Logo O POVO+
Quase metade dos fortalezenses vive a até 300 metros da malha cicloviária
Reportagem

Quase metade dos fortalezenses vive a até 300 metros da malha cicloviária

| MOBILIDADE ATIVA| Enquanto entre os mais ricos o acesso é de 57%, entre os mais pobres é de 32%. Assimetria está relacionada com a concentração de equipamentos e oportunidades
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
FORTALEZA, CE, BRASIL, 30.11.2020: Ciclo Faixa da Beira Mar. Duplicada, ela é utilizada para correr e andar de bicicleta, fora outros, como, patins, skate. (foto: Thais Mesquita/O POVO) (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FORTALEZA, CE, BRASIL, 30.11.2020: Ciclo Faixa da Beira Mar. Duplicada, ela é utilizada para correr e andar de bicicleta, fora outros, como, patins, skate. (foto: Thais Mesquita/O POVO)

Nos oito anos entre 2012 e 2020, a malha cicloviária de Fortaleza quintuplicou. Hoje, quase metade da população alencarina vive próximo de uma via com infraestrutura para bicicletas. O percentual é positivo e o maior entre as capitais brasileiras. Entretanto, se olhado em detalhe, o índice também expressa a assimetria de distribuição de equipamentos e oportunidades entre áreas mais ricas e mais pobres.

Segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), 49% dos habitantes de Fortaleza moram a menos de 300 metros de alguma ciclovia, ciclofaixa, ciclorrota ou passeio compartilhado. Até o fim de 2019, eram 876.786 fortalezenses (36% da população) morando nas proximidades dessas vias. Em seguida, aparecem Belém (29%), Brasília (27%), Recife (24%), Aracaju e Vitória (21% cada). O resultado depende de dois fatores: a localização da infraestrutura cicloviária e a distribuição da população no território.

"Faz cerca de três anos que começamos essa avaliação. Na época as prefeituras de certa forma disputavam quem tinha mais quilômetros de ciclovias. A extensão é importante, mas ele esconde muita coisa", afirma Bernardo Serra, gerente de políticas públicas do ITDP, apontando infraestruturas instaladas em orlas ou parques como maneiras de mascarar a real mobilidade proporcionada. "Esses locais são importantes para lazer e educação para o modal, entretanto no dia a dia, muitas vezes, não são os mais úteis para o deslocamento de quem usa (a bicicleta) como meio de transporte e de trabalho."

Outra questão levantada é quem tem acesso. Conforme os dados levantados pelo ITDP em 2019, são majoritariamente as áreas de maior renda. Em 2019, enquanto apenas 32% dos domicílios fortalezenses com ganhos até meio salário mínimo estavam próximos de uma via para bicicletas, essa porcentagem era de 57% entre aqueles que ganham acima de três salários. Quando o recorte é de gênero e de raça o acesso também é menor: apenas 34% das mulheres e das mulheres chefes de domicílio com ganho de até dois salários vivem perto da malha cicloviária de Fortaleza.

Para Serra, a centralidade das políticas públicas para ciclistas devem estar focadas na integração da malha cicloviária à cidade e em como ela pode ajudar nos deslocamentos diários. "Olhando o perfil dos ciclistas diários, quem mais usa são pessoas com renda de até dois salários. Os diferentes acessos revelam algo que está presente em todas as cidades, a desigualdade na distribuição de infraestrutura", expõe. "Ao mesmo tempo, as oportunidades e serviços estão concentrados nos centros e áreas de alta renda. Ali tem os maiores fluxos e, portanto, os maiores riscos aos ciclistas. Ter uma boa boa permeabilidade da malha nesses locais acaba sendo positivo para todo mundo."

A técnica de referência Marcélia Ferreira utiliza a bicicleta como meio de transporte para lazer na região da Praia de Iracema e para trabalho no trajeto entre os bairros Henrique Jorge e Monte Castelo. Os percursos são feitos há quatro anos e ela avalia que o alcance da malha cicloviária melhorou, "mas ainda existem pontos a serem melhorados". "Alguns lugares apresentam pouca iluminação, diversos buracos, objetos como postes, placas e árvores bem no meio da passagem", relata.

"Há trechos que não possuem ciclomalha e que seriam essenciais devido à periculosidade da via, a exemplo da avenida Mister Hull, que não possui nem ciclofaixa no sentido Fortaleza-Caucaia", avalia Marcélia. "Nos bairros periféricos, apenas em grandes vias ou com adaptações de calçadas para bicicletas, que são extremamente irregulares, sem iluminação ou sinalização", aponta.

 

Até 2030

Em dezembro de 2014, foi sancionado o Plano Diretor Cicloviário Integrado de Fortaleza (PDCI). O documento regula e ordena as ações cicloviárias da Cidade, indicando políticas de atuação e gerenciamento de obras na área, pelo período de 15 anos. Pelo projeto original, a previsão é atingir 524 km de ciclovias em 2030.

Felipe Alves é engenheiro civil, atua com mobilidade sustentável desde 2012.
Felipe Alves é engenheiro civil, atua com mobilidade sustentável desde 2012.

Ponto de vista

É inegável que pedalar em Fortaleza melhorou bastante de 2013 para cá. Vários fatores progrediram para quem se desloca de bicicleta, como a criação de sistemas de bicicletas compartilhadas, bicicletários em terminais de ônibus, diminuição de velocidades máximas em algumas vias e, o mais notável, o crescimento da malha cicloviária. Enquanto esta extensão já é a quarta maior dentre as cidades brasileiras, somente este indicador não representa qual cidade está melhor ou pior. Temos cidades de variados tamanhos em área, com populações diferentes e com características de vias e tráfego muito diversas. Portanto, se questiona muito como avaliar essas malhas cicloviárias.

Uma ferramenta interessante para avaliação, criada pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) é o Índice de Desenvolvimento Cicloviário. O Ideciclo é composto de diversos indicadores relacionados à segurança, conforto, manutenção e projeto das infraestruturas. Considera diversos fatores técnicos no seu cálculo e, no final, chega a um índice entre 0 e 1 para a cidade como um todo, o que permite comparação entre as diversas cidades. Infelizmente, não é uma avaliação simples de ser aplicada e Fortaleza ainda não tem o índice calculado.

Outro indicador muito útil para avaliar a cobertura da malha cicloviária é o PNB, criado pelo ITDP, que representa a porcentagem da população que mora a até 300 m de alguma infraestrutura cicloviária. Em Fortaleza, este valor chega próximo de 50%, sendo o maior do Brasil pelos últimos levantamentos. Entretanto, quem pedala em Fortaleza sabe que, por mais que a malha cicloviária tenha se expandido e esteja bem espalhada pela Cidade, ainda faltam conexões importantes. Além disso, algumas ciclovias e ciclofaixas estão bastante degradadas, chegando a ser intransitáveis em alguns casos. Além do crescimento da malha cicloviária, precisamos olhar para outros fatores a fim de que essas infraestruturas atendam bem a toda a população.

Bicicletas compartilhadas

No próximo dia 15, o sistema de bicicletas compartilhadas da Prefeitura de Fortaleza, o Bicicletar, completa seis anos de implantação. Atualmente são 184 estações e mais de 880 mil pessoas vivem a uma distância de até 500 metros de uma delas. Conforme a SCSP, a Capital deve chegar a 200 estações do Bicicletar até o fim do ano. O projeto tem parceria com a Unimed Fortaleza.

Infraestrutura cicloviária: entenda as diferenças (Já no info)

Ciclovia | Pista própria totalmente separada do tráfego motorizado e das calçadas, sendo a alternativa com maior nível de segurança e conforto para os ciclistas. Pode ser tanto uni como bidirecional, sendo esse último mais comum na Cidade. Exemplos: avenidas Washington Soares, Bezerra de Menezes e Alberto Craveiro

Ciclofaixa | Faixa de rolamento para a bicicleta, indicada por pintura e por colocação de dispositivos delimitadores, com o objetivo de separá-la do fluxo de veículos automotores. Podem ser uni ou bidirecionais. Exemplos: avenidas Domingos Olímpio e Engenheiro Santana Júnior

Ciclorrota | Rota recomendada para ciclistas. É compartilhada com os veículos automotores e implantada em vias de baixa velocidade. O ciclista deve andar no meio da pista, a fim de ter maior visibilidade e segurança. Exemplos: ruas General Bernardo Figueiredo, Miguel Gonçalves, Padre Miguelino e Coronel Fabriciano

Passeio compartilhado | Área utilizada por ciclistas nas calçadas. Deve ser sinalizada de forma clara, indicando ao ciclista que a prioridade é do pedestre e a este, alertando sobre a presença de ciclistas. Exemplos: passarelas da Aerolândia

O que você achou desse conteúdo?