O futebol profissional é uma indústria e precisa ser tratada como tal. Essa é a opinião do professor e advogado Pedro Trengrouse, coordenador acadêmico do Programa Executivo FGV/Fifa/Cies em Gestão de Esportes. Trengrouse conversou com O POVO logo após seu retorno da Football Tour Xperience, na França, e abordou a estagnação da geração de empregos no Brasil, a necessidade de profissionalização das gestões e a perspectiva de investimentos internacionais.
O POVO - Existem dados atualizados que estimem a quantidade de emprego gerados no futebol?
Pedro Trengrouse - Infelizmente, ninguém trata do futebol como uma indústria e então não se atualiza os números. O que nós temos, que ainda é atual, porque não houve nenhuma mudança no arranjo produtivo, é que o futebol profissional gera hoje 370 mil empregos, e que poderia gerar mais de 3 milhões se fosse mais bem organizados. Isso na cadeia produtiva como um todo: são empregos diretos, indiretos e induzidos. O emprego direto é aquele que o clube contrata direto na carteira. O indireto é aquele gerado pelos fornecedores do clube, toda vez que ele contrata um serviço ou compra algum material, e para ter o material alguém tem de produzir, então o emprego existe por conta do clube. Os induzidos são medidos da seguinte forma: tudo aquilo que você pagou de salário pro funcionário, ou os fornecedores pagaram de salário para os funcionário deles, gira na economia novamente, e consequentemente eles compram coisas, geram empregos e renda novamente.
OP - O senhor fala em um número que poderia ser atingido. O que falta?
Trengrouse - Falta eficiência nos elos da cadeia produtiva. Os clubes brasileiros não têm uma estrutura bem desenvolvida para os negócios, não têm uma estrutura própria. Os clubes profissionais fazem negócios sem ter estrutura de negócio. Isso é impeditivo para o desenvolvimento do futebol no arranjo produtivo nacional.
OP - Como o senhor analisa essa cadeia de empregos e essa geração de renda que é promovida pela existência dos clubes de futebol?
Trengrouse - É fundamental para a economia do País. Quanto mais bem o futebol for administrado, mais emprego e renda ele vai gerar. E aí eu faço um parêntese: vale destaque para a administração do Fortaleza, que já é um grande exemplo pro Brasil de um clube que vem tendo uma boa administração e vem provando que é possível fazer futebol profissional com resultado, gerando emprego e renda. Eu estive com o Marcelo (Paz) agora na França. Sou testemunha do trabalho exemplar que o presidente do Fortaleza vem fazendo, não só na administração do clube mas também na internacionalização. A presença dele (no Football Tour Xperience) em colaboração com Federação Francesa de Futebol deu outra dimensão ao Fortaleza, levou o time do Ceará para o Mundo.
OP - Quais seriam os bons exemplos dessa administração? A criação da marca própria, a democratização das eleições da diretoria, a remuneração da diretoria?
Trengrouse - Os três exemplos que você deu já são emblemáticos, mas mais que isso. Nós tivemos uma discussão sobre o clube-empresa, em Paris. Quando o Marcelo (Paz) soube que a profissionalização do futebol, com estrutura empresarial para investimento, poderia aumentar em dez vezes o número de empregos que o futebol gera na economia do Brasil, ele imediatamente disse: "Isso tem de ser feito, doa a quem doer". Quer dizer, ele não é uma pessoa que está preocupada com interesse pequeno somente do clube que ele representa. É uma pessoa que tem uma visão macro do que o Brasil precisa e do que o futebol pode representar para o Brasil. É uma pessoa sem dúvida diferenciada.
OP - Em relação a essa geração de empregos nos clubes, o senhor vê uma evolução ao longo dos anos?
Trengrouse - É completamente estagnada. O futebol para gerar emprego e renda tem de se profissionalizar. Tem de ter investimento, estrutura empresarial, tem de fazer negócio como negócio. Tem que correr riscos como um negócio.
OP - As equipes daqui têm apresentado crescimento de rendimentos. A que se deve esses crescimentos, mesmo em anos de economia retraída? Só a cota de TV na Série A abarca essa explicação?
Trengrouse - Com certeza tem relação com a profissionalização. As receitas não estão crescendo por acaso, não. Existem gestões competentes, levando a cabo esses crescimentos das receitas. Agora não adianta só crescer receita, se a gente controla os gastos é muito fácil gastar mais do que ganha. Tem aí um componente de gestão que tem de ser observado.
OP - Que outro exemplo de boa administração o senhor pode destacar?
Trengrouse - O Tubarão-SC virou empresa em 2016 e de lá pra cá aumentou em quatro vezes o número de emprego e renda gerados. É impressionante.
OP - Há espaços para expansão? Que alternativas podem ser desenvolvidas pelos clubes para aumentar em renda e em geração de empregos?
Trengrouse - Há muito espaço. O mundo inteiro vive uma globalização do investimento no futebol. Metade dos times da Inglaterra pertence aos estrangeiros, 40% do capital das cinco principais ligas da Europa pertence aos chineses e aos americanos. O Manchester City comprou agora um clube do Uruguai (Club Atlético Torque). O Brasil ainda não recebe investimento internacional. Quando o Brasil começar a receber investimento internacional, o futebol brasileiro tem tudo pra dar um grande salto. E há um potencial de crescimento muito grande, porque é o maior exportador de jogador do mundo, a matéria-prima brasileira é muito valorizada. E o investimento internacional que está circulando no mundo inteiro ainda não chegou aqui. Quando a gente começar a surfar nessa onda, se não for tarde demais, vai haver um grande salto na qualidade do futebol brasileiro.
OP - E o senhor estima que isso vai acontecer quando?
Trengrouse - Se o Congresso Nacional aprovar uma legislação que dê segurança jurídica para o investidor ao mesmo tempo em que crie um ambiente favorável à profissionalização dos clubes, eu não tenho dúvida de que isso possa acontecer muito rápido. Depende do Congresso Nacional melhorar o marco regulatório no Brasil, que hoje é muito confuso, não dá segurança pra ninguém. A legislação tem de permitir o investimento no clube como empresa.