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Novos pedintes chegam às ruas de Fortaleza durante a pandemia da Covid-19
Reportagem

Novos pedintes chegam às ruas de Fortaleza durante a pandemia da Covid-19

Pandemia impõe desafio ainda maior aos gestores públicos para lidar com o agravamento da pobreza extrema
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Pedido de ajuda no Bairro de Fátima (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Pedido de ajuda no Bairro de Fátima

As consequências da pandemia da Covid-19 agravaram ainda mais o empobrecimento da população brasileira. No Centro de Fortaleza, a Praça José de Alencar é um dormitório a céu aberto, a cada dia com mais gente. Também chama atenção a quantidade de famílias pedindo ajuda e emprego nos sinais e esquinas da capital cearense. O POVO conversou com três chefes de famílias que, pela primeira vez, foram às ruas nos últimos meses para garantir a sobrevivência.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Engenheiro Santana Junior, Papicu. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
Foto: FABIO LIMA
FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Engenheiro Santana Junior, Papicu. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

O mais recente frequentador entre eles é o Alex Morais, 32 anos. Casado e pai de uma criança de três anos, o homem tomou a decisão neste mês de março. Em 31 dias, já foram quatro idas a um dos semáforos do bairro Meireles. Na primeira viagem ganhou três cestas básicas e conseguiu juntar dinheiro para pagar parte do aluguel do kitnet onde vive próximo dali.

“Acabamos de conseguir um pouco para almoçar. Minha esposa e meu filho foram comprar o almoço. Eu nunca tinha vindo para um sinal na minha vida. Infelizmente, as coisas estão muito caras. Se eu for ao supermercado com R$ 50 não consigo trazer mais nada. Um frango já leva quase todo o dinheiro. E o restante da comida e do mês?”, lamenta.

“O que mais me dói é acordar de manhã e não ter um real para comer. A criança às vezes pede um biscoito, mas não tem. Para um pai de família, é muito difícil”. Frente às incertezas, ele diz que prefere comer logo cedo a alimentação do almoço para aguentar por mais tempo sem se alimentar.

No bairro Cocó, Juliana Bernardo, 33, e os três filhos, de seis, oito e 12 anos, se aventuram em um dos sinais. A mãe do trio perdeu o emprego como copeira em um restaurante ainda no segundo semestre de 2019. No entanto, com o início do período pandêmico, os trabalhos temporários ficaram escassos e ela decidiu pedir ajuda no bairro nobre.

A família viaja mais de uma hora até chegar no ponto escolhido. Saem do conjunto habitacional Alameda das Palmeiras, no bairro Ancuri, até o destino próximo do Parque Estadual do Cocó. “Procurei por outros locais, mas decidi ficar aqui. Infelizmente, a gente pede. Uns olham, falam que sou nova. Outros dão, mas julgam. Já era difícil antes da pandemia, mas depois que começou ficou pior”, relata.

Segundo ela, a maioria das doações são de alimentos. Às vezes, consegue dinheiro e, geralmente, leva até R$ 30 para casa. “Tem dia que a gente não leva nada. Eu, geralmente, volto só com a passagem”, diz sentada embaixo de uma árvore com a filha menor enquanto o mais velho exibe uma placa com pedido de ajuda para condutores estacionados no semáforo.

“Todo santo dia eu peço a deus para me dar um novo emprego”, confessa. Juliana conta ainda que vive no local mais barato que encontrou. O aluguel é cobrado por R$ 250. Para tentar arrecadar o montante passa até seis horas pedindo dinheiro e ajuda na rua.

No bairro Edson Queiroz, Francisca Monteiro Gonçalves, 41, está há um ano na avenida Washington Soares. Mãe de cinco filhos, a mulher sai a pé da Lagoa Redonda e demora até 1h30min até o local onde fica. A diarista detalha que, na maioria das vezes, sai sem dinheiro de lá. Mas ainda sim recebe alimentos e junta o dinheiro para pagar o aluguel.

"Com o dinheiro que eu ganho aqui, eu pago meu aluguel e pago o meu gás, que aumentou muito, né? Mas só o dinheiro daqui não dá”, pontua Francisca. Além dessas ajudas, a pedinte também recebe R$400 pelo programa federal Bolsa Família. Ela não conta com o benefício emergencial este ano por conta da pandemia.

“Eu não vou receber. Ano passado, quando eu ganhei, eu consegui ajeitar minha cara. Quando chovia, alagava tudo. Eu juntei dinheiro, já com o auxílio, e consegui arrumar. Mas esse ano, eu sei que não vem”, queixa-se.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Alex de Morais, 31. lavador de estofados. Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Rui Barbosa com Av. Dom Luis.  (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Alex de Morais, 31. lavador de estofados. Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Rui Barbosa com Av. Dom Luis. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

Alex e família começaram a pedir ajuda neste mês de março

A placa de papelão e cartolina de Alex Morais transmite o grito de socorro do homem desempregado. O pedido de ajuda acompanha a mensagem sobre o que sabe fazer: lavagem a seco e higienização de superfícies. Ele foi quatro vezes ao sinal no Meireles só em março passado e ganhou cerca de quatro cestas básicas. Por dia, costuma tirar de R$ 60 a R$ 100. Funcionários de estabelecimentos próximos também levam ajuda à família.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Engenheiro Santana Junior, Papicu. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Engenheiro Santana Junior, Papicu. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

Juliana e os três filhos passam o dia no sinal

A jornada incontável de Juliana é o que mais cansa, segundo ela. Depois de passar dez horas fora de casa, a mulher afirma que tem de concluir os afazeres domésticos, preparar o jantar das crianças e tentar ensinar as atividades escolares dos filhos, que também a acompanham no bairro Cocó. Os dois filhos mais velhos ficam por mais tempo no sinal pedindo por ajuda. O trio de Juliana, apesar da idade e estatura, passam por baixo da catraca dos ônibus e não pagam passagem para economizar.

 

FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Francisca Gonçalves, 41. Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Whashington Soares.  (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA,CE, BRASIL, 30.03.2021: Francisca Gonçalves, 41. Aumento do numero de pedintes nos sinais por conta da pandemia. Av. Whashington Soares. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

Francisca compartilha semáforo com outras famílias

O semblante de Francisca Gonçalves não reflete a idade que tem. Aos 41 anos, o dinheiro que arrecada é para manter os três filhos mais novos. Enquanto os mais velhos lutam por si e tentam sobreviver. O de 30 anos, por exemplo, trabalha na coleta de materiais recicláveis. Francisca, todos os dias, divide a petição com outras duas famílias em um dos sinais da avenida Washington Soares, em Fortaleza.

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