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O futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos após eleição de Biden
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O futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos após eleição de Biden

|E Agora?|Segundo especialistas, governos podem discordar, principalmente, sobre políticas ambientais e do agronegócio
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KAMALA HARRIS:
Foto: Drew Angerer / AFP KAMALA HARRIS:"Nós conseguimos, Joe. Você será o próximo presidente"

Com a chegada do democrata Joe Biden na Casa Branca, após vitória das eleições presidenciais de 2020, a grande questão é como será o futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos. A dúvida paira, principalmente, com o conhecido apoio declarado e personalista do presidente Jair Bolsonaro declarado a Donald Trump e as políticas que o então ex-presidente americano praticava.

Para Monalisa Soares Lopes, professora de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e integrante do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), o campo da política ambiental será o mais conflitante. Segundo ela, a eleição de Biden deve por fim ao alinhamento de "negacionismo ambiental" estabelecidos entre os governos.

O desmatamento na Amazônia foi o ponto que levou o Brasil a ser citado no debate entre os candidatos à Presidência na noite do dia 29 de setembro. Biden disse que "começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia". A declaração gerou uma resposta imediata de Bolsonaro, que classificou o comentário como "lamentável, desastroso e gratuito", fazendo uma série de postagens críticas a Biden no Twitter.

"Esse de fato é o grande tema, inclusive o da condução dessa política ambiental que já gerou problemas com a comunidade europeia, inclusive de acordos que já estavam encaminhados. Vamos ver agora a reedição disso em relação aos EUA" avalia a cientista. Para Monalisa, a chegada de Biden à Casa Branca deve reposicionar os EUA de volta ao Acordo de Paris, tratado internacional que rege medidas de redução de emissão de gases estufa a partir de 2020. A medida, segundo ela, também será cobrado do Brasil em prol da prevalência da diplomacia e parceria entre os países.

"Joe Biden dificilmente tolerará o comportamento do governo brasileiro frente às queimadas na Amazônia e no Pantanal", concorda o professor e pesquisador do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Marcos Paulo. Ele ressalta que ambos os países devem entrar em acordo no campo da política agrária.

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Segundo o cientista político Ricardo Musse, além de prejudicar o governo brasileiro no quesito de sustentação política, a mudança do presidente americano enfraquece, simbolicamente, a imagem de Bolsonaro. A política explícita de Bolsonaro é de escolher aliados que se inseriram no mesmo campo de extrema direita, não é por acaso que Bolsonaro foi eleito tendo suas principais referências o primeiro ministro de Israel e o presidente dos EUA. As pessoas desfilavam na rua com as bandeiras e fotos desses dois presidentes" diz.

Outro impacto, segundo Musse, será a relação com a Embaixada dos Estados Unidos, considerada atualmente bastante estreita. "O vínculo da equipe do Bolsonaro com a embaixada americana é muito explícito. Havia uma tentativa de identificação muito grande e mais que isso, de subordinação", afirma.

 

Governadores reconhecem vitória

Governadores em diversos Estados do Brasil repercutiram a vitória do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos. Em publicação nas redes sociais, os gestores estaduais falam da importância do diálogo com o Brasil e a defesa pela democracia. Até o fechamento desta página, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), não deu nenhuma declaração.

No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) usou o Twitter para divulgar seu posicionamento. Ele declarou que a vitória de Biden, ou a derrota de Trump, nas eleições dos EUA, "tem grande significado para o mundo". "Uma vitória contra a intolerância, o desrespeito, o racismo e o autoritarismo. A democracia resiste. E estaremos sempre alertas para defendê-la e fortalecê-la aqui no nosso país", disse.

O chefe do Executivo estadual de São Paulo, João Dória (PSDB), disse nas redes sociais que mandou carta para o presidente recém-eleito. No documento, ele afirma que "como governador do estado de São Paulo, maior parceiro comercial dos Estados Unidos no Brasil, gostaria de fortalecer os laços". "São Paulo apoia políticas economicamente orientadas pelo mercado aliadas à proteção ambiental", diz Dória, na carta.

Na publicação, Dória se considerou feliz com a vitória do candidato, considerando-o "um defensor da democracia e das relações multilaterais". "Bom para os EUA, bom para o Brasil", afirmou. No Maranhão, o governador Flávio Dino (PCdoB) disse estar "feliz com a derrota de Trump". "Com ele, caem os que fazem apologia à violência, os que negam as mudanças climáticas, os irresponsáveis no combate ao coronavírus, os defensores do racismo. Ou seja, Bolsonaro está ainda mais isolado nas suas absurdas posições", defendeu.

"Começa pelos Estados Unidos o reconhecimento de que a aventura em que o mundo entrou há alguns anos atrás, elegendo candidatos de extrema direita, precisa ser revista em função dos resultados nulos ou negativos apresentados", afirmou o paraibano. Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, disse que a derrota de Trump é derrota do "politicamente incorreto". "Um sinal de que a maioria dos americanos estão preocupados com o fortalecimento das instituições democráticas, meio ambiente, direitos humanos e cultura de paz. Um bom sinal para a política mundial"

President Donald Trump returns to the White House from playing golf in Washington, DC on November 7, 2020, after Joe Biden was declared the winner of the 2020 presidential election. - Joyous celebrations erupted in Washington on Saturday after Joe Biden was declared winner of the US presidency, as several people poured into the streets of the US capital -- some of them chanting, cheering and singing in front of the White House. (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP)
President Donald Trump returns to the White House from playing golf in Washington, DC on November 7, 2020, after Joe Biden was declared the winner of the 2020 presidential election. - Joyous celebrations erupted in Washington on Saturday after Joe Biden was declared winner of the US presidency, as several people poured into the streets of the US capital -- some of them chanting, cheering and singing in front of the White House. (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP)

Trump sinaliza que não aceitará a derrota

A atípica eleição nos EUA também terá um período de transição não usual. O ainda presidente Donald Trump sinaliza que não aceitará a derrota para o democrata Joe Biden, cravada por veículos de imprensa e instituições especializadas na apuração. Enquanto as emissoras de TV anunciavam a vitória de Biden, na tarde do último sábado, 7 de novembro, Trump jogava golfe e tentava passar a ideia de que nada estava acontecendo.

Marcada pela civilidade, a transição nos EUA deve esperar algo diferente em 2020, com possíveis batalhas judiciais e questionamentos ao processo eleitoral. Trump, presidente com estilo mais agressivo da história recente americana, promete não dar por encerrada a disputa. Sinalizando que avançará com ações nos estados onde Biden venceu; mesmo sem provas que embasem alegações de uma suposta fraude. A campanha do republicano já entrou com ações em estados como Wisconsin, Geórgia, Michigan, Nevada e Pensilvânia; mas sem vitórias substanciais até aqui.

Mesmo questionado por figuras importantes do Partido Republicano, o atual presidente em exercício dobra a aposta na polarização e mostra-se indisposto a reconhecer que perdeu, colocando em xeque a democracia americana. "Biden está correndo para passar-se por falso vencedor. A corrida está longe do fim", escreveu ontem em seu perfil no Twitter.

Antagônicos em quase tudo, Biden e Trump protagonizaram duelos ferrenhos ao longo dos últimos meses. O democrata pregou mais parcimônia em seus discursos e atrelou sua imagem a de um símbolo de união em um país que mesmo agora, parece continuar sendo estrategicamente dividido pelo governo do republicano.

Ao que parece, Trump seguirá fiel ao seu estilo e seguirá tentando minar a imagem de Biden pelos próximos meses perante sua base eleitoral. Mais do que contestar a derrota, a ideia é contestar o vencedor. A Biden resta colocar o discurso de união na prática. Ele não poderá ignorar parcela significativa que votou em Trump (mais de 70 milhões de pessoas). (Vitor Magalhães)

Mudanças na economia

NOVA REALIDADE

Uma eventual vitória de Biden pode ser positiva, principalmente para o setor de produtos eólicos, já que o candidato democrata tem reforçado em sua campanha a promessa de alavancar os investimentos nesta área. Economista Alcântara Macedo

Diante deste novo cenário, no qual Biden já deu indicativos de que vai pressionar o governo brasileiro em relação à questão ambiental, é possível que cresça a pressão dentro do Brasil para que o Governo Bolsonaro, sobretudo, a ala mais ideológica, reveja em certa medida o tom adotado nesta área. Impactos possíveis no agronegócio. Gestor de riscos Yuri Utida.

O mercado financeiro também está atento aos efeitos que as propostas econômicas de Biden, se efetivadas, podem ter no processo de recuperação da economia norte-americana.

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