Alerta no sistema penitenciário do Ceará. A comprovação do primeiro caso da Covid-19 em um preso sob a custódia do Estado aumenta o risco de contaminação em massa. Hoje, mais de 24 mil detentos estão recolhidos. Ontem, após O POVO noticiar a informação com exclusividade, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) divulgou nota confirmando que "um interno de 24 anos, da unidade prisional professor José Sobreira de Amorim (Itaitinga), foi internado, na última quinta-feira, 2, no Hospital São José com sintomas de gripe e recebeu o diagnóstico positivo para Covid-19".
O preso estava em uma cela superlotada com mais 17 internos. Por causa da convivência em local insalubre, todos realizaram o teste rápido para detecção do coronavírus. O resultado preliminar deu negativo. Por precaução e exigência sanitária em meio à pandemia da Covid-19, o secretário da SAP, Mauro Albuquerque, determinou o isolamento e a observação da ala onde foi detectado o primeiro caso da doença.
De acordo com a nota da Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará, os presos da unidade prisional professor José Sobreira de Amorim que "possuem algum tipo de fator de risco também passaram por tratamento diferenciado e estão recolhidos em local isolado e seguro".
Há algumas semanas, para tentar se antecipar e minimizar uma possível contaminação em massa no Sistema Carcerário, a Defensoria Pública do Ceará entrou com um Habeas Corpus Coletivo no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) para liberar ou transformar em prisão domiciliar a pena de 1.326 presos que são de um grupo de risco em relação à Covid-19. São presidiários e presidiárias com idade a partir de 60 anos ou que apresentam alguma doença crônica.
Leandro Bessa, defensor público do Núcleo de Execuções Penais (Nudep), revela que o pedido em caráter liminar foi negado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Agora, a Defensoria aguarda o julgamento do mérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a questão.
Por causa da negativa no TJCE, afirma Leandro Bessa, no último dia 3, foi feita uma petição nos autos pedindo a "tutela incidental de urgência". Os defensores solicitaram a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. O processo está concluso para manifestação do ministro Joel Ilan Paciornik, da 5ª Turma do STJ.
Enquanto o STJ não julga, o Nuped ajuizou 314 ações individuais em favor do grupo considerado mais vulnerável à contaminação do coronavírus. "Estamos analisando caso a caso. A maioria está no regime semiaberto e pode ser antecipada a ida para o aberto. Há também a possibilidade do monitoramento com a tornozeleira eletrônica. A SAP nos informou que existem, pelo menos, dois mil equipamentos disponíveis", afirma Leandro Bessa. De acordo com o defensor público, os presos assistidos pelo Nuped são condenados, por exemplo, por crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas.
Outras 100 ações foram ajuizadas pelo Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios (Nuapp). Segundo o defensor Nicolai Honcy, é "preciso haver sensibilidade por parte de juízes e promotores para aplicação da tornozeleira eletrônica. Estamos falando de um lugar insalubre, com pessoas de baixa imunidade e superlotado. Nesse momento, é uma questão humanitária e para evitar uma tragédia", observa.
O Sistema Penitenciário do Ceará, de acordo com dados do Plano de Ação da SAP contra a Covid-19, tem uma população carcerária de 23.950 presos. São dados referentes a dezembro do ano passado, portanto defasados. Além disso, 4.500 agentes penitenciários e 1.500 outros profissionais atuam para o funcionamento das unidades prisionais. Sem contar com o fluxo de familiares e advogados. As visitas no sistema estão proibidas desde o dia 17 do mês passado. (Colaborou Ítalo Cosme)
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Acompanhar as famílias dos presos e servidores
Por Lorene Gualda
Psicóloga e Psicanalista
O primeiro caso de Covid-19 já foi identificado em um interno, em Itaitinga. A preocupação, neste momento, é que, com um sistema superlotado como o do Ceará, muito possivelmente outros internos já foram contaminados, devido à rápida propagação do vírus da Covid-19. As medidas de isolamento já estão sendo tomadas, incluindo ainda os internos que se enquadram nos grupos de risco.
As famílias não estão em contato com os internos, também cumprindo medidas de isolamento, e há apreensão, tanto nos internos, nos agentes e demais funcionários do sistema penitenciário, do alto risco de contágio e da sobrecarga do sistema de saúde.
O fato é que já, antes da epidemia de Covid-19, já havia uma carência de profissionais para suporte psicossocial, tanto para os internos como para os familiares, aliada a uma carência estrutural do sistema, que opera muitas vezes aviltando os direitos humanos. Vale ressaltar que a prevalência de transtornos mentais entre os internos é alta e, em situações de epidemia, onde geralmente à população carcerária se vê mais exposta, sintomas como ansiedade, agressividade, stress, insônia, desorientação e até delírios e alucinações podem se agravar.
A possibilidade de desencarceramento se mostra uma medida viável tanto no sentido de controlar o disseminação do vírus entre os reclusos como também de minimizar o stress e ansiedade causados aos familiares pela impossibilidade de contato. Sabe-se que o contexto familiar, social e cultural afetam diretamente a saúde física e mental dos indivíduos. Acreditamos que, próximos de seu contexto social, tanto os internos como os familiares possam oferecer apoio mútuo de enfrentamento da epidemia, bem como auxiliar no cuidado de si.
Lorene Gualda é psicóloga e psicanalista. Pós-graduada em Semiótica Psicanalítica- clínica da cultura pela PUC-SP. gualda.lorene@gmail.com