e transporte. "Os que cometeram o crime mesmo não têm nenhum preso não", disse.
O POVO solicitou ao Tribunal de Justiça do Estado (TJCE) informações sobre o andamento do processo que apura o caso, mas foi informado que, como o caso tramita em segredo de justiça, isso não seria possível.
CONTRIBUIÇÕES DENTRO DA FACÇÃO
CONFORME fonte ex-integrante da GDE, também foi debatida a morte de um outro policial, pertencente do Comando Tático Motorizado (Cotam). "Porque ele é bem ostensivo lá na área (Manoel Sátiro), então acaba atrapalhando a vida do crime lá, o povo tem muita raiva dele."
A FONTE ainda deu detalhes sobre o funcionamento interno da GDE. Conforme ele, existe uma contribuição obrigatória, de, no mínimo, R$ 50 ao mês. "Se o criminoso não paga a 'caixinha´, fica 'brecado´, ou seja, impedido de usar qualquer droga", disse. A "caixinha" de uma única unidade prisional renderia cerca de R$ 65 mil ao mês. Conforme ele, a GDE já tem cerca de 22 mil faccionados.
ELE DISSE não saber para onde vai o dinheiro, apenas que é dito que o arrecadado é convertido "em favor do crime". A fonte ainda disse que 90% das armas usadas pela facção vêm do Paraguai. E que cada bairro dominado pela GDE possui um "paiol" de armas, que fica à disposição do grupo, sob ordens do chefe local.
"RAIMUNDO GELADEIRA" ainda foi indiciado por um outro homicídio também ocorrido na Vila Manoel Sátiro. Ronierison Martins de Sousa, de 28 anos, foi morto a tiros em 10 de janeiro de 2018. Segundo a Polícia Civil, Raimundo teria ordenado o crime pela suspeita de que a vítima havia passado informações para policiais
COMO O POVO mostrou em abril último, um dos fundadores da GDE, em interrogatório policial realizado em dezembro último, afirmou não ter havido "aval do conselho final" para o triplo homicídio. "Era algo pessoal e nós não iríamos nos meter nisso", afirmou Yago Stefferson Alves dos Santos.
Linha do Tempo
30 de julho — Juciano de Lima Barbosa, 53 (esquina das ruas Raimundo Neri e Dom Xisto Albano, Parque São José)
Subtenente da Reserva Remunerada da PM comemorava o aniversário do filho em um bar quando foi morto. Crime teria ocorrido a mando de chefe de facção. Pelo menos três pessoas são réus pelo crime. O caso tramita em segredo de Justiça
22 de agosto — Thalys Constantino de Alencar, 19 (rua Petronilia Bezerra, 60, bairro Manoel Sátiro)
Seria ligado à quadrilha de Fabiano. Havia sido preso em fevereiro por roubo e usava tornozeleira eletrônica. Ele foi morto a tiros por homens não identificados ainda, que trafegavam em um carro modelo Volkswagen Fox, de cor preta.
23 de agosto — José Augusto de Lima, 58, Antonio Cezar Oliveira Gomes, 50, e o subtenente Sanderley Cavalcante Sampaio, 46 (rua Padre Arimateia com a Rua São Manoel, bairro Manoel Sátiro)
Policiais estavam em um bar quando foram morto. Crime seria retaliação pela morte Thalys, um dia antes. Oito pessoas respondem processo na Justiça pelo crime. Caso tramita em segredo de Justiça.
24 de agosto — Gerlan Lima (local não especificado na Vila Manoel Sátiro)
Morte isenta de ilicitude, já que decorrente de intervenção policial. Policiais faziam buscas por suspeitos do triplo assassinato e se depararam com Gerlan. Ele teria atirado contra a composição, que reagiu e o baleou.
24 de agosto — Alisson Rodrigo da Silva Rodrigues, 32 (praça em frente à Igreja de Fátima, na avenida 13 de Maio)
Não possuía antecedentes criminais. Havia ido a DHPP prestar esclarecimentos no inquérito que apurava o triplo homicídio. Um dos depoimentos colhidos apontava que ele era funcionário de Fabiano. O inquérito que apura o caso ainda está em aberto, sem suspeitos presos.
26 de agosto — Thiago da Silva Moura e Antônio Victor Araújo Nobre (rua Américo Rocha Lima, 1257, bairro Manoel Sátiro)
Mortos a menos de 100 metros onde Thalys havia sido assassinado. O inquérito que apura o caso ainda está em aberto, sem suspeitos presos. Nenhum depoimento havia sido tomado no inquérito até outubro.
27 de agosto — Antônio Adalberto Constantino de Alencar (rua Cônego de Castro, 3635, bairro Vila Peri)
Morto a tiros na oficina onde trabalhava, localizado a 60 metros de onde Thalys foi morto — de quem era tio. Teria testemunhado o assassinato do sobrinho. Não possuía antecedentes criminais. Inquérito que apura o caso ainda está em aberto, sem suspeitos presos.
29 de agosto — Carlos Daniel de Sousa Maciel (rua das Cerejeiras, 1459, bairro Parque Santa Rosa)
Morto em uma tentativa de chacina em um bar do bairro Parque Santa Rosa. Outras seis pessoas ficaram feridas na ação. Há registro de que houve foguetório em bairro vizinho, o que seria comemoração ao crime. Inquérito que apura o caso ainda está em aberto, sem suspeitos presos.
Mortes
Foram 21 casos de homicídios ao todo na AIS 9, contra 20 do segundo mês mais violento, maio de 2018.
Testemunha
Quando questionada por promotores se o caso de triplo homicídio de policiais teria sido uma "infeliz coincidência", testemunha respondeu: "exatamente".