Logo O POVO+
Selic a 12,75% age sobre consumo, crédito e investimentos
Reportagem

Selic a 12,75% age sobre consumo, crédito e investimentos

| JUROS | Banco Central elevou a taxa de básica de juros ao maior patamar em cinco anos na tentativa de frear a inflação no País e conter fuga de investidores internacionais
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Cartão de crédito se torna um risco para o orçamento, vide a elevação do rotativo (Foto: Bárbara Moira)
Foto: Bárbara Moira Cartão de crédito se torna um risco para o orçamento, vide a elevação do rotativo

A décima elevação seguida da taxa básica de juros pelo Banco Central (BC), chegando a 12,75%, deve resultar em um novo cenário para consumidores, investidores e setor produtivo no País. Os efeitos do maior índice em cinco anos levam à restrição do consumo, maior cautela nos investimentos e ainda retração pelas empresas, o que traz impactos sobre emprego e renda, segundo apontaram analistas ouvidos pelo O POVO.

 

 

O aumento dos juros pelo BC é a principal arma para conter a inflação e, neste ciclo, iniciado em março de 2021, o choque já é o mais forte desde 1999, quando o BC elevou a Selic em 20 pontos porcentuais de uma vez só. No entanto, a inflação continua acelerando e acumula 11,3% em 12 meses e 3,2% em 2022.

 "A Selic é o instrumento mais rápido porque freia o consumo cada vez mais. Mas aí estamos caminhando para uma situação cada vez mais crítica porque é uma estagnação completa da economia", diz Davi Azim, do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), apontado para elementos externos como causadores do processo inflacionário atual.

Crises geradas a partir do conflito entre Rússia e Ucrânia e os novos lockdowns no Oriente, especialmente na China, "desalinharam as cadeias produtivas", segundo analisa, e devem aprofundar a inflação por a demanda ser maior que a capacidade produtiva em todo o mundo. Ou seja, os preços devem ficar mais caros ainda neste ano e o aumento dos juros não vai conseguir contê-los.

"É um momento de muita volatilidade. É difícil tomar uma decisão de longo prazo nesse momento. O que muda mais na subida de juros são as compras de longo prazo, como um veículo ou um imóvel. Quem tem uma posição devedora deve tentar sair de taxas pós-fixadas, para não ficar dependendo do mercado. De acordo com a sua vida financeira, tentar se blindar um pouco desse momento volátil", aconselha Bruno Alberto, sócio da Arêa Leão Consultoria Empresarial.

Impacto sobre o consumo 

No caso do setor produtivo, empresas devem sofrer o impacto da redução do consumo diante de uma necessidade maior de capital de giro para adquirir produtos cuja produção está comprometida pelo encarecimento dos insumos.

Desestimulados, esses empresários devem reduzir o investimento, segundo analisa Azim, o que representa sérios riscos à geração de emprego e renda no País.

As incertezas devem ainda tornar os investidores mais cautelosos, de acordo com a avaliação de Azim, que aponta ainda uma desaceleração do mercado de capitais. "Mesmo que isso motive a entrada de investidores externos naquele mercado chamado 'hot money', aquele de entrada rápida e, quando ganha, sai do País", afirma.

 Já Alberto avalia o momento como "relativamente bom", pois "o juro real, que é o que mais interessa ao investidor, que é a diferença entre juros nominais e inflação, a tendência é que continue a aumentar."

"Em questão de bolsa, depende muito de como essa taxa de juros vai se comportar, e existe ainda a expectativa dos agentes econômicos se a economia vai reagir no segundo semestre ou não. E tem ainda a oportunidade do mercado externo, que está um pouco estressado pela questão da guerra e o aumento de juros pelo Fed que não era tão esperado. Mas, hoje, mesmo o investidor pequeno tem a oportunidade de investir fora do País", aponta.

Como a alta dos juros americanos impacta o mercado?

A alta de juros no Brasil ocorreu no mesmo dia em que o Federal Reserve, o banco central americano, também decidiu elevar a taxa básica do país em 0,5 ponto porcentual, para uma faixa entre 0,75% a 1% ao ano. Foi o maior aumento de juros feitos nos EUA desde o ano 2000. Apesar de baixa em comparação com a Selic, a taxa americana tende a subir este ano, uma vez que o Fed ainda está no início do ciclo de aperto monetário.

"O alerta que a gente pode fazer é de uma volatilidade maior, de risco maior das coisas mudarem mais rápido do que esperado. Bolsa e câmbio têm expectativa de impacto", diz Bruno Alberto.

Os EUA, assim como o Brasil, enfrentam uma inflação elevada e o BC americano busca frear a alta de preços elevando os juros. É uma forma de esfriar a demanda na economia, uma vez que a alta de juros torna o crédito mais caros. Com taxas mais elevadas, consumidores tendem a consumir menos e as empresas podem postergar investimentos.

"Os americanos sabem que quando elevam a taxa de juros deles, se tornam mais atrativos para o capital. É uma situação muito grave para o mundo de uma forma geral, afinal, saímos agora de uma pandemia e será que a tendência do Fed é continuar aumentando os juros? Se continuar perdurando a guerra e o lockdown na China, possivelmente vamos ter esse movimento pelos Estados Unidos novamente", comenta Davi Azim. (Com Agência Estado)

 

Dieese: custo da cesta básica sobe nas capitais no mês de março
Dieese: custo da cesta básica sobe nas capitais no mês de março

Tendência é de efeitos mais severos para os mais pobres

Com a inflação sem controle, aumentar os juros básicos da economia ainda deve causar efeitos severos sobre os mais pobres. Essa camada da população tem o salário mais desonerado pelo aumento dos preços e, com a Selic maior, as tomadas de empréstimos, o cheque especial e o cartão de crédito também se tornam mais caros e um risco para o orçamento familiar. No Ceará, onde a situação de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza é elevado, o impacto é ainda maior.

"Para uma região de renda média menor, na questão do aumento de juros, isso pesa mais quando a gente fala em consumo. Se a renda média da família, pelo menos nominal, não muda, o que muda mais é a inflação, que acaba pesando mais no preço do produto", explica Bruno Alberto, sócio da Arêa Leão Consultoria Empresarial.

O Ceará, por exemplo, registra rendimento domiciliar per capita de R$ 1.028 em 2020, o que o torna o 13º do País, mas ainda fica abaixo da média nacional (R$1.380).

"A balança comercial do Estado do Ceará importa mais do exporta e entre os estados da federação também. É um estado relativamente pobre, com PIB relativamente baixo, especialmente, no setor industrial, e dependemos muito dos serviços. E serviços tem muito a ver com poder aquisitivo das pessoas, que neste momento está reduzido pela inflação alta e crédito caro", arremata Davi Azim, do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), apontando ainda um risco para os cofres públicos.

Com a estagnação, ele aponta menores recursos arrecadados pelo Estado, seja junto a empresários ou consumidor comum, uma vez que "queda de investimento, produção e consumo gera queda arrecadatória." "Diante disso, tem menor receita corrente líquida e menos espaço para poder aplicar recursos em políticas públicas", alerta.

 

Repercussão

INDÚSTRIA

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou "excessiva" a nova alta na taxa Selic, anunciada ontem pelo Banco Central. "Para a indústria, a taxa de 11,75% ao ano já era suficiente para reduzir a inflação e a decisão do Banco Central, de elevar novamente a taxa básica de juros, piora expectativas sobre crescimento da economia", diz a CNI em nota, na qual classifica a decisão como "equivocada."

INCORPORADORAS

A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) disse considerar a decisão do Copom como "técnica" para conter a inflação. "A taxa dos financiamentos imobiliários é atrelada à remuneração da poupança e a mesma não irá subir na mesma proporção que a Selic", afirmou Luiz França, presidente da Abrainc.

 

Entenda como a taxa básica de juros mexe com seu dia a dia


Afinal, o que é a Selic?

Selic é a abreviação de Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Sistema que o Governo usa para controle de emissão, compra e venda de títulos públicos, além de controle da inflação. Já a Taxa Selic é a taxa básica da economia brasileira, que impacta em diversos setores da economia e da vida da população.

Mas por que ela está subindo?

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu ontem, 4 de maio, elevar a taxa de juros em 1,00% para 12,75%. Para isso, considerou diversos fatores, como o ritmo de recuperação da economia, os estímulos fiscais externos, mas esta é uma estratégia de frear a alta da inflação, que vem fechando acima da meta desde 2020.

E como isso ocorre?
Em cenários em que a inflação está acelerando, como agora, o Banco Central eleva os juros na expectativa de que, encarecendo o crédito, haja também uma redução no consumo. Logo, se a procura por produtos e serviços é menor, os preços tendem a cair. Em um cenário inverso, onde a inflação é baixa, há margem para reduzir os juros sem gerar pressão inflacionária.

Alterar a Selic traz outros reflexos. Confira alguns:

Juros dos bancos

Ter uma taxa de juros maior não é muito bom no dia a dia das empresas e das pessoas. Isso porque a Taxa Selic é uma das principais referências usadas pelos bancos para definir as taxas de juros das operações de crédito. Ou seja, vai ficar mais “caro” para o consumidor fazer um empréstimo, por exemplo. Os juros do crediário, do rotativo do cartão e do cheque especial devem subir. Mas esse repasse pode variar muito entre produtos e bancos, já que nesta conta pesam fatores como inadimplência, taxa de administração, etc.

Investimentos estrangeiros e dólar

O aumento da Selic é positivo, no entanto, para atração de investimentos estrangeiros. Quem investe em títulos brasileiros ganha com os juros maiores, o que faz entrar mais dinheiro no País. Com mais dólares entrando, a tendência é que a moeda americana, hoje cotada em R$ 4,90, também caia. O risco, porém, é que como esses investimentos são muito especulativos, qualquer instabilidade interna ou externa pode mudar o cenário e fazer com que esse dinheiro seja retirado.

Contas públicas

Porém, ao elevar a taxa básica de juros, o Governo também contribui para o aumento do custo da dívida pública. Isso porque boa parte dos títulos públicos que foram comercializados pelo governo brasileiro são corrigidos pela Selic na hora do resgate. Logo, sempre que essa taxa aumenta, o custo do endividamento público federal cresce junto, ou seja, a dívida do Brasil no exterior fica maior.

Os setores econômicos e o emprego

Se juros maiores encarecem o crédito e afetam o consumo, prejudicam as empresas. Principalmente aqueles setores que dependem mais diretamente do crédito para concretizar a venda, como o segmento imobiliário, o de veículos e o comércio varejista. Mas, em menor ou maior grau, todos são afetados, já que muitas empresas precisam fazer financiamentos para comprar equipamentos ou para o capital de giro. E, se as empresas têm mais dificuldades para crescer, há mais desemprego, e a economia encolhe.

Poupança

A remuneração dos depósitos de poupança é composta de duas parcelas: a remuneração básica, dada pela Taxa Referencial (TR), mais a adicional que é calculada conforme a Selic. Se a taxa básica de juros for superior a 8,5% ao ano, o rendimento é de 0,5%. Já nos casos em que a Selic for menor ou igual a 8,5%, o rendimento será equivalente a 70% de seu valor no período.

Outros investimentos

Investimentos de renda fixa como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Tesouro Direto, em maior ou menor grau, fazem esse mesmo movimento. Seja porque alguns títulos são indexados à taxa Selic (ou seja, vão render o valor da sua variação), ou porque estão vinculados ao Certificado de Depósitos Interbancários (CDI), que é a média da taxa de juros praticada pelos empréstimos feitos entre os próprios bancos.

Evolução dos juros

Histórico da Selic em um ano (%)

05/08/2021:5,25
23/09/2021:6,25
28/10/2021:7,75
09/12/2021:9,25
03/02/2022:10,75
17/03/2022:11,75
04/05/2022:12,75
Fonte: Banco Central

Histórico dos juros americanos em 1 ano

16/06/20210,25
28/07/20210,25
22/09/20210,25
03/11/20220,25
15/12/20210,25
26/01/20220,25
16/03/20220,50
04/05/20221,00

Fonte: Federal Reserve (FED)

Juros básicos pelo mundo

País - Taxa Atual
Brasil - 12,75%
União Européia - 0,00%
Estados Unidos - 1,00%
Inglaterra - 0,75%
Suíça - 0,75%
Japão - 0,10%
Rússia - 14,00%
Índia - 4,00%
China - 3,70%
Fonte: Investing.com

O que você achou desse conteúdo?