O presidente Jair Bolsonaro embarcou ontem, por volta das 18 horas, para a Rússia. A viagem ocorre em meio ao aumento da tensão militar entre o governo de Vladimir Putin e a Ucrânia. O chefe do Poder Executivo, contudo, usou a pauta comercial para justificar a ida a Moscou. Na Base Aérea de Brasília, antes de partir para o exterior, Bolsonaro fez a transmissão de cargo para o vice-presidente Hamilton Mourão, agora presidente em exercício.
Em conversa com apoiadores mais cedo, Bolsonaro voltou a citar o comércio entre Brasil e Rússia como motivo de sua viagem ao país. "Sabemos o momento difícil que existe naquela região. Temos negócios com eles, comerciais. Em grande parte, nosso agronegócio depende dos fertilizantes deles. Temos assuntos para tratar sobre defesa, sobre energia, muita coisa para tratar. E o Brasil é um país soberano", declarou.
O presidente disse que torce pela paz na região. "A gente quer a paz, mas tem que entender que todo mundo é ser humano aí. Vamos torcer para que dê certo, se depender de uma palavra minha, o mundo teria paz", completou o chefe do Executivo, ao citar outros conflitos que ocorreram no mundo no passado.
Bolsonaro chega à Rússia nesta terça-feira, 15, e deve se encontrar com Putin na quarta-feira, 16. Depois de Moscou, o presidente segue para Budapeste, capital da Hungria, onde deve se reunir com o primeiro-ministro Viktor Orbán, nacionalista de extrema-direita.
Ao desembarcar em Moscou, Bolsonaro atrai os holofotes internacionais para si. Amanhã, quando chegar ao Kremlin, o presidente estará pisando na sede da segunda maior potência militar e nuclear do planeta. O presidente ganha, de alguma forma, uma janela para sair do isolamento internacional a que levou o Brasil, hoje visto negativamente em diversos aspectos por Washington e Bruxelas.
Rejeitado por líderes da União Europeia e pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que nunca lhe deu um simples telefonema, Bolsonaro receberá na Rússia a deferência que recentemente encontrou apenas em países autoritários do Oriente Médio. Ao atender ao chamado de Vladimir Putin, estará na prática colaborando com a tentativa russa de demonstrar normalidade em dias de tensão. Moscou afirma que os exercícios militares na fronteira com a Ucrânia são legítimos e classifica como "histeria" os alertas que os norte-americanos disparam ao mundo, alertando para o risco do iminente conflito militar que poderia comprometer a paz em Kiev.
Bolsonaro vai tentar se esquivar da crise militar, apesar das pressões dos Estados Unidos para dar um duro recado a Putin. É natural que as movimentações de tropas surjam na conversa entre os presidentes, já que Brasil e Rússia ocupam assento, no momento, no Conselho de Segurança da Organização da ONU. Os ministros da Defesa e chanceleres também farão consultas mútuas. Na instância adequada — as Nações Unidas —, o Itamaraty pregou o diálogo em vez do uso da força.
A fotografia de Bolsonaro com Putin certamente se somará ao acervo que já reúne imagens com Xi Jinping e Narendra Modi, como forma de o Planalto rebater críticas à condução ideológica da política externa. O encontro no Kremlin também serviu para Bolsonaro incomodar a Casa Branca e pleitear um encontro com Biden — de quem o presidente brasileiro vive se queixando, dizendo que o democrata "não tem tempo" para ele e que a alegada indisposição seria eco de um alinhamento pessoal com o ex-presidente Donald Trump.
Bolsonaro afirma que Putin é um conservador e existem semelhanças entre eles — a exemplo da relação conturbada com imprensa e opositores, aproximação com religiosos e a valorização da "masculinidade". Mas do ponto de vista geopolítico, não há. Na América Latina, os russos sustentam relações próximas e ajudam na sustentação econômica e militar de regimes de esquerda em Cuba e na Venezuela, hostis aos EUA. (Da Agência Estado)
Panorama
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que "é hora de desativar" a crise entre a Rússia e o Ocidente sobre a Ucrânia, tanto no terreno quanto pela via diplomática.
Guterres se disse "profundamente preocupado". "Simplesmente não podemos aceitar sequer a possibilidade de um confronto tão desastroso", disse, ao destacar que "não há alternativa à diplomacia".
Os povos russo e ucraniano estão relacionados por aproximadamente mil de história, desde a época da Rússia Kievana, um Estado eslavo medieval.
Após a revolução bolchevique, a Ucrânia se converteu em uma república soviética, mas depois da independência, em 1991, as tensões entre os países se acentuaram até o ápice em 2014.
Em meio a esse clima, a Rússia anexou a península da Crimeia e apoia desde então os rebeldes separatistas no leste do país, um conflito que segue em curso e já custou a vida de 14 mil pessoas.
O pior acidente nuclear da história ocorreu em 26 de abril de 1986 na Ucrânia, então república soviética, quando reator de Chernobyl explodiu, contaminando três quartos da Europa e da URSS.
Vice
O vice, general Mourão, disse não ver problema na viagem de Bolsonaro. "Na semana passada, o presidente da Argentina Alberto Fernández esteve lá, zero trauma". Fernández foi há duas semanas