A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigará o financiamento de associações ligadas a policiais militares no Ceará terá primeira reunião na próxima terça-feira, 31. Como uma das etapas da investigação, integrantes do grupo defendem convocar, além de presidentes das entidades, "líderes e vítimas" do motim de fevereiro de 2020 no Estado.
"Vamos chegar ao momento de convidar pessoas que lideraram o motim, lideranças e pessoas que dele participaram, mas também quem foi vítima. Nós tivemos conhecimento de pessoas que tiveram seus comércios fechados, sofreram pressão, e queremos ouvir essas pessoas também", disse ao O POVO o deputado Elmano Freitas (PT), relator da CPI.
"Quem for convidado e não comparecer, se for fundamental para investigação, será convocado", destaca. Na próxima terça-feira, os deputados irão se reunir para elaborar a agenda de trabalhos da CPI, que deve avaliar tanto quais serão as primeiras oitivas do grupo, quanto que tipo de documentos serão requisitados às associações ou à Justiça.
Em entrevista ao O POVO, o presidente da CPI, Salmito Filho (PDT), também afirmou que a convocação dos líderes deve ser um dos caminhos do grupo. Ele destaca, no entanto, que todas as decisões serão feitas com "muita serenidade", ouvindo "todos os deputados". "Até para evitar questionamentos futuros na Justiça, vamos agir com muita cautela", diz.
Salmito reforça, no entanto: "Motim é crime. E, além de crime, é crime grave, porque coloca a população como vítima. Você coloca a população sob ameaça de quem tem o dever de proteger a vida da população, isso é inverter completamente a lógica", diz. "O objetivo é esse, esclarecer se realmente houve ou não participação de forma irregular, ilegal, criminosa, dessas associações com o motim, que fez da população cearense vítima", diz.
Nos bastidores, a expectativa é que sejam convocados líderes da categoria que teriam tido participação do motim. Um dos nomes lembrados é o do ex-deputado federal Cabo Sabino (Avante), que chegou a disputar vaga de vereador no ano passado, mas obteve apenas 2,5 mil votos e não foi eleito. Em fevereiro de 2020, ele participou inclusive de reuniões no 18º Batalhão de PM, ocupado à época por integrantes do movimento.
"Sem dúvidas eles (líderes do motim) podem ser convocados. Acho que é até natural que eles venham prestar depoimento, muitas vezes até para esclarecer os fatos. E aí é óbvio que, aparecendo alguma contradição, a CPI vai questioná-los", diz Marcos Sobreira (PDT).
"No primeiro momento, eu defendo a tese de que a gente tem que fazer o menor atrito possível, fazer os pedidos de forma amigável", reforça o pedetista, membro efetivo do grupo. "Agora, isso depende da cooperação. O trabalho da CPI não pode ser prejudicado e, se tivermos que tomar atitudes mais duras, não tenho dúvidas que a CPI irá tomar".
Único integrante da oposição na comissão, o deputado Soldado Noelio (Pros) classificou o grupo como uma "cortina de fumaça" do governo Camilo Santana (PT) para evitar o assunto da atuação de facções criminosas no Estado. "A estratégia é simples: temos que parar de falar de facções, porque elas dominaram o Ceará e isso desgasta o governo, então vamos falar de paralisação. Para os policiais, a greve acabou em fevereiro do ano passado".
A abertura da CPI tem como base uma reportagem do O POVO publicada no dia 9 de agosto. O material revelou uma ordem da Justiça para quebra de sigilos fiscal e bancário de pessoas físicas e jurídicas em apuração sobre o motim de 2020. Protocolada ainda em fevereiro do ano passado pelo deputado Romeu Aldigueri (PDT), o pedido contou com assinaturas de 31 parlamentares.
Ao todo, foram coletados por determinação da Justiça, emitida ainda em 2020, dados financeiros de até cinco anos anteriores ao motim, que durou entre 18 de fevereiro e 1º de março do ano passado. Segundo O POVO apurou, as quebras de sigilo envolvem pelo menos quatro pessoas jurídicas e três pessoas físicas - incluindo militares e civis.
Segundo integrantes da CPI, o acesso a essas quebras de sigilo deve ser um dos primeiros pedidos formais da comissão. "Queremos entender a utilização de recursos para uma ação absolutamente ilegal e indevida, como a ocorrida por aquela ocasião", diz Elmano Freitas.