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Empresas apostam em energia renovável para reduzir custo na crise
Reportagem

Empresas apostam em energia renovável para reduzir custo na crise

As dificuldades financeiras causadas pela pandemia do novo coronavírus estimulam empresas e consumidores do Ceará a reduzir gastos com energia elétrica
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Investimento em energia renovável cresce (Foto: Calus Campos)
Foto: Calus Campos Investimento em energia renovável cresce

A migração de novas cargas para o mercado livre de energia — setor no qual o cliente negocia diretamente com as geradoras — mais do que dobrou de março para setembro deste ano no Ceará. O consumo passou de 14,86 para 33,40 megawatts (MW), segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCE). Diante da crise financeira causada pela pandemia do novo coronavírus, mais empresas apostam em energias para reduzir custos com eletricidade.

Nesse contexto, ganham destaque negócios ligados às áreas de saneamento (25%), comércio (13%) e indústria alimentícia (4%). O levantamento de setembro, porém, não indica quantos são atualmente. Em fase de consolidação, os indicadores podem, portanto, sofrer alterações. Os números apurados de julho revelam que, no período, 406 negócios optaram pelo Ambiente de Contratação Livre (ACL) no Estado.

Além da economia média de 29% comparada à convencional, a vantagem desse modelo é a autonomia para o consumidor escolher de quem comprará energia, sem depender do segmento regulado, gerido pela distribuidora, no caso do Ceará, a Enel. Essa liberdade permite flexibilidade no contrato de acordo com as demandas individuais, incluindo o período e o consumo para diferentes períodos do ano. Por exemplo, uma fábrica que manufatura produtos sazonais pode negociar de acordo com a época de sua maior e menor produtividade.

Outro ponto é a competitividade empresarial a pressionar inovações e mais ofertas. Além disso, os preços são previamente definidos e isso gera a previsibilidade do gasto. Fatores que influenciaram, por exemplo, a rede de postos de combustíveis Ipiranga a apostar em energia fotovoltaica para economizar. Até 2021, a companhia terá cinco complexos de usinas solares, sendo uma no Ceará as outras em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, até abril de 2021.

Mas ela não está sozinha. Segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), 80% da energia consumida pelas indústria brasileiras saem do mercado livre. Apesar dos benefícios, o capital elevado ainda é uma barreira que dificulta a expansão de projetos no mercado livre de energia no País.

O coordenador do Núcleo de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Joaquim Rolim, pondera ser um investimento que se paga em um prazo adequado Além de possuir fontes de financiamento e modelos de negócios que podem propiciar, inclusive, a implantação sem o uso de recursos próprios, por meio de contratos de locação ou no arrendamento dos terrenos.

"Quanto mais rapidamente se investir, mais cedo serão obtidos os benefícios. Existem oportunidades para negócios todos os portes. Tanto pode ser investido para a venda da energia gerada, isso nos empreendimentos grandes, como, também, na geração própria para propiciar mais competitividade para as empresas", afirma.

Rolim explica que a melhor alternativa para o consumidor de pequeno porte é a energia solar fotovoltaica, considerando que mais de 95% da geração distribuída é feita com uso desta fonte. Já a eólica é mais adequada para grandes empreendimentos. Ocorre que há necessidade aplicações mais altas em equipamentos complexos e maiores gastos de operação e manutenção.

O economista e diretor da BFA Investimentos, Célio Fernando Bezerra Melo, reitera. "O retorno é imediato e o payback, que é em quanto tempo o investimento se pagou, é de até 36 meses. Um bom gestor corporativo não tem como protelar essa medida de redução de custo", observa.

Ele acrescenta que a ação precisa ser somada a outras de eficiência energética, reorganização dos processos, melhor uso da água e evitar desperdícios por meio de medidas de reciclagem.

Para o doutor em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Feldmann, os preços dos equipamentos impedem que mais negócios entrem no mercado livre.

"Vale a pena e é uma tendência muito forte que deve crescer nos próximos anos. No entanto, estamos fazendo uma besteira de resolver a competência para fabricar esses equipamentos fora do Brasil, enquanto poderíamos perfeitamente fazer aqui dentro. Faltam planejamento e incentivo do Governo. Hoje, importamos quase tudo", analisa.

Ele acredita que empresas instaladas no Brasil e Ceará, como a fabricante de pás eólicas Aeris, localizada na área industrial do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), podem tornar o setor mais competitivo e aliviar os custos nos próximos anos. Recentemente, o Governo do Ceará assinou protocolo de intenção com a chinesa Mingyang Smart Energy para a instalação de uma fábrica de turbinas eólicas offshore (no mar).

Feldman argumenta que, embora seja um mercado promissor, a tendência é que as grandes companhias absorvam as pequenas produtoras de energia. O que exigirá algum controle da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para manter a concorrência.

 

Potencial

Os potenciais para geração de energia no Ceará são de 643GW para solar, 94GW para eólica em terra (onshore) e 117 GW para eólica no mar (offshore). São cinco vezes a capacidade nas usinas no Brasil.

 

Atlas eólico

Em 2019, foi lançado o Novo Atlas Eólico e Solar do Ceará. As informações técnicas identificam áreas com potencial para investir, e estão disponíveis nas versões em inglês e em português, além de um aplicativo (adece.ce.gov.br).

 

O passo a passo para migrar para o mercado livre

1º - Analise os contratos vigentes com a distribuidora. A energia regulada ou contrato de fornecimento tem, usualmente, vigência de 12 meses e deve ser rescindido para a migração com seis meses de antecedência.

2º - Realize um estudo de viabilidade econômica, comparando as previsões de gastos com eletricidade no mercado livre e no cativo.

3º - Caso decida pela migração para o mercado livre, você deve enviar uma carta comunicando a denúncia dos contratos vigentes. Caso queira antecipar a rescisão contratual, deve pagar pelo encerramento antecipado do contrato.

4º - O próximo passo é a compra de energia no ACL, por meio de contratos de compra de energia em ambiente de contratação livre (CCEAL) e/ou de contratos de compra de energia incentivada (CCEI). O contrato pode ser comprado de comercializadores, geradores ou outros consumidores (por meio de cessão).

5º - O próximo passo é a adequação do sistema de medição para faturamento (SMF). Os consumidores livres e especiais precisam adequá-lo aos requisitos descritos no procedimento de rede.

6º - O último passo para a migração do consumidor é realizar a adesão à CCEE e fazer a modelagem dos contratos de energia comprados no ACL

Fonte: Cartilha Mercado Livre, da Abraceel

 

 

Responsabilidade socioambiental e economia

O empresário Regis Caminha investiu R$ 240 mil de recursos próprios para a instalação do sistema de energia solar no Hotel Chalé Nosso Sítio, em Pacoti, no Ceará. "Já estudava a possibilidade desde o segundo semestre do ano passado. As dificuldades causadas pela pandemia fizeram com que eu acelerasse esse processo", conta.

O processo de mudança começou em agosto e a redução do custo da energia hoje é de cerca de 80%. Regis acrescenta que, além da vantagem financeira, a medida vai ao encontro dos valores e responsabilidade socioambiental do negócio, que fica localizado em uma Área de Proteção Ambiental (APA), na Serra do Baturité

"Unimos três vertentes: impacto positivo ao meio ambiente, educação ambiental e redução de custo ", enumera, explicando que recebe grupos de estudantes no local e que o equipamento ajudará em aulas que abordem sustentabilidade e energia fotovoltaica.

"Além disso, eu tinha um pavilhão que estava sujeito às intempéries de sol e chuva. Nele, também estamos instalando os painéis solares e aproveitaremos o espaço para a venda de artesanatos e outros rendimentos indiretos".

Entenda

O que é mercado livre

Também chamado de Ambiente de Contratação Livre (ACL), o mercado livre é onde os consumidores podem escolher livremente seus fornecedores de energia. Nele, os consumidores e fornecedores negociam entre si as condições de contratação. A contratação é feita bilateralmente ou por meio de leilões de venda de energia promovidos por geradoras ou comercializadoras

Quem pode aderir

Existem dois tipos de consumidores livres: os consumidores livres e os consumidores especiais. Veja as diferenças:

Consumidores livres

Devem possuir, no mínimo, 2000 kW de demanda contratada para poder contratar energia proveniente de qualquer fonte de geração.


Consumidores especiais

Devem possuir demanda contratada igual ou maior que 500 kW e menor que 2000 kW. Esses consumidores podem contratar energia somente de usinas eólicas, solares, a biomassa, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) ou hidráulica de empreendimentos com potência inferior
ou igual a 50.000 kW, as chamadas fontes especiais.


Comunhão de carga para consumidores especiais

Consumidores com o mesmo CNPJ ou localizados em área contígua (sem separação por vias públicas) podem agregar suas cargas para atingir o nível de demanda de 500 kW exigido para se tornar consumidor especial. Por exemplo, uma rede de supermercados, com dez unidades consumidoras (todas com o mesmo CNPJ1), cada uma com 50 kW de demanda contratada, poderá se tornar um consumidor especial por comunhão de cargas, por atingir a demanda mínima requisitada de 500 kW.


De quem comprar energia

A energia pode ser disponibilizada aos consumidores do mercado livre por agentes comercializadores, importadores, autoprodutores , geradores e até mesmo por cessão de excedentes com outros consumidores livres e especiais, desde que cadastrados como agentes da CCEE. Os consumidores podem comprar energia por meio de contratos de compra de fonte incentivada e/ou convencional; entenda abaixo:


Fontes convencionais

São as usinas hidrelétricas de grande porte e usinas termelétricas


Fontes incentivadas

São usinas eólicas, solares, a biomassa, hidráulicas ou cogeração qualificada com potência injetada inferior ou igual a 30.000 kW. Os consumidores que adquirem energia de fontes incentivadas têm direito à redução, entre 50% e 100%, nas tarifas de uso do sistema
de distribuição e transmissão (Tusd e Tust) – que é o custo do transporte da energia. O percentual do desconto depende da data de homologação da outorga ou do registro da usina na Aneel e do tipo de fonte de geração.


Comercializadores

Diferentemente dos agentes de geração, alguns comercializadores não possuem usinas para gerar energia elétrica. Eles adquirem a energia de diferentes fornecedores, criando um portfólio diversificado de produtos a serem ofertados aos consumidores e outros agentes compradores.
Mesmo que não possuam ativos de geração, os comercializadores estão sujeitos à forte regulação e, para obterem autorização da Aneel, devem possuir capital social integralizado de, no mínimo, R$ 1 milhão e comprovar aptidão para o desempenho da atividade. O
papel do comercializador é gerir riscos de volume e preço para os seus clientes


Quais os requisitos para a migração

Medição específica

Trata-se de investimentos necessários para adequar os medidores do consumidor ao padrão especificado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Também deve ser instalado sistema de telemetria para permitir a aquisição remota dos dados de medição pela Câmara.

Previsão do consumo e riscos

No mercado livre, o consumidor deve ter capacidade de prever seu consumo de energia. Uma previsão inadequada pode fazer com que o consumidor fique sobre ou subcontratado, deixando-o exposto aos preços de curto prazo. Eventuais sobras de contrato podem ser vendidas
no mercado, por meio de cessão de montantes.


Aporte de garantias

O consumidor livre deve realizar aporte obrigatório de garantias financeiras na CCEE. Exigências nesse sentido também podem ser feitas pelo vendedor da energia.

Fontes: Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) e Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)

 

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