Criado para coibir ataques e ameaças contra ativistas de causas sociais, o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo do Estado tem registrado crescimento recorde em número de inscritos no Ceará. Apenas até julho de 2021, pelo menos 27 pessoas foram inscritas na ação, número 68% maior que os 16 registrados durante todo o ano passado.
Com este índice, 2021 já representa, apenas com os primeiros sete meses, o terceiro ano com o maior número de ocorrências desde a criação do programa pelo governo Cid Gomes (PDT), em 2012. Entre elas, estão casos recentes como o dos padres Lino Allegri e Oliveira Braga, hostilizados em uma paróquia de Fortaleza após críticas ao presidente Jair Bolsonaro.
A informação tem base em dados da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), que coordena o programa no Estado em parceria com a União. Na comparação da série desde 2012, o que se percebe é um aumento de casos a partir de 2019, início do governo Bolsonaro.
Apenas nos últimos dois anos e meio, foram inscritos no programa 81 defensores de Direitos Humanos vítimas de violência. Nos cincos anos anteriores, entre 2014 e 2018, foram apenas 58 inscritos. Segundo agentes públicos que acompanham o programa, a ocorrência de casos tem aumentado de forma "surpreendente" e "preocupante".
"Esse aumento chama a atenção e a gente vê com muita preocupação, porque são pessoas que são atacadas em função da atuação, da intolerância, de não aceitar o que é diferente, de não aceitar ser questionado", diz a promotora Joseana França, chefe do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV) do Ministério Público do Ceará (MP-CE).
Segundo ela, como vários outros processos que podem pedir a inscrição no programa já estão "engatilhados" no órgão - incluindo a vereadora de Fortaleza Larissa Gaspar (PT), alvo de ameaças de morte nas redes -, a lista tende a crescer. A promotora explica que, diferentemente dos outros três programas de proteção mantidos no Ceará, o PPDDH se destaca em complexidade pois não "retira" as vítimas do convívio social.
"A gente tenta não tirar aquela pessoa da área de atuação, enquanto nos outros a gente tira, coloca ela em outro lugar, por vezes ela até perde contato com o mundo externo", diz. Ela destaca que a inclusão no grupo exige um trabalho "caso a caso". "É preciso acompanhar, analisar cada risco. Não se pode menosprezar uma situação de ameaça", diz.
Em via de regra, o PPDDH trabalha na busca por medidas protetivas para as vítimas de ameaça, incluindo possível escolta policial, além de prestar atendimento jurídico e psicossocial. Segundo a SPS, a maioria dos casos envolve conflitos em áreas como comunidades indígenas, quilombolas e de reservas extrativistas.
Militante da causa ambiental na comunidade quilombola do Cumbe, em Aracati, o historiador João do Cumbe é um dos inscritos mais antigos do PPDDH. Inserido no sistema desde antes do surgimento oficial do programa, em 2009, ele acabou incluído na iniciativa por conta de denúncias de conflitos envolvendo carcinicultura e parques eólicos na região.
Segundo ele, as mudanças são feitas sem qualquer participação popular, prejudicando manguezais e o modo de vida da comunidade. Na década passada, o conflito chegou a um estopim após moradores fecharem, por 19 dias, o acesso a um parque eólico próximo. "Foi um período muito tenso, chegaram até a tentar simular um sequestro", conta.
Apesar de reconhecer que o programa pode por vezes aumentar a sensação de segurança dos ativistas, João destaca que a proteção "efetivamente não existe". "Não adianta nada ter um programa desses, quando muitos desses problemas começam pela omissão do Estado. É o próprio governo que dá autorização para essa carcinicultura, para o parque eólico".
Ele destaca ainda que o tema é visto com preconceito no País, com muitas pessoas tendo concepções erradas dos Direitos Humanos. "É muito comum ouvir que é invenção para 'proteger bandido', coisas que precisam ser trabalhadas".