Logo O POVO+
Desafios de ser mulher e chefe de família em meio à pandemia
Reportagem

Desafios de ser mulher e chefe de família em meio à pandemia

De diversas comunidades de Fortaleza, elas relatam as dificuldades para cuidar dos filhos e manter a casa. Impactos psicológicos e sociais do novo coronavírus acentuaram desigualdades
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
CRISTIANE Câmara, 36, e seus três filhos adolescentes são beneficiados com R$ 180 mensais pelo Projeto Ser Ponte (Foto: BÁRBARA MOIRA)
Foto: BÁRBARA MOIRA CRISTIANE Câmara, 36, e seus três filhos adolescentes são beneficiados com R$ 180 mensais pelo Projeto Ser Ponte

Cristiane Câmara Silva tem 36 anos e vive com seus três filhos na comunidade do Lagamar, em Fortaleza. Mãe desde os 21, Cristiane é a única responsável financeira da casa há cinco anos. Nos últimos meses, ficou desempregada e "a situação complicou mais ainda sem poder sair e procurar emprego". Há oito quilômetros dali, a vida da catadora de recicláveis Marta Gomes, 49, também está mais difícil devido à Covid-19. Sem poder continuar seu trabalho, ela, o pai, o marido - também catador -, duas filhas e uma neta dividem a casa no bairro Serrinha enquanto buscam ajuda para si e para a comunidade.

"Eu trabalhava em uma padaria, mas um mês antes da pandemia precisei pedir as contas", relata Cristiane lembrando de situações de abuso de poder do ex-patrão. "Para completar, não pude pedir o auxílio emergencial porque meu chefe não deu baixa na carteira." A chefe de família tem visto em projetos sociais a saída para garantir a alimentação cotidiana. "As contas de casa ainda estão sem pagar, mas o importante agora é não deixar meus filhos com fome."

Marta faz parte da Associação de Catadoras Mulheres, Luta e Cena e coordena um grupo de cerca de 30 pessoas. "Sou a primeira a pôr comida em casa e minha trajetória é puxar um carrinho, buscar o material e vir para casa tomar conta da família", relata. "A pandemia veio e a gente desestruturou, porque não pode mais trabalhar. O material que a gente pega pode estar contaminado. Se for trabalhar, está arriscado a não voltar", lamenta. "Da nossa turma, já perdemos uma catadora e essa semana outra faleceu pela doença."

Ao mesmo tempo, estar em casa sobrecarrega o cotidiano. Uma pesquisa do Data Favela, da Central Única das Favelas (Cufa) e do Instituto Locomotiva com 621 mães em 260 favelas de todos os estados brasileiros mostra que 9 em cada 10 mudaram suas rotinas devido à pandemia. Todas afirmaram estar preocupadas com o impacto da doença e a maioria relatou que os gastos aumentaram.

Ainda segundo o estudo, realizado em março, 37% dessas mulheres são autônomas e só 15% têm carteira assinada. Por causa da pandemia, 84% já tiveram a renda diminuída e 72% afirmam que a alimentação da família está ou ficará prejudicada.

No Grande Bom Jardim, Ingrid Daiane Assis, 32, "fazia bicos e trabalhava em casa de família" e vive agora de ajudas solidárias e da família. Ela conta que seus quatro filhos, com idades entre oito e 14 anos, fazem parte de projetos sociais do Conselho Comunitário dos Moradores do Parque Santa Cecília (CCMPSC), "mas agora não podem ir". "Isso está fazendo falta porque tenho que manter as quatro refeições e nem todo dia a gente tem."

Os quatro meninos passam o dia em casa e utilizam a única televisão para fazer atividades online do colégio. "Quando você é chefe de família, você não tem um apoio e não é fácil. E não sou só eu. Tenho várias colegas que relatam essas mesmas dificuldades e muitas vezes a gente divide o pouco que tem." Entre elas está Daniele Sales, que aos 34 anos é viúva e precisa sustentar quatro filhos adolescentes. "Esses últimos meses têm sido muito difíceis pra mim. Sobrevivo só do Bolsa Família e com meus filhos em casa direto estamos gastando muito", relata.

 

O que você achou desse conteúdo?