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Acusado de matar Zé Maria do Tomé vai a júri popular 12 anos após o crime
Reportagem

Acusado de matar Zé Maria do Tomé vai a júri popular 12 anos após o crime

Zé Maria do Tomé foi morto em 21 e abril de 2010 e sua luta era contra a pulverização aérea de agrotóxicos
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6/5/2010 - Limoeiro do Norte - Homenagem ao líder rural José Zé Maria do Tomé, assassinado em confronto sobre pulverização aérea na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte.  (Foto: Deivyson Teixeira, em 06/05/2010)
Foto: Deivyson Teixeira, em 06/05/2010 6/5/2010 - Limoeiro do Norte - Homenagem ao líder rural José Zé Maria do Tomé, assassinado em confronto sobre pulverização aérea na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte.

Francisco Marcos Lima Barros vai à júri popular no dia 6 de setembro deste ano acusado do homicídio triplamente qualificado contra José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé. O crime completou 12 anos no dia 21 de abril.

Zé Maria era um ambientalista que lutava contra a pulverização de agrotóxicos na Chapada do Apodi, na região de Limoeiro do Norte, a 202 km de Fortaleza. A prática deixava efeitos nocivos na saúde dos agricultores. Ele era da comunidade de Tomé e atuava nos movimentos populares. As mobilizações do líder rural fizeram com que uma lei que proibia dispersão do veneno, feita por aviões, na região, fosse aprovada na Câmara Municipal de Limoeiro do Norte.

Um mês após a morte de Zé Maria, essa lei foi revogada. Em 2018, a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei Estadual que proíbe a pulverização, de autoria do deputado Renato Roseno (Psol). A lei 16.820/2019 foi sancionada pelo governador Camilo Santana (PT), que tornou o Ceará no primeiro Estado a adotar a legislação a favor da proteção ambiental e saúde pública. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar a lei e, atualmente, está em julgamento, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas.

 

O promotor de Justiça que está com o caso se chama Felipe Aguiar. Ele relata, com base no processo, que tem aproximadamente 4.500 páginas, que o caso foi registrado no dia 21 de abril de 2010, data do crime. Zé Maria do Tomé foi morto com cerca de 20 tiros em uma estrada carroçável. A denúncia só seria realizada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) dois anos depois e surgiu apenas após outra morte, esta em Banabuiú, a 216 km de Fortaleza.

Na ocasião, suspeitos tentaram matar um policial, que reagiu, ocasionando duas mortes. Um dos óbitos era de um homem chamado Westilly Hytler, que contava com vários homicídios na ficha corrida. A arma de fogo e o celular dele foram apreendidos e, assim, o assassinato de Zé Maria do Tomé começou indiretamente a ser desvendado.

Luta de Zé Maria era contra a pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi
Foto: Deivyson Teixeira, em 06/05/2010
Luta de Zé Maria era contra a pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi

Isso porque as cápsulas usadas na morte de Zé Maria vieram da arma de Hytler, segundo comprovou comparação balística. Após autorização para quebra de sigilo de dados telefônicos do suspeito morto, foi verificado que no dia do crime ele se comunicou com Francisco Marcos e Antônio Wellington.

Francisco Marcos vai a júri popular no dia 6 de setembro. Ele se tornou o único réu porque Wellington foi morto durante um confronto com a Polícia, após a denúncia do Ministério Público. Eles não são, porém, os únicos suspeitos.

Depois de chegar ao nome dos dois supostos executores, as investigações apontaram João Teixeira, empresário da região da Chapado do Apodi, e José Aldair, que trabalhava para o empresário, como mandantes. No inquérito policial, os quatro foram indiciados e o caso foi recebido pela Justiça em 2016. Todos foram pronunciados no dia 13 de agosto de 2015. No entanto, João Teixeira e José Aldair recorreram ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e tiveram ganho de causa.

Único réu, Marcos nega ter cometido o crime e dizia não ter conversado com as pessoas identificadas no celular. Depois, assumiu ter conversado com Hytler no Rio de Janeiro (RJ), mas refuta tê-lo contratado para executar Zé Maria do Tomé. João Teixeira e José Aldair nunca foram presos. Antônio Wellington e Francisco Marcos chegaram a ter as prisões decretadas e cumpridas, mas, no decorrer do processo, foram soltos. Até hoje, 12 anos após o homicídio, o único réu responde em liberdade.

Nos autos do processo, depoimento de testemunhas aponta que Zé Maria do Tomé tinha problemas com João Teixeira por três questões: a pulverização de agrotóxicos e o dano que o veneno causava à localidade; uma discussão particular sobre terras e a questão de assentamentos da região. Uma reunião de Zé Maria com João Teixeira estava marcada para um dia depois da morte dele.

Na época do crime, a lei municipal contra a pulverização de agrotóxicos estava em vigência e Zé Maria do Tomé teria fotografias e um vasto material de comprovava o descumprimento da lei. Ele estaria com um pendrive e com documentos, que desapareceram quando foi executado.  

De acordo com o promotor Felipe Aguiar, a esposa de Hytler foi uma das testemunhas e disse que ele afirmou que tinha ido matar José Maria. Ao todo foram ouvidas 14 testemunhas. "Ele era conceituado na região, respeitado. O assentamento hoje tem o nome dele, Zé Maria do Tomé, e ele era líder dessas pessoas que procuravam alguma terra para produzir. Ele identificou a contaminação da água da comunidade pelo veneno dos agrotóxicos", afirma.

Família quer saber quem são os mandantes

Filha de Zé Maria do Tomé, Márcia Xavier vive sem o pai há mais 12 anos. Ela relata que o legado dele permanece e que tudo o que o líder rural falava sobre os efeitos negativos da pulverização de agrotóxicos se concretizou.

Publicação do O POVO de março de 2017
Foto: reprodução
Publicação do O POVO de março de 2017

Márcia diz que a família aguarda, ansiosamente, o julgamento do réu acusado de participação na morte de Zé Maria, mas ressalta que há alguns pontos do caso que precisam ser esclarecidos. Ela relata que é necessário identificar por qual motivo o réu teria se envolvido no crime. E a mando de quem. "Nós queremos que ele explique, no julgamento, qual o interesse (dele), que ele dê os nomes (dos mandantes)", explica.

A filha afirma que o pai falava que o câncer ia matar muita gente na Chapada do Apodi devido ao veneno dos agrotóxicos e que ia ter uma época que a comunidade não ia ter água para beber. Márcia diz que essa época chegou. "Ele tinha razão no que ele falava", explica.

Para Márcia, o principal objetivo para execução de seu pai era "calar a boca dele". A filha comenta que, no começo, todos os parentes ficaram assustados, mas, com o tempo, entenderam que o intuito e alvo era Zé Maria. Eles afirmam que foram apoiados por movimentos sociais e que pretendem participar do julgamento.

"Aqui estamos nós, falando por você, já que calaram a sua voz"

Maria de Jesus dos Santos é da coordenação estadual do Movimento Sem Terra (MST). Ela relata que a luta de Zé Maria surgiu da necessidade. A região do Baixo e Médio Jaguaribe é responsável por reconcentrar a terra. A Chapada do Apodi era, já então, uma serra com muitos moradores e em toda a área existiam dois latifúndios que não passavam de mil hectares. Com a chegada do perímetro irrigado houve uma concentração de terras e surgiu uma luta das famílias por acesso a esses terrenos de maior capacidade de plantio. Zé Maria iniciou a luta pela associação da Chapada do Apodi.

Familiares e amigos em frente ao local onde Zé Maria foi morto, no município de Tomé na Chapada do Apodi em Limoeiro do Norte. Caminhada pede justiça para José Maria do Tomé, que lutava contra o uso de agrotóxicos e foi assassinado em 21 de abril de 2010. (Foto: Sara Maia/O POVO)
Foto: Sara Maia em 20/4/2013
Familiares e amigos em frente ao local onde Zé Maria foi morto, no município de Tomé na Chapada do Apodi em Limoeiro do Norte. Caminhada pede justiça para José Maria do Tomé, que lutava contra o uso de agrotóxicos e foi assassinado em 21 de abril de 2010. (Foto: Sara Maia/O POVO)

"Eu conheci ele no trabalho da associação, nosso primeiro contato foi quando houve o endividamento das famílias. Eles plantavam feijão e produção de alimento. No momento da colheita, da floração do feijão, houve falta de fornecimento de água para os canais. Os que tinham terra se endividaram, pois pegavam emprestado do banco para fazer o plantio", relata Maria de Jesus.

A líder do MST diz que, na época, surgiram grandes empresas, que foram concentrando terras e gerando monocultivos de fruticultura. Foi dessa forma que começou o fenômeno da pulverização aérea na Chapada do Apodi. "E foi grave. O avião espalhava veneno, comunidades se acabaram por causa do envenenamento, não havia condições das famílias permanecerem, pois elas estavam no centro dos plantios e tiveram que sair. O Zé Maria começou uma luta de muitos. Ele não estava sozinho.

Maria de Jesus relata ainda que muitas pessoas morreram em razão do envenenamento. Em 1998, as mulheres da região trancaram uma estrada que dá acesso às empresas e impediram a entrada de mais de 14 mil trabalhadores para as empresas. Foi um grande protesto com mais de mil mulheres, relata. "No dia que assassinaram o Zé Maria, o MST estava em luta em Fortaleza, nós descemos em dois ônibus para participar do velório".

Atualmente, o acampamento Zé Maria do Tomé, batizado em nome do mártir da luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos, vive sob a possibilidade de despejo. Maria de Jesus relata que as famílias da Chapada do Apodi têm direito às terras, e não somente os empresários. "Nós estamos na luta contra grilagem de terras por empresas estrangeiras, pelo algodão que está envenenando e matando as abelhas e contra o envenenamento do nosso aquífero Jandaíra. A presença do Zé Maria é presença viva e seu sangue clama por Justiça", relata. 

 

Linha  do tempo do caso

21 de abril de 2010 - Zé Maria do Tomé foi morto com 25 tiros em Limoeiro do Norte. Ele denunciava o uso indiscriminado dos agrotóxicos, principalmente da pulverização área.

25 de Julho de 2012 - A juíza Flávia Setubal, de Limoeiro do Norte, aceitou a denúncia do Ministério Público do Ceará contra João Teixeira Júnior, empresário de produção e comercialização de frutas e do gerente da empresa, José Aldair. Além deles, Francisco Marcos Lima Barros e Wellington Ferreira de Lima.

23 de agosto de 2013 - Antônio Wellington é morto durante uma operação policial em Milagres.

19 de agosto de 2015 - A Justiça de Limoeiro do Norte mandou a Júri Popular João Teixera Júnior e José Aldair Gomes Costa e Francisco Marcos.

25 de janeiro de 2016 - Os advogados Paulo Quezado e João Marcelo Pedrosa, defensores dos réus, entram com recurso contra a decisão da Justiça

22 de fevereiro de 2017 - Desembargador Francisco Martônio, relator do caso, votou pela absolvição dos três acusados. O desembargador Haroldo Máximo pediu vista do voto.

16 de março de 2017 - Haroldo Máximo vota pela absolvição de João Teixeira e Aldair. E decide que o agricultor Francisco Marcos deve ser levado á júri popular.

16 de março de 2017 - A desembargadora Adelineide Viana vota pelo júri popular dos três Réus. Francisco Martônio reformula o voto e segue Haroldo Máximo: o empresário e o gerente foram inocentados e o caseiro vai a julgamento. 

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