Um mês se passou desde que os sete andares do Edifício Andréa ruíram e soterraram 16 pessoas, provocando a morte de nove delas. A Polícia Civil e a Perícia Forense do Ceará ouviram, nas últimas semanas, 36 envolvidos na tragédia, incluindo o engenheiro responsável pela reforma do prédio, mas ainda não sabem o que causou o desabamento — vão, inclusive, pedir à Justiça aumento do prazo para a conclusão do inquérito. Nesse meio tempo, de diferentes partes da Cidade, sobreviventes tentam, a duras penas, retomar o rumo da vida.
Gilson Gomes, 53, que estava num mercadinho próximo quando o edifício desabou, teve as pernas e alguns dedos do pé esmagados — dois precisaram ser amputados. Ele recebeu alta do Instituto Doutor José Frota (IJF) apenas na penúltima sexta-feira, 8. Agora, segundo sua irmã, Jocélia Moreira, ele se desloca de cadeira de rodas. E evita falar sobre a tragédia. "Acho difícil ele esquecer. (...) A gente fala que ele, agora, tem duas datas de aniversário", ela conta.
Fernando de Castro, eletricista que ainda hoje trabalha numa obra ao lado do terreno onde estava erguido o Andréa, também não consegue esquecer o momento do desabamento. Estava de serviço quando aconteceu. "Estar de segunda a sexta do lado não faz bem pra ninguém. Não tem um dia que a gente (da equipe) não fale sobre", garante. No desmoronamento, Fernando teve sua motocicleta esmagada, mas, com ajuda, já conseguiu comprar outra.
Clotário Souza Nogueira, 77, que morava com a esposa, a filha, o genro e a neta na cobertura do prédio, se abriga, atualmente, num imóvel que a família tinha para alugar no São João do Tauape. O aposentado tenta reaver parte dos bens que perdeu no desastre. "Consegui uns livros e outras coisas menores. Nada que sirva, nada de valor. Documento, também, não", lamenta. Sente falta, ainda, de eletrodomésticos e de uma quantia em dinheiro.
Uma das filhas de Clotário, a nutricionista Cibele Nogueira, 51, diz que apresentou às autoridades policiais um inventário dos bens que a família tinha em casa. E que, por isso, não entende por que só apareceram para resgate livros e "mulambos". "A gente tava na maior esperança de encontrar alguma coisa", principalmente, documentos perdidos, ela disse. À época, lembra, "teve muita solidariedade, vi muita gente boa, mas eu sabia que só ia restar porcaria. Se tivessem tido um pouco mais de cuidado e de respeito… É, respeito mesmo".
Kátia Nogueira, 40, a filha de Clotário que morava junto aos pais no Edifício Andréa, agradece a Deus por sua família ter escapado ilesa da tragédia — ela e o esposo estavam no trabalho, a filha, na escola, e, seus pais, no banco —, mas sente falta da convivência diária. "Por enquanto, estou na minha sogra", contou. Ela e a filha conseguiram recuperar as carteiras de identidade, mas perderam certidões de nascimento e títulos eleitorais. "Sinto falta de morar perto da minha mãe. E do meu cachorrinho (Lucky, que morreu após ser resgatado)".
A Polícia Civil informou que alguns dos bens recuperados entre os escombros podem ser restituídos na sede do 4º Distrito Policial, no Pio XII. Sobre o laudo pericial que analisa as causas e circunstâncias do desabamento, a Pefoce, em nota, afirmou que não foi possível, ainda, concluir. "É necessário um trabalho minucioso, com levantamento de dados e análises. Ainda não é possível estabelecer um prazo para a conclusão", escreveu.
Dias após a tragédia, curiosos ainda visitam o local onde, antes, havia o Edifício Andréa, no Dionísio Torres. Fernando de Castro, o eletricista que ainda trabalha lá perto, se incomoda com as perguntas que ouve. "Quero sair de perto pra ver se a lembrança não fica tão forte".
Bazar
Voluntários que auxiliaram as equipes de resgate na semana da tragédia do Edifício Andréa dão início hoje, 14, das 8h às 20h30min, na rua Joaquim Nabuco, 2425, a um bazar para ajudar as vítimas. O bazar continua amanhã, 16, no mesmo horário, e termina domingo, 17, ao meio-dia.
Vistoria
O desabamento do Edifício Andréa motivou a criação de uma força-tarefa para vistoriar prédios com risco de desabamento em Fortaleza. A operação é coordenada pelo Ministério Público do Ceará e envolve órgãos como a Defesa Civil do Município e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-CE). A Prefeitura também divulgou uma operação-piloto de inspeção no Centro e na Jacarecanga.
Entorno
A Defesa Civil afirmou que as sete edificações do entorno do Edifício Andréa foram desinterditadas e que nenhuma família sobrevivente acionou o Programa de Locação Social.
Relembre as vítimas da tragédia do Edifício Andréa
Frederick Santana dos Santos - Primeira vítima identificada. O corpo dele foi retirado dos escombros ainda na noite de terça-feira, 15 de novembro, por volta das 23h30min. Trabalhava como entregador de água.
Maria da Penha Bezerril Cavalcante - Segundo corpo encontrado pelos bombeiros. Seguiu sem identificação até a noite de quinta-feira, 17. Ela foi encontrada com a ajuda de cães farejadores.
Izaura Marques - Com 81 anos de idade, era professora aposentada e foi a terceira vítima identificada. Morava com o marido no apartamento 501. Era carioca.
Antônio Gildasio Holanda Silveira - Pai de Nayara Pinho. Seu corpo só foi identificado por meio da necropapiloscopia. Morava no apartamento 301 com a filha.
Nayara Pinho Silveira - Quinta vítima identificada. Filha de Gildasio. Havia perdido a mãe recentemente e residia com o pai há pouco tempo no prédio.
Rosane Marques de Menezes - Tinha 56 anos. Seu corpo, o sexto, foi encontrado na noite de quinta-feira, 17. Era filha de Vicente e Izaura.
Vicente de Paula de Menezes - A sétima vítima identificada tinha 86 anos de idade. Seu corpo foi retirado dos escombros na noite de sexta-feira, 18.
Eriverton Laurentino Araújo - Oitava vítima localizada. Seu corpo foi removido dos escombros na manhã de sábado, 19. Era o cuidador que acompanhava Vicente de Paula.
Maria das Graças Rodrigues - Nona vítima localizada pelo Corpo de Bombeiros. Removida dos escombros na tarde de sábado, 19. Era a síndica do prédio.