O Brasil tem 33,1 milhões de pessoas em situação de fome. O número representa um acréscimo de 14 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar (IA) grave se comparado a 2021. Além disso, mais da metade da população nacional registra algum grau de insegurança alimentar: 58,7% do total, o que representa 125,2 milhões de pessoas. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil e foram divulgados ontem.
Responsável pela pesquisa, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) afirma que o País regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990 — em 1993, período de superinflação, a estimativa era de 32 milhões. Não bastasse a fome, a insegurança hídrica também é uma realidade no País: 12% da população afirmou ter falta de acesso regular e permanente à água.
A pesquisa ainda mostrou que a fome no Brasil tem um perfil específico. Negros, mulheres, pessoas com menos escolaridade e renda e famílias com crianças com menos de 10 anos estão entre os mais vulneráveis. No aspecto cor/raça, 18,1% das pessoas pretas ou pardas entrevistadas demonstraram estar em insegurança alimentar grave, contra 10,6% dos lares chefiados por pessoas brancas. Quando o assunto é gênero, seis em casa dez lares comandados por mulheres convivem com algum tipo de insegurança alimentar.
Da mesma forma, 67% dos domicílios com renda maior que um salário mínimo têm segurança alimentar garantida, assim como a fome é maior onde o chefe do lar está desempregado (36,1% têm IA grave), trabalha como agricultor familiar (22,4%) ou tem emprego informal (21,1%). E há fome em 22,3% dos lares onde os responsáveis têm quatro anos ou menos de estudo e em 18,1% dos domicílios que têm crianças de até 10 anos.
As regiões Norte e Nordeste apresentam situação mais crítica, segundo o inquérito. No Norte, 25,7% dos habitantes estão em situação de insegurança alimentar grave, pior número do País. No Nordeste, são 12,1 milhões de pessoas em situação de fome, 21% do total, o que é o segundo pior resultado registrado entre as regiões.
Além disso, 15,9 milhões de pessoas relataram aos pesquisadores "sensação de vergonha, tristeza ou constrangimento" nos três meses que antecederam a entrevista por terem adotado "estratégias socialmente inaceitáveis para garantirem a alimentação dos seus integrantes".
A pesquisa aponta a crise econômica, a pandemia e o desmonte de políticas públicas voltadas à segurança alimentar como principais responsáveis por esse retrocesso. Mesmo o Auxílio Brasil, destaca o inquérito, não foi capaz de mitigar a situação, já que 21,5% dos lares em que as famílias recebiam o benefício tinha insegurança alimentar grave.
“São imperativas a implementação de ações para a geração de renda e a promoção da alimentação adequada e saudável, como também o retorno de ações regulatórias frente à inflação de alimentos, com destaque para a constituição de estoques de alimentos e o estímulo à produção oriunda da agricultura diversificada de base familiar”, aponta o inquérito.
"Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013 reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros (tirando o País do Mapa da Fome mundial)", explica o coordenador da Rede Penssan, Renato Maluf. Em 2014, relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) retirou o Brasil do chamado "Mapa da Fome", segundo um indicador criado pela Organização das Nações Unidas. O mecanismo, porém, foi substituído desde então.
"As medidas tomadas pelo Governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante do cenário de alta inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulneráveis", completa Maluf. (Com informações de Agência Estado).
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