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Famílias se afastam de suas raízes com obras da transposição do Rio São Francisco
Reportagem

Famílias se afastam de suas raízes com obras da transposição do Rio São Francisco

Pouco antes do início da pandemia da Covid-19, uma equipe de reportagem da Marco Zero Conteúdo visitou 18 Vilas Produtivas Rurais (VPR) para as quais famílias que moravam ou trabalhavam no caminho da obra foram transferidas
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Especial À Espera da Água da Marco Zero Conteúdo.Quando a transposição do Rio São Francisco começou, em 4 de junho 2007, a promessa era de que a água levada pelos 477 quilômetros de canais iria mudar a realidade de cerca de 12 milhões de pessoas no Semiárido Nordestino, região com os piores indicadores sociais do Brasil, castigada por constantes períodos de estiagem e a ausência histórica de políticas públicas. À medida que as máquinas avançavam, 848 famílias que moravam ou trabalhavam no caminho da obra tiveram suas vidas completamente modificadas. Em 2010, após muita negociação, os primeiros moradores começaram a ser transferidos para dezoito Vilas Produtivas Rurais (VPR). A equipe de reportagem visitou as 18 VPRs para contar a história das pessoas que forma removidas de suas terras para a construção da obra e que até setembro de 2020 continuam sem água. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)
Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo Especial À Espera da Água da Marco Zero Conteúdo.Quando a transposição do Rio São Francisco começou, em 4 de junho 2007, a promessa era de que a água levada pelos 477 quilômetros de canais iria mudar a realidade de cerca de 12 milhões de pessoas no Semiárido Nordestino, região com os piores indicadores sociais do Brasil, castigada por constantes períodos de estiagem e a ausência histórica de políticas públicas. À medida que as máquinas avançavam, 848 famílias que moravam ou trabalhavam no caminho da obra tiveram suas vidas completamente modificadas. Em 2010, após muita negociação, os primeiros moradores começaram a ser transferidos para dezoito Vilas Produtivas Rurais (VPR). A equipe de reportagem visitou as 18 VPRs para contar a história das pessoas que forma removidas de suas terras para a construção da obra e que até setembro de 2020 continuam sem água. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

 

Por Inês Campelo e Sérgio Miguel Buarque/ Marco Zero Conteúdo

Especial para O POVO

Quando a transposição do Rio São Francisco começou, em 4 de junho 2007, a promessa era de que a água levada pelos 477 quilômetros de canais iria mudar a realidade de cerca de 12 milhões de pessoas no Semiárido Nordestino, região com os piores indicadores sociais do Brasil, castigada por constantes períodos de estiagem e a ausência histórica de políticas públicas. À medida que as máquinas avançavam, 848 famílias que moravam ou trabalhavam no caminho da obra tiveram suas vidas completamente modificadas. Em 2010, após muita negociação, os primeiros moradores começaram a ser transferidos para 18 Vilas Produtivas Rurais (VPR).

Dez anos depois, pouco antes do início da pandemia da Covid-19, uma equipe de reportagem da Marco Zero Conteúdo visitou as dezoito VPRs. Foram 2.300 quilômetros percorridos para mostrar como as pessoas mais afetadas pela transposição estão vivendo. À espera da água, elas enfrentam dificuldades para plantar e, em muitos casos, para abastecer as próprias casas. Enquanto a obra não fica pronta, os mais velhos não conseguem se adaptar ao novo estilo de vida e os mais jovens perdem o vínculo com suas raízes.

Na Vila Produtiva Rural Junco, o termômetro do carro marcava 44 graus. O alaranjado do chão pedregoso, a poeira e o azul do céu sem nuvens pareciam intensificar o calor. Logo no início da conversa com José Antônio Ribeiro, o convite para entrar em sua casa veio acompanhado da frase que resume a insatisfação dele com o lugar onde vive: “Aqui não tem um pé de sombra”.

Zé Ribeiro, como gosta de ser chamado, não se acostumou com o que ele ainda chama de “casa nova”. Com 84 anos, ele é o morador mais velho da VPR Junco, a mais antiga do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Antes de se mudar para a vila, em maio de 2010, morava em um sítio no Baixio dos Grandes, no município de Cabrobó, no Sertão pernambucano. O sítio, onde passou cerca de 60 anos da sua vida, era uma das 1.889 propriedades rurais afetadas pela obra. No lugar da antiga casa agora existe um reservatório que abastece parte do município de Terra Nova (PE).

“Isso aqui é uma ilusão. Foi uma ruindade que fizeram comigo. Mudou muito a minha vida”. Esse sentimento de não pertencer ao novo lugar, em maior ou menor grau, está presente na maioria dos moradores das 18 VPRs espalhadas pelo Sertão de Pernambuco, Ceará e Paraíba. É como se a vida das 848 famílias que trocaram suas terras pela promessa de um futuro melhor em uma vila estivesse pausada.

Muito do sentimento de “não pertencimento” vem da lógica das VPRs. As vilas são uma espécie de condomínio fechado e, quase sempre, isolado. Cada família realocada recebeu uma casa de alvenaria com 99 m² de área construída em um lote de meio hectare (5.000 m²), além de rede de água, sistema sanitário, energia elétrica, posto de saúde, escola, espaço de lazer e áreas destinadas ao comércio e à construção de templos religiosos, tudo previsto no Programa de Reassentamento da s Populações (PBA08), documento do Governo Federal. Para ter uma ideia do tamanho das vilas, a maior delas, Vassouras (Brejo Santo/CE), tem 145 casas. A menor, Ipê ( Jati/CE), tem 10.

As famílias também receberam cinco hectares de terra para a agricultura, sendo dois e meio irrigado e dois e meio sequeiro (terreno não regado utilizado para plantar nos períodos de chuva ou para criação de animais), com pequenas variações em alguns casos específicos e acordados. Da parte irrigada, porém, apenas um hectare seria entregue pronto para o plantio, com toda estrutura montada, o que ainda não aconteceu. Os lotes produtivos, sorteados entre os novos proprietários, ficam em uma área afastada das casas e não contínua. Ou seja, os lotes irrigados estão separados dos sequeiros, o que dificulta uma expansão do sistema.

Material completo da Marco Zero Conteúdo:

À espera da água

 

Infografia Luciana Pimenta
Infografia Luciana Pimenta (Foto: Luciana Pimenta)

O PROJETO

- O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional é uma obra no superlativo. O tamanho, os recursos envolvidos, a quantidade de pessoas beneficiadas, os impactos sociais e ambientais, tudo tem dimensões grandiosas na maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil. Quando estiver pronta, a previsão é que beneficie 12 milhões de pessoas em 390 municípios nos estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

- Somando os dois eixos – Norte e Leste – são 477 quilômetros de canais. O Eixo Norte (260 quilômetros) começa no município de Cabrobó/PE e se estende até Cajazeiras/PB, cortando doze municípios. Já o Leste (217 quilômetros) tem a captação feita em Floresta/PE e termina em Monteiro/PB, passando por cinco municípios. O projeto prevê a captação de apenas 1,4% da vazão de 1.850 m³/s do São Francisco.

- A água transposta pelo Eixo Leste, que se encontra em pré-operação, já beneficia mais de um milhão de pessoas nos estados de Pernambuco e Paraíba, desde 2017. São 46 municípios dos dois estados, incluindo a Região Metropolitana de Campina Grande, segunda cidade mais populosa da Paraíba. Já no Eixo Norte, a água chegou em agosto ao Cinturão das Águas do Ceará (CAC), que abastecerá 4,5 milhões de pessoas na Região Metropolitana de Fortaleza.

- Iniciada em 4 de julho de 2007, a obra já vai com quase oito anos de atraso. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, cerca de 98% de execução física do Eixo Norte já foram entregues e o Eixo Leste já está em pré-operação. Com o orçamento inicial de R$ 4,5 bilhões, já foram gastos mais de R$ 12 bilhões.

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