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Moradores de áreas de risco sofrem com proximidade da quadra chuvosa
Reportagem

Moradores de áreas de risco sofrem com proximidade da quadra chuvosa

Comunidades de áreas de risco vivem um cotidiano de tensão a cada quadra chuvosa. A água inunda ruas e casas, impedindo deslocamentos, espalhando doenças, acarretando prejuízos
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RUA TENENTE Jaime Andrade, na Aerolândia: chuva de 38 mm que caiu na semana passada já foi suficiente para acumular água (Foto: Sandro Valentim)
Foto: Sandro Valentim RUA TENENTE Jaime Andrade, na Aerolândia: chuva de 38 mm que caiu na semana passada já foi suficiente para acumular água

A chegada da quadra chuvosa ameaça a segurança de quem mora próximo ao Canal do Lagamar, na Aerolândia. Na rua Tenente Jaime Andrade, ano após ano, as casas são inundadas, levando os poucos pertences dos moradores, espalhando doenças, impedindo deslocamentos, colocando, sobretudo, crianças e idosos em risco.

"Descaso e abandono", resume Antônio Oliveira de Freitas, que convive há 56 anos com a situação. "Eu já saí de casa para trabalhar 3 horas da madrugada com água no pescoço. Tem que andar até a avenida (Raul Barbosa) para poder sair da água e conseguir se deslocar direito. Essa é a pior rua para se morar e ninguém nunca fala nada com a gente sobre mudança", descreve.

O POVO esteve em pontos conhecidos de alagamento em Fortaleza, horas após a chuva de 38 milímetros que banhou a Capital na última quinta-feira, 2. Na Aldeota, no Conjunto Palmeiras e na Aerolândia, as reclamações são diversas - as promessas não cumpridas pelo poder público, a poluição e o descarte incorreto de lixo pela população.

"Qualquer chuvinha, alaga tudo", dispara alguém que passava. "A Jaime Andrade é aqui mesmo, a diferença é que agora ela está seca", brincou outra moradora que não quis se identificar. Esposa de seu Antônio, Tânia Maria Marques, de 60 anos, já enfrentou seu pior pesadelo em frente à própria casa. Em uma chuva forte, ela escorregou e caiu em um buraco na rua. "Fiquei boiando e quase me afoguei, foi horrível", conta.

Em nota, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf), afirmou que os alagamentos constantes na rua e na região da Aerolândia acontecem por conta da geografia do local. "A via está situada numa área mais baixa, fazendo com que a água da chuva acumule por mais tempo na pista", diz o texto.

Diante disso, a tensão enfrentada no início de cada ano continua. "Se a gente não tiver comprado comida, fica com fome, porque não tem como sair de casa para comprar e nem pedir nada. É dormir com fome e não poder nem descer para o andar de baixo da minha casa. Uma vez fiquei três dias sem comer nada no andar de cima", desabafa Tânia Maria. A residência tem um andar superior que acaba funcionando como refúgio nos dias de chuva. Apesar de terem realizado o sonho da casa própria, os problemas são muitos: "É uma casa própria, mas em área de risco, né?".

No Conjunto Palmeiras, a comunidade que vive às margens do rio Cocó sofre com as inundações mesmo depois da inauguração de uma barragem em 2017, que custou R$ 105 milhões a fim de conter o excedente de água na quadra chuvosa. O reservatório sangrou no ano passado, destruindo boa parte das casas ao redor.

Sentado na beira da calçada, onde gosta de observar o movimento, Flávio Alves Rodrigues, 72, conta histórias de uma época em que já perdeu todos os móveis e até um carro para as enchentes, quando ainda não existia a barragem. E lamenta que a obra não tenha sido suficiente para conter as cheias que atingem a avenida Valparaíso ou da "avenida do Alagamento", como ele batizou.

A expectativa da Prefeitura é que o desassoreamento do rio Cocó, que está em curso, beneficie os moradores da Aerolândia, além do Conjunto Palmeiras e Jangurussu. Cerca de 1.500 famílias destas áreas, de acordo com a Coordenadoria Especial de Articulação das Regionais, foram afetadas com as chuvas e ficaram desabrigadas em 2019, recebendo auxílio emergencial financeiro.

Bruno Rebouças, diretor de operações da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), destaca o auxílio da barragem construída no Cocó, mas admite que ela não é suficiente, nos moldes atuais, para conter enchentes em dias de chuva intensa e concentrada. "A barragem não foi construída para zerar cheias. Ela apenas contém. Mas quando se junta grandes chuvas, com ocupações irregulares e também a maré alta, são conjunturas que não tem como prevenir", pondera.

"Este ano, não vai acontecer a mesma tragédia do ano passado", diz Renato Lima, coordenador das regionais de Fortaleza e do Comitê da Quadra Chuvosa. Ele garante que a barragem do Cocó estará sob constante monitoramento do poder público para que não transborde. "Estamos preparando um plano de contingência caso seja necessário colocá-lo uso. Vamos ter lonas, colchões, cestas-básicas e outros produtos para famílias que venham a ser afetadas", adianta.

Número

26,76%

do volume total do Açude Cocó já está ocupado, de acordo com dados atualizados ontem no boletim da Cogerh

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