O novo secretário de segurança Sandro Caron não vê sua gestão como uma continuidade do trabalho desenvolvido por André Costa, mas fez muitos elogios ao antecessor e à estrutura de segurança do Estado. Na manhã de ontem, na sede da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ele concedeu sua primeira entrevista e explicou um pouco das diretrizes que pretende implantar. Caron frisou ser preciso atacar a estrutura das organizações criminosas, prendendo chefes e atacando o patrimônio das organizações. Para ele, ser secretário de segurança é a “mais difícil missão que já recebi na minha vida”. Confira os principais momentos da entrevista:
O POVO: O que já está em prática da administração Sandro Caron?
Sandro Caron: Tivemos várias reuniões com chefes das vinculadas, justamente, para obter todas as informações necessárias para decidir adequadamente. Ontem, foi anunciada a troca de comando da Polícia Militar. Também já convidei o dr. (Marcus) Rattacaso para permanecer à frente da Polícia Civil e o coronel (Luís Eduardo) Holanda para permanecer à frente do Corpo de Bombeiros. Então, já realizei algumas reuniões com chefes de vinculadas já tratando de planejamento e já passando as diretrizes gostaria de aplicar à frente da segurança pública do Ceará.
OP: O que o sr. já pode nos dizer sobre essas diretrizes?
SC: Fiquei muito satisfeito em ver o trabalho de desenvolvimento de tecnologia que está à disposição da segurança pública no Ceará. Isso me deixou bastante impressionado e satisfeito. É uma forma de otimizar a atuação dos nosso policiais. Também uma coisa que nos favorece muito aqui, é o excelente trabalho feito pelo secretário Mauro Albuquerque à frente da Secretaria de Administração Penitenciária. Isso é fundamental: não tem como você um bom trabalho de segurança pública na rua sem que as coisas estejam devidamente organizadas dentro dos presídios. Então, esse é um dos principais pontos que vejo de positivo.
Em relação à Polícia Militar, a ideia é utilizar ao máximo a nossa estrutura, buscar melhores condições para esse policiamento ostensivo e preventivo. Segurança Pública é um sistema. Não adianta ter uma polícia atuando bem e a outra não tanto. E o que a gente busca é resultado, são as estatísticas. Os números não mentem. Todo o foco do nosso trabalho é esse. Em relação à Polícia Civil, já tivemos várias reuniões, já passei minha diretriz. Eles já vinham realizando esse trabalho em cima dos grupos criminosos. E a minha diretriz é que se busque atingir esses grupos criminosos em sua estrutura. Dentro de todo o sistema que já temos aqui é que nós vamos atingir o objetivo final, que é a melhora da situação da segurança pública no Ceará, trazer segurança ao povo cearense.
OP: O sr. vê a sua gestão como de continuidade com relação à de André Costa?
SC: Na verdade, cada gestão é uma gestão. Cada novo secretário que vem traz boas em razão da experiência que teve. Eu aproveito para parabenizar o trabalho do dr. André Costa. Fique muito satisfeito, principalmente, com a questão da tecnologia que foi desenvolvida. E agora venho eu, Sandro Caron, para procurar agregar coisas dentro das experiências que tive como gestor na Polícia Federal. Então, é justamente essa oxigenação que vai melhorando as instituições. Importante destacar aqui que o que se tem de bom no Ceará não é fruto de uma, duas administrações. É fruto de um trabalho que vem se desenvolvido há anos aqui. Eu já trabalhei, morei aqui, tenho um carinho todo especial pelo Ceará. Então, sempre acompanhei todo esse esforço que há aqui para tentar melhorar a segurança pública.
OP: O que muito foi destacado da sua trajetória foi sua atuação na coordenação nacional da inteligência da PF. A gente pode esperar foco nessa parte? O que o sr. propõe de novo para a área?
SC: Nós vamos ter foco na inteligência sim, mas não vai ser só inteligência. Vai ser inteligência aliada à operacionalidade. Eu tive à frente da Diretoria de Inteligência da PF durante dois anos, mas a minha maior atuação na PF foi na questão operacional, especificamente, na repressão ao narcotráfico. Inteligência é informação. Informação serve para tomar a decisão adequada nas questões que vão impactar à segurança. Inteligência vai servir também para direcionar o trabalho da PM. Informação vai servir para direcionar o trabalho de investigação da Polícia Civil. Mas só inteligência, sem operacionalidade, não resolve. Então, o que vai se procurar é, dentro da estrutura que há hoje, talvez de uma melhor estrutura que se consiga buscar, obter o maior resultado por parte de todos os órgãos vinculados à segurança pública. O mais importante da inteligência na atuação da secretaria é antecipar crises que possam surgir. Assim, podemos nos preparar para elas ou, até mesmo, evitá-las.
OP: Ocorrerão mudanças na Coin (Coordenadoria de Inteligência da SSPDS) e na Supesp (Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública)?
SC: Isso tudo está sendo avaliado ainda. Citei especificamente as três vinculadas porque são as que têm maior visibilidade na sociedade. Todo o resto vai ser avaliado, tomei posse na manhã de ontem. Então, o que minha atuação na área de inteligência me ensinou é que, para tomar a decisão certa, você tem que ter a informação certa. Então, a gente está avaliando, estudando, conhecendo os resultados produzidos até agora para que se tome outras decisões.
OP: Como, a partir da sua experiência na PF, o sr. analisa o crime organizado no Estado? Quais principais fatores o sr. destacaria, o que vai ser mais desafiador?
SC: Isso é muito importante destacar: a gente fala da atuação desses grupos criminosos no Ceará, mas é importante destacar é que eles não são do Ceará. Tudo o que acontece aqui é um fenômeno que acontece em nível de Brasil. A gente teve, ao longo da carreira, oportunidade de investigar esses grupos. E, hoje nosso papel, não só a secretaria, mas o Governo do Estado, é conseguir, dentro do Estado, reprimir ao máximo esses grupos. É muito importante tirar a droga de circulação: a principal fonte de custeio de recursos para esses grupos é o tráfico de drogas. Mas tão importante quanto (apreender drogas) é conseguir prender os chefes dessas organizações e também poder atingir o patrimônio desses grupos. O que eu trago da PF e que a gente vai aplicar aqui no Estado é que a única maneira de termos resultado concreto é conseguir afetar efetivamente a estrutura dos grupos.
OP: Em 2020, temos aumento de quase 100% no número de homicídios. Gostaria que sr. avaliasse esse movimento. O que o sr. pretende fazer para debelá-lo?
SC: Já procurei me inteirar sobre isso e a conclusão que se chegou foi que dois fatores são preponderantes para esse aumento: um deles foi o motim do início do ano, outro foi a questão do Covid-19, que acabou, infelizmente, atingindo vários profissionais da segurança pública e, com isso, tivemos redução no efetivo das ruas. Importante também destacar que, de maio para cá, esses números começaram a melhorar, a voltar a padrões próximos de 2019. A ideia é seguir nessa linha e melhorar mais ainda.
OP: Com o motim, há quem analise que houve desgaste com a PM. Como o sr. analisa essa questão e o que pretende fazer de diferente?
SC: Fizemos a troca do comando da PM, dentro de um processo que é natural na gestão, que eu procurei trazer da PF e já era empregado aqui, de que o comando é por um período. As trocas são fundamentais e salutares. A escolha do novo comandante (coronel Márcio Oliveira, ex-comandante do CPRaio) teve como critério, justamente, seu conhecimento e sua experiência operacional. Tendo também essa atuação de inteligência para guiar o trabalho.
OP: Há uma análise de que a PM sofreria um processo de partidarização, que poderia vir a estar afetando os resultados. O sr. concorda com essa tese? Como o sr. vê isso?
SC: Para mim, segurança pública não tem ideologia, não tem partido. É uma atuação de Estado. Você trabalha em prol da segurança de toda a sociedade cearense. O profissional tem que cumprir a lei. Bom policial é aquele que executa o seu papel, cumprindo a lei.
OP: Já se falou várias vezes no Ceará como uma espécie de interposto para o tráfico internacional de drogas, o que teria impacto nos índices de homicídio. Como o sr. vê essa questão? Vai ser prioridade?
SC: Os principais grupos criminosos com atuação no Brasil e até mesmo no exterior, a principal fonte de renda deles é o tráfico internacional de drogas. Aqueles lugares que têm posicionamento que favorece a logística vão ser, naturalmente, mais buscados pelo traficante. Já destacando aqui que a repreensão ao tráfico internacional é exercido pela PF, com quem nós temos excelente integração, daremos todo o apoio nessa questão. E, em relação aos órgãos do Estado, a nossa atuação se foca na repressão ao narcotráfico aqui. Nosso objetivo é apreender qualquer droga que circule no Estado. A diretriz que se passou para a Polícia Civil é que nessa área também se atinja as estruturas dos grupos.
OP: Sobre essa questão da integração em nível federal, com outros estados, o sr. está satisfeito com o que existe?
SC: Um dos motivos que me levaram a aceitar essa missão — a mais difícil que já recebi na vida — é, justamente, porque era no Ceará. Já tive experiências de trabalhar aqui na PF, de 2011 a 2013, e digo, com certeza, que a integração que existe no Ceará deveria ser modelo para o País inteiro. Sejam as polícia dos Estado com a PF, com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), com Poder Judiciário e Ministério Público. Segurança pública é sistema. A Secretaria já trabalhava integrada com eles e vai seguir trabalhando. Já tive contatos com os superintendentes das polícias Rodoviária Federal e Federal.
OP: O que o sr. pretende sugerir, já no âmbito do Ceará Pacífico, de questões de prevenção social?
SC: A melhor maneira de se fazer prevenção no âmbito da segurança é com políticas sociais, prevenção. Eu fico muito satisfeito de saber, já tive contato com esse programa Pacto pelo Ceará Pacífico, que há esse enfoque não só de segurança, mas também de políticas sociais. Nós temos dois fatores: um é a criminalidade em geral, que conseguimos fazer prevenção, principalmente, com políticas sociais. Outro fator é aquele dos grupos criminosos. Ali, realmente, você tem que partir para o lado da informação, da inteligência, da investigação e da repressão policial mais qualificada possível.
Os desafios de Caron
Aumento de assassinatos
Até o fim de agosto, o Estado registrou aumento de 88,3% no número de assassinatos na comparação com o mesmo período de 2019. Foram oito meses seguidos de aumento. Agosto último, porém, foi o mês menos violento do ano, com 260 registros.
Retomada do conflito entre facções
Após um ano de aparente trégua, as facções criminosas voltaram a se digladiar. Passaram a ser mais frequentes vídeos feitos pelos próprios criminosos com registros de ataques e invasões a territórios inimigos. Anunciadas com foguetórios, as “conquistas” passaram a repercutir em toda a cidade.
Motim
De 19 de fevereiro a 1º de março, parte da Polícia Militar parou em reivindicação por melhores condições de trabalho. Governo viu movimento como partidarização da categoria promovida por oposição. SSPDS reconheceu que aumento durante paralisação e posterior foi fruto do movimento. Ano é de eleições municipais em que principal candidato oposicionista é ligado à PM
Pandemia
Ainda que boa parte das medidas de isolamento social tenha sido desfeito, as restrições ainda exigem emprego de parte do policiamento. Após cerca de 8 mil agentes de segurança ficarem afastados por causa do vírus, Secretaria apontou que pandemia impactou no número de homicídios
Crimes Violentos contra o Patrimônio
Assim como homicídios, os roubos também foram impactados por motim e pandemia. Após explodirem durante a paralisação, índice que inclui roubo a pessoas passou a cair durante o isolamento social, mas voltou a crescer com reabertura da economia