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Imagens de Nossa Senhora das Graças são descartadas como lixo no rio Cocó
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Imagens de Nossa Senhora das Graças são descartadas como lixo no rio Cocó

| Comportamento | Duas imagens de Nossa Senhora das Graças foram descartadas feito lixo nas águas do rio Cocó
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Duas imagens de Nossa Senhora das Graças foram jogas nas águas do rio Cocó, da ponte da Sebastião de Abreu, durante a maré cheia em outubro. As estátuas de gesso estão intactas apesar do "afogamento" e, depois, o resgate (Foto: Demitri Tulio) (Foto: Demitri Tulio)
Foto: Demitri Tulio Duas imagens de Nossa Senhora das Graças foram jogas nas águas do rio Cocó, da ponte da Sebastião de Abreu, durante a maré cheia em outubro. As estátuas de gesso estão intactas apesar do "afogamento" e, depois, o resgate (Foto: Demitri Tulio)

Só depois que a maré baixou, as duas imagens de Nossa Senhora das Graças conseguiram ser resgatadas da lama do Cocó. Rente à ponte da avenida Sebastião de Abreu, no bairro que leva o mesmo nome do rio em Fortaleza, dois homens não se intimidaram na hora de arremessar as estátuas da santa da Medalha Milagrosa nas águas do mangue.

"Nem se envergonharam com o vai e vem das pessoas no Parque, num sábado (de outubro). Eu tava aqui pra fazer meu trabalho e quando me aproximei da ponte, vi a santa passar por cima de mim voando e, depois, caindo no rio", conta Edmílson Soares da Silva, 68, marinheiro de máquinas, aposentado, mas ainda auxiliar de navegação no Cocó.

Era um senhor de uns 60 anos e outro bem jovem, 20 e poucos a idade. "Caiu na água e eu olhei para o cidadão que estava na ponte e jogou. 'Rapaz, você fazer um negócio desse?'. Ele respondeu sem remorso. 'É uma santinha, ela tá tomando banho'. Achou graça e foram embora", relembra Edmílson Soares.

Santa "rebolada feito entulho no rio", o velho marinheiro nunca havia testemunhado. Ali, no trecho da avenida Sebastião de Abreu, onde há um portinho

para barcos de passeio na maré cheia da Sabiaguaba até a ponte da Engenheiro Santana Júnior, que 15 ou 20 sacos grandes de "lixo" se acumulam para o descarte responsável.

Edmílson e o comandante Francisco de Assis Araújo, o tenente Araújo, catam na lama do mangue e nas margens do estuário "tudo que não presta e se possa imaginar". Bicicleta, geladeira, sofá, plástico de todo tipo, garrafas de refrigerante, de aguardente, de vinho, latas de cervejas, pacotes de propagandas, flores artificiais, garfos, pedaços de isopor, pratos e bacias de barro usadas para despachos...

"Nunca esperava uma santa, nem duas", arregala Edmílson Soares. As pessoas se sentem no direito de ir jogando "as coisas" no maior rio da Região Metropolitana. Da serra da Aratanha, no município da Pacatuba, passado por Maracanaú, Itaitinga até Fortaleza "rebolam tudo".

Há duas semanas, quase dois meses depois do afogamento e resgate das duas Nossa Senhora das Graças, o rio recebeu e avisou que o corpo de uma mulher tinha sido jogado no rio. Foi aparecer, sem cabeça e vestida num short jeans, nas águas próximo à Sebastião de Abreu. "Depois acharam a cabeça" no movimento da lua e das marés que entram e mexem com a Cidade.

Sobre a moça, a Polícia Civil do Ceará ainda não sabe dizer de quem se trata nem quem a martirizou antes de jogá-la no rio (também) violentado quase todo dia.

As santas, estátuas de mais ou menos um metro de tamanho, ainda têm azul no gesso gasto. Os olhos estão vivos e a serpente aos pés não se desmancharam na água que traz o Atlântico até desde que o mundo é mundo por aqui.

"Elas iam pra reciclagem até você aparecer e botá-las ai, debaixo da ponte, para fotografar. Ficou bonito. Vou deixá-las até o gesso se acabar e, depois, descarto corretamente", avisa o comandante Araújo.

Imagens de santos, me diz o padre Vitor do Instituto Eneagrama Shalom (Iesh), se estão intactas é uma questão de pedir a alguém que lhes dê uma pintura e, depois, doá-las a quem faça gosto. "Quando uma imagem se quebra, ela perde a referência da benção. Podendo, no entanto ser recuperada".

O Dia de Nossa Senhora das Graças é celebrado pelos católicos do mundo, anualmente, em 27 de novembro. A data coincide com a aparição da santa para a noviça francesa Catarina de Labouré, em 1830

Leonardo Borralho, geógrafo e Articulador das Unidades de Conservação da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema). 
Pauta Dragagem de trechos do Rio Cocó, em Fortaleza.
Leonardo Borralho, geógrafo e Articulador das Unidades de Conservação da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema). Pauta Dragagem de trechos do Rio Cocó, em Fortaleza.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL - Dragagem de trechos do mangue do Cocó começa este mês

Em apenas 8,5 km dos 48 km de extensão do rio Cocó, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) realiza a limpeza do manancial. Em média, 600 quilos de resíduos sólidos são retirados, por ano, de um trecho navegável entre a avenida Sebastião de Abreu e a foz do rio, na Sabiaguaba. Mas o número é subestimado. Leonardo Borralho, geógrafo e articulador das Unidades de Conservação Estaduais do Ceará, afirma que na próxima semana serão iniciadas vistorias de áreas para despoluição.

O POVO - Quantas toneladas de lixo são recolhidas, anualmente, do rio Cocó?

Leonardo Borralho - Em média, foram retirados 600 quilos em 2017 e, também, em 2018 através do projeto de limpeza e navegação de apenas um trecho do Parque. Este ano, foram 400 quilos (até outubro). A redução pode estar relacionada ao uso menos degradador por parte das populações humanas e com a diminuição do acúmulo histórico dos resíduos em virtude da retirada gradual desde 2014, quando surgiu o projeto.

O POVO - E a licitação para a dragagem?

Leonardo Borralho - Na próxima semana, iniciaremos a vistoria para começar a dragagem ou limpeza em três trechos do rio. O primeiro é da BR-116 até a avenida Paulino Rocha. Outro área está na confluência do canal do Tauape com o rio Cocó - próximo a Murilo Borges e Rui Barbosa. E o terceiro, vai da Murilo Borges à avenida Engenheiro Santana Junior, que será só limpo. Nem todos serão dragados, só os trechos mais críticos como do canal do Tauape.

O POVO - Por que campanhas de descarte consciente de resíduos não são efetivas no Parque?

Leonardo Borralho - Isso vem sendo feito pontualmente, mas será mais contundente com a elaboração de estudos e estratégias como o plano de manejo do Parque Estadual do Cocó, a Proposta de Estruturação da Governança do Pacto pelo Cocó e de uma Proposta de Agenda de Ações Estratégicas para o Pacto pelo Cocó. Nesse processo, além do Diagnóstico socioambiental da Bacia hidrográfica, deverá ser feita a articulação política para a convocação e o empoderamento dos principais atores potenciais e realização de trabalho de educação ambiental.

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