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Primavera em Fortaleza: Cidade vive o segundo período mais florido do ano
Reportagem

Primavera em Fortaleza: Cidade vive o segundo período mais florido do ano

| CEARÁ | Depois da quadra chuvosa, de fevereiro a maio, o mês de setembro (até dezembro) é o período mais florido em Fortaleza, que também coincide com a primavera do hemisfério sul
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Estação da primavera em Fortaleza. O periquito-do-encontro-amarelo (Brotogeris chiriri) se alimenta da própria flor do ipê-amarelo (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Estação da primavera em Fortaleza. O periquito-do-encontro-amarelo (Brotogeris chiriri) se alimenta da própria flor do ipê-amarelo

No tronco robusto de três de pés de pau-d'arcos-roxos (Handroantgus impetiginosus), placas feitas de latinhas de refrigerantes e numeradas - 60, 61 e 62 - identificam as espécies como matrizes sementeiras capazes de ajudar no reflorestamento de áreas desmatadas em Fortaleza e noutros municípios cearenses. As árvores existem há pelo menos 30 anos no bosque Adahil Barreto, um dos enclaves do Parque Estadual do Cocó (PEC), e são os personagens dessa narrativa para contar sobre a primavera na capital. Um fenômeno que se repete com nuances diferentes todos os anos. É contemplativo, mas também revela a intrínseca relação de universos de vida, que muitos sequer percebem.

Neste 2021, acompanhamos parte da dinâmica de vida desses seres gigantes que trocam, naturalmente, gentilezas ambientais com a cidade. Na copa florida de rosa, isso mesmo - o nome é pau-d'arco-roxo ou ipê roxo nativo, mas as flores são róseas -, pelo menos 21 espécies diferentes de aves disputavam cada buquê rebentado antes mesmo do dia 21 de setembro - marco do "primeiro verão" antes estação chuvosa.

Já nos últimos dias de agosto, em 30 e 31, a floração dava sinais do papocado de flores que vestiria as três árvores vizinhas e pelo menos mais um pau-d'arco-roxo e três ipês amarelos no Adahil Barreto. Os três pau-d'arcos, de tão perto um do outro, têm copas e raízes emaranhadas e comunicantes.

O vai e vem de voos era intenso na copa unificada. Os beija-flores marcavam o território e se revezavam feito "donos" de cada galho florado nos três dosséis emendados. Expulsavam uns aos outros e, também, pássaros de outras famílias. Bico no cálice de néctar da flor, asas em velocidade no mil e uma vocalização de quem não queria outro beijando por ali.

O dossel conjunto dos três pau-d'arcos está a aproximadamente 30 metros do solo. Rés do chão já tomado por flores e sementes que vão caindo com o vento, por causa do ciclo final delas ou resultado do chafurdo necessário das aves.

Além dos pássaros, o trio de árvores favorece também os viventes do chão de terra e pouca grama naquele pedaço do Parque. Os pau-d'arcos vivem no lado esquerdo de quem entra no Adahil Barreto. As formigas, outros insetos e os fungos completam o ciclo de vida das "florezinhas".

Das quatro espécies diferentes de beija-flores que avistei e fotografei, o "tesoura" (Eupetomena macroura) - maior de todos e belo na explosão de cores - é o que mais fazia guerrilha pelas copas de néctar. Em maior quantidade também, brigava com outros semelhantes e botava para "correr" os menores.

Os beija-flores-vermelhos (Chrysolampis mosquitus) eram os que menos aceitavam a territorialidade dos tesouras. Perto do tronco alto de um coqueiro desativado, hoje servindo de ninho de pica-paus (há pelo menos três aberturas), os cachos de flores são mais dos "vermelhos". Mas os beija-flores-de-veste-preta (Anthracothorax nigricollis) e de barrigas-brancas (Amazilia leucogaster) também disputavam flor a flor.

Das aves atraídas pela floração, os beija-flores são mais ativos e em maior quantidade nos dosséis dos pau-d'arcos, mas o interesse pelo que rebentou no alto dos handroanthus impetiginosus tinha muita concorrência.

Naquele ecossistema "invisível" para muita gente que usou o Parque, entre seis e 10 horas da manhã dos dias 18, 19, 21, 22 e 23 de setembro, se alimentaram também saíras-de-chapéu-preto (Nemosia pileata), balança-rabo-de-chapéu-preto (Polioptila plúmbea), ferreirinho-relógio (Todirostrum cinereum), sibite (Coereba flaveola), sanhaçu-cinzento, sanhaço-de-coqueiro, periquito-do-encontro-amarelo, picapauzinho-anão, piolinho, vem-vem, Bem-te-vi e pitiguari (Cyclarhis gujanensis).

A copa dos três pau-d'arcos, além dos buquês róseos, também estava tomada por vagens. A visitação dos pássaros, de insetos, de poucos soins e a quentura ensolarada da primavera abrem as caixinhas de sementes "aladas" e o vento as carregava pela cidade. Está entre os benefícios ambientais da estação que se estende até 21 de dezembro.

Os pau-d'arcos-roxos e quase oito dezenas de árvores do Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza, estão listadas no "Levantamento de matrizes em área de preservação ambiental". Um trabalho de conclusão de curso do estudante de agronomia Iury Alberto Mota, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

Luís Gustavo Chaves, agrônomo, professor da Unilab e orientador de Iury Alberto, explica que o estudo do aluno faz parte de uma pesquisa encabeçada pela Unilab. É pretensão mapear em unidades de conservação "potenciais matrizes para fornecimento de sementes a instituições que trabalham com produção de mudas de espécies nativas". Uma contribuição para o esforço de reflorestamento e arborização nas cidades.

Iury Alberto e outros estudantes foram a campo e marcaram, diagnosticaram e anotaram sobre a vida de aproximadamente 80 espécies de sementeiras entre o Adahil Barreto e as trilhas da Sebastião de Abreu. "Geramos um mapa. O trabalho está sendo corrigido e assim que estiver pronto será publicado numa base de dados para o Estado, via Sema ou Unilab. É uma tentativa de valorizar as árvores que existem nos parques", afirma.

Gustavo Chaves conta que as informações também serão importantes para avaliar a distribuição das espécies e aumentar o acerto da conservação genética. "Assim, podemos multiplicar o número de indivíduos, por espécies, para formar um lote de sementes que representem a diversidade" de árvores.

 

Meteorologista Meiry Sakamoto
Meteorologista Meiry Sakamoto

Entrevista: Primavera com temperatura mais alta

Setembro traz a primavera para Fortaleza e a temperatura máxima tem ficado acima dos 31º Celsius. Segundo Meiry Sakamoto, gerente de Meteorologia da Funceme, em alguns dias chegou a passar dois graus acima do normal climatológico do mês.

O POVO - Fortaleza experimenta as quatro estações do ano?

Meiry Sakamoto - A proximidade da linha do Equador faz com que em Fortaleza, assim como no estado do Ceará, as quatro estações do ano não sejam percebidas como ocorre em outras regiões do Brasil. De um modo geral, temos dois períodos bem definidos: o das chuvas, no primeiro semestre, e o dos ventos e do sol no segundo. No Nordeste, costumamos chamar de inverno a estação das chuvas. Isso leva a uma certa confusão, pois, o nosso inverno das chuvas não coincide com o inverno do frio que faz parte das quatro estações do ano, e que termina no hemisfério Sul, em 21 de setembro.

O POVO - Então, vivenciamos a primavera?

Meiry Sakamoto - Sim, já é possível ver a florada de ipês amarelos na capital cearense. As flores se tornam mais presentes nesta época, também se verifica um ligeiro aumento na temperatura máxima, aquela registrada no início da tarde. Em setembro, a temperatura máxima em Fortaleza tem ficado acima dos 31º Celsius. E, e em alguns dias, chegou a passar dos 33º Celsius, dois acima da normal climatológica que é de 31º Celsius no mês de setembro.

O POVO - A Funceme exclui a divisão clássica das estações?

Meiry Sakamoto - Não exclui. Observamos que, no Ceará, a chuva é o acontecimento meteorológico principal que marca de forma mais evidente as variações das condições no Estado, diferentemente do percebido em outras regiões. Assim, não é apenas a quadra chuvosa, ao longo do ano, essas variações acabam definindo, a pré-estação chuvosa, nos meses de dezembro a janeiro, a estação das chuvas, entre fevereiro a maio, a pós-estação, nos meses de junho e julho, a época dos ventos fortes, entre agosto e setembro, os meses B-R-O- BRO, entre setembro a novembro, marcando maior incidência de radiação solar e aumento de calor.

 

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