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Theatro José de Alencar: Um palco de emoções
Reportagem

Theatro José de Alencar: Um palco de emoções

Referência no País, Theatro José de Alencar faz aniversário nesta quarta, 17. Trajetória do equipamento é construída por histórias e emoções vividas dentro e fora do palco
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Theatro José de Alencar (Foto: Julio Caesar/ O POVO)
Foto: Julio Caesar/ O POVO Theatro José de Alencar

O prédio vistoso da rua Liberato Barroso, um dos mais significativos símbolos da cultura cearense, preserva a grafia de outrora mas mantém os olhos fixos no presente. Há 110 anos, o Theatro José de Alencar encanta artistas e plateias e escreve a trajetória de atores, músicos, bailarinos, funcionários e apaixonados pela arte. Lugar de encontros, aprendizados e expressões artísticas diversas, a edificação de estilo neoclássico atravessa mais de um século e reafirma sua importância histórica - mas sobretudo afetiva, feita de emoções guardadas com carinho por muita gente.

A grande festa de inauguração do Theatro José de Alencar, aguardado com muita pompa pela população de Fortaleza, ocorreu em uma noite de sexta-feira, o dia 17 de junho de 1910. O Ceará vivia o auge da oligarquia aciolina e a abertura do teatro foi marcada por muitas apresentações culturais, além de show pirotécnico com morteiros, foguetes, rodas de fogo e girândolas, e a Banda Sinfônica do Batalhão de Segurança. O primeiro grande espetáculo, ainda restrito à parcela de maior poder aquisitivo da população cearense, foi apresentado no dia 23 de setembro do mesmo ano, pela Companhia Dramática Lucile Perez. Era a peça "O Dote", de Artur Azevedo.

Na sala de espetáculos, feita com estrutura de aço e ferro fundido trazida da Escócia de navio, três pavimentos além do térreo comportam a plateia, as frisas, camarotes, torrinhas, balcão e as elegantes escadarias. As pinturas do cearense Ramos Cotoco, do pernambucano Jacinto Matos, entre outros, completam a imersão visual que antecipa a visão do palco principal do Theatro, que já acolheu muitos espetáculos das mais diversas linguagens artísticas. "O TJA é hoje mais que um grande palco, se tornou um grande centro cultural. O Theatro se atualizou, se popularizou. A marca dele se tornou essa versatilidade. Se tornou um espaço múltiplo, de muitas frentes artísticas", comenta o teatrólogo Oswald Barroso, autor do livro "Theatro José de Alencar: o teatro e a cidade".

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Ao longo dos anos, o local firmou sua importância política e social e se concretizou como espaço aglutinador de pesquisa, formação, produção e difusão artística. Desde 1991, o TJA é sede do Curso Princípios Básicos de Teatro, considerado o mais importante formador de iniciação teatral do Ceará. "Tudo o que o teatro tem feito nos últimos anos é uma resistência heróica, principalmente no sentido da formação da classe artística, que o torna esse espaço de debate como prática constante entre as novas e antigas gerações de atores", pontua Oswald. Durante as suas quase três décadas de existência ininterrupta, já passaram pelo curso mais de 9 mil alunos e foram revelados talentos de renome nacional.

Ao longo de 110 anos de existência, muitas foram as fases que a casa de espetáculos viveu. Uma das mais marcantes foi a sua maior reforma, ocorrida entre 1989 e 1990, que fechou as portas do Theatro durante dois anos. Os detalhes de sua história também atravessam a trajetória de personagens icônicos como o Palhaço Trepinha e o porteiro Muriçoca, que se transformaram em figuras lendárias do TJA. José Cassiano Silva, o "Muriçoca", saiu do Crato nos anos 1930 e, em 1965, passou a atuar no Theatro como contra-regra. Dedicou quase quatro décadas de sua vida ao equipamento cultural, tendo passado por várias funções até assumir o cargo de porteiro no qual tornou-se referência por sua postura afetuosa e acolhedora.

Frisos, colunas, enfeites, floreios e esculturas, medalhões, anjos e estátuas de todos os tipos admiram a quem se deixa contemplar sem pressa a riqueza visual do teatro. O que a história de suas paredes contam, no entanto, está para para além do que se é possível ver. Cada pedaço do lugar se confunde com a trajetória de centenas de artistas (locais, nacionais e internacionais) e funcionários que cruzaram as suas portas para deixar no palco um pouco da história de si mesmos. Suas memórias repousam no tablado, nos camarins e à sombra das árvores do jardim projetado pelo paisagista Burle Marx que abraçam o teatro.

Um devaneio feito de dança

Dizem que os fantasmas gostam de teatros. Quando os holofotes se apagam e a plateia deixa o Theatro José de Alencar, uma moça "de outro mundo" descreve seus passos com a suavidade de um mistério não resolvido pelo tempo e nem pela curiosidade de quem frequenta e trabalha no equipamento.

Há décadas os funcionários e artistas que passam pelo Theatro José de Alencar contam suas histórias sobre uma bailarina jovem, bonita, "quase transparente", que dança no palco entre as madrugadas, passeia pelos corredores e tenta fazer contato com alguém que não tenha medo da sua aparência gélida. Com uma vida que quase se confunde com a idade das estruturas de ferro que compõem o teatro centenário, a "bailarina fantasma" surge sempre em meio à uma brisa gelada, e expressa seu maior anseio: "Eu preciso ensaiar!"

A história que circula entre os frequentadores do teatro já se transformou em lenda no equipamento cultural e em toda a Cidade e também inspirou um dos livros da escritora cearense Socorro Acioli. "A Bailarina Fantasma" (ed. Biruta), lançado em 2010, coleta narrativas do passado e tenta reconstruir a verdadeira história da bailarina. Filha de um escocês (que trabalhou na construção do teatro) com uma brasileira, ela provavelmente teria praticado balé naquele mesmo prédio durante toda sua vida.

Clara é o nome dado pela escritora para a protagonista da lenda. A bailarina, como conta o livro, era o destaque nos espetáculos do Theatro por sua beleza, graça e suavidade na dança. O seu amor era Gabriel, um aluno de piano dedicado. O teatro é parte essencial da vida de ambos, sendo o palco de um romance entre os dois, esconderijo das famílias e, ao mesmo tempo, o espaço onde ambos cresceram e treinaram seus talentos.

Movida pela mesma paixão pela dança, a primeira bailarina da Escola de Ballet Goretti Quintela, Lívia de Castro, interpreta a bailarina fantasma e suas piruetas pelos espaços no Theatro José de Alencar em vídeo produzido pelo O POVO+. Com as sapatilhas fincadas no chão, mas buscando dançar pelo invisível, a Lívia realiza uma imersão no palco no qual também já participou de diversos festivais com sua escola de dança. Uma imersão na memória e nas histórias que circulam uma das casas de espetáculos mais importantes do Estado. O roteiro é conduzido por trechos significativos da obra "A bailarina fantasma", de Socorro Acioli.

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