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Um sol para cada um: o peso calor recente na vida dos cearenses
Reportagem

Um sol para cada um: o peso calor recente na vida dos cearenses

No Ceará, praticamente todos os dias em todos os municípios registraram temperaturas máximas acima dos 30°, o que afeta a vida mesmo de quem nasceu e se criou por aqui
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IPTU 2023 está disponível para consulta (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE IPTU 2023 está disponível para consulta

Seja ao sentir a pele queimar ao passar minutos exposto diretamente ao sol ou ao pingar de suor logo depois de um banho gelado, o cearense tem o calor como escudeiro fiel nestes últimos meses de 2021. De setembro a este dezembro, período chamado de "B-R-O-Bró" — os meses mais quentes do ano no Estado —, mesmo quem já está acostumado com um ano inteiro de temperaturas altas passou a reclamar do desconforto térmico registrado no Ceará. Adaptações à rotina para lidar com o calor e suas consequências precisaram ser adotadas.

Segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos do Estado (Funceme), a grande maioria todas cidades do Ceará têm registrado temperaturas máximas acima de 30°C praticamente em todos os dias em dezembro. O período é caracterizado por estas altas temperaturas. E, mesmo assim, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Fortaleza teve altas maiores do que o esperado em todos os dias de outubro e novembro.

As festas de fim de ano sempre significam mais trabalho e investimento para a empresária Gabriela Barbosa, 25, que toca uma confeitaria caseira com a mãe no bairro Lago Jacarey, em Fortaleza. Neste período em 2021, as duas já esperam aumento na conta de energia. É que a necessidade de manter os produtos em perfeito estado mesmo no calor fez com que o ar-condicionado se tornasse item indispensável.

“A gente só usava o ar-condicionado nas horas de manusear chocolate ou alguns outros insumos para decoração de bolo. Nesse período, a gente tá usando praticamente 24 horas por dia. O calor está insuportável”, relata Gabriela. O uso do aparelho dentro do quarto da casa reservado para as atividades da confeitaria não foi a única mudança. “Dentro do nosso quartinho a gente tinha o forno, mas não conseguiu mais manter lá, precisou colocar pra fora”, diz. E mesmo assim, ainda houve perda de produtos por derretimento.

Morando no local onde trabalha, ela relata ainda a necessidade de equipar cada cômodo com um ventilador. “Ultimamente tem hora que dá vontade de chorar de calor”. A conta de energia de dezembro já é uma preocupação. “Esse ano a nossa expectativa é que o aumento seja perto de 100%. Mais ou menos R$ 800 de conta, coisa que nunca aconteceu nessa casa”.

Quem também teve de comprar mais um ventilador para o quarto foi Paula Alencar, 26. A advogada divide um quarto com a mãe acamada e percebeu que apenas um aparelho não estava dando conta de manter o ambiente confortável. “Também tive que comprar um umidificador de ar, mesmo que já tivesse vários ventiladores. Como ela é acamada, é muito fácil de fazer assadura, especialmente no calor”, conta.

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Os cuidados com a pele sensível de dona Silvia, mãe de Paula, tiveram de ser redobrados. Roupas e lençóis mais finos, poucos travesseiros em cima da maca, hidratação constante dos lábios e ventilador sempre ligado são alguns dos cuidados que as filhas mantêm para afastar o desconforto da mãe. “O que a gente puder amenizar, a gente faz, pra dar esse conforto térmico”.

Além de idosos, outro grupo que também sente as consequências do calor de forma específica são as crianças. Quando Aline Lima, 32, veio do Rio de Janeiro (RJ) passar as festas de fim de ano com a família cearense, seu filho Lucas, de cinco meses, sentiu a diferença na temperatura. “Lá no Rio estava uma temperatura muito amena, fez pouquíssimo calor esse ano. Quando a gente chegou em Jaguaribe teve uma semana que estava 39°C”.

Os cuidados com o bebê foram redobrados para que os efeitos do calor não fossem prejudiciais à saúde. Ventilador e umidificador de ar no quarto, leite materno à vontade, muitos banhos ao longo do dia e o mínimo de roupas possível são as principais medidas implementadas por Aline na rotina de Lucas. “E mesmo assim teve brotoejas, ficou com a pele irritada por causa do calor e do suor”, relata.

Aline, que é médica, lembra que os mais jovens e os mais velhos precisam de atenção maior durante períodos de altas temperaturas. “As crianças têm risco de desidratação porque a ingestão de água depende do cuidador, tem que tá sempre oferecendo. Mesma coisa pro idoso. Quando o dia está muito quente, o cuidador precisa intensificar a oferta”, alerta.

Como cuidar da saúde em tempos de calor extremo

FORTALEZA,CE, BRASIL,10.11.2021: Criança bebe agua sentado na cacunda de seu pai, Centro. Onda de calor em Fortaleza.  (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
FORTALEZA,CE, BRASIL,10.11.2021: Criança bebe agua sentado na cacunda de seu pai, Centro. Onda de calor em Fortaleza. (Fotos: Fabio Lima/O POVO). (Foto: FABIO LIMA)

Apesar da familiaridade com o calor, os cearenses precisam tomar certos cuidados para manter a saúde nos períodos mais quentes do ano. De acordo com Magda Almeida, médica da família e professora do departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), o calor pode prejudicar o corpo e causar problemas sérios, como desidratação e insolação, além de tornar as pessoas mais irritadas.

Ela explica que a desidratação é mais comum em crianças e idosos, que às vezes não conseguem verbalizar ou ingerir água sozinhos. Segundo Magda, o perigo da insolação, que pode causar inclusive queimaduras na pele, deve ser prevenido não só com protetores solares, mas também com proteções físicas, como roupas de mangas cumpridas.

A alimentação deve incluir frutas que contêm mais água, como melancias e melões, indica a médica. Magda orienta ainda a preferência por ambientes abertos e com muita circulação de vento natural. “Apesar de estar muito calor, por conta das doenças respiratórias devemos evitar espaços fechados, com ar-condicionado e sem circulação de ar. Vamos aproveitar que a gente tem sol, praia e vento para estar em ambientes abertos”.

Arquitetura, urbanismo e a sensação térmica nas cidades

O concreto dos prédios e o asfalto das ruas têm papel fundamental no aumento da sensação térmica em metrópoles
O concreto dos prédios e o asfalto das ruas têm papel fundamental no aumento da sensação térmica em metrópoles (Foto: FCO FONTENELE)

As temperaturas, os ventos e a umidade do ar combinados influenciam como os seres humanos sentem conforto ou desconforto térmico. Nas metrópoles, como Fortaleza, a massa construída, o asfalto das ruas e a falta de árvores são fatores decisivos para modificar a sensação térmica dos habitantes.

“Em função das alterações que são feitas, substituição da cobertura vegetal por cobertura artificial, o fato de existir também uma intensidade do ponto de vista de tráfego, concentração de pessoas, aumento de calor que vem de indústrias, vão possibilitar que as cidades sejam mais quentes que as áreas rurais”, explica Maria Elisa Zanella, professora do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Para Renan Cid Varela, especialista em arquitetura bioclimática e professor da UFC, a utilização de materiais como o asfalto e concreto é um dos principais motivos para que a cidade fique mais aquecida. Ele explica que esses materiais acumulam calor, fazendo com que as cidades virem ilhas de calor. “Quanto mais denso, mais construído, mais essa capacidade de acumular calor vai ser percebida”.

Renan explica que a forma desordenada com que os prédios da cidade são construídos também influencia na circulação de vento dentro de Fortaleza. Ele defende que as construções da Capital favoreçam o conforto térmico, seguindo a abordagem bioclimática na arquitetura. "Essas construções devem ser adaptadas à realidade climática da cidade, e não devem se pautar apenas pela economia da construção”

Maria Elisa lembra ainda que as temperaturas também estão aumentando devido ao aquecimento global, fazendo com que seja urgente repensar o planejamento das grandes cidades para melhorar o clima. “A arborização urbana é um dos aspectos mais importantes a serem considerados para que a gente possa ter melhores condições de bem estar nessa cidade”, afirma.

Renan também menciona que algumas cidades já vem trabalhando “na contramão”, ou seja, buscando maneiras de amenizar o calor acumulado nos centros urbanos. A remoção do asfalto e substituição por pedras ou piso intertravado, o aumento da massa vegetada e de massa hídrica, como a construção de bolsões de água, como o Lago Jacarey, a Lagoa da Maraponga e o lago da Cidade da Criança, podem auxiliar o microclima da cidade. “Algumas iniciativas são muito bem vindas. Temos que ver como elas podem ser incorporadas à nossa realidade através de um planejamento integrado”.

A chegada do verão

O "caminho do Sol" varia durante o ano; quando está mais longe do leste, é porque se trata do solstício de verão
O "caminho do Sol" varia durante o ano; quando está mais longe do leste, é porque se trata do solstício de verão (Foto: Arek Socha / Pixabay )

A partir do dia 21 de dezembro, o verão chega no Hemisfério Sul com o Solstício de Verão. No Ceará, isso quer dizer que a temporada de chuvas mais intensas — a imprescindível quadra chuvosa — está cada vez mais próxima. Apesar disso, mudanças expressivas nas temperaturas não devem ser tão percebidas.

“Aqui no Ceará faz calor o ano todo e, nesta época, não há muita variação na temperatura média. Assim, o cearense acaba não percebendo a chegada do verão do ponto de vista do calor. Porém, com o início das chuvas, há uma leve redução na velocidade do ventos e, com a umidade mais alta, pode-se sentir um desconforto térmico maior, o popular abafado”, explica a gerente de Meteorologia da Funceme, Meiry Sakamoto.

A média de chuvas para janeiro, segundo a Fundação, é de 98,7 mm. O segundo mês da pré-estação chuvosa no Ceará tem mais que o triplo de chuvas esperadas para dezembro, quando a média é de apenas 31,6 mm.

O que fazer quando alguém passa mal de calor?

Devido ao calor extremo, algumas pessoas podem sentir uma queda de pressão momentânea. Saiba o que fazer nessas ocasiões:

1 - Tirar a pessoa de qualquer aglomeração ou espaço sem ventilação.
2 - Levá-la para um local com bastante ventilação natural.
3 - Deitá-la em uma superfície plana e fixa, como o chão.
4 - Levantar as pernas da pessoa um pouco acima do nível do corpo
5 - Oferecer bastante água, caso a pessoa esteja acordada.
6 - Caso a pessoa desmaie, esperar até 15 minutos para ela recobrar os sentidos.
7 - Caso ela não acorde após 15 minutos ou pareça machucada depois de cair desmaiada, ligar para o Samu pelo número 192.

Fontes: Magda Almeida, médica da família e Aline Lima, médica anestesista.

Como se proteger do estresse no calor?

Evite exposição direta ao sol principalmente entre as 11h e 15 horas;

Beba bebidas frias, principalmente água, especialmente durante exercícios.

Proteja sua pele com roupas leves e soltas com cores claras.

Tome banhos frios.

Borrife água sobre a pele ou roupas.

Evite excesso de álcool.

Fonte: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).

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