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Crônicas de Natal
Reportagem

Crônicas de Natal

Diálogo, resistência, solidariedade, novos horizontes, paixão..., tudo permeado pela esperança, são fragmentos de desejos que costuram as pequenas crônica de Natal que você pode ler a seguir. Neste Natal, OP+ convidou parte do time que, ao longo do ano, partilha, por aqui, textos no gênero mais charmoso de narrativa: a crônica. Apreciem! Feliz Natal!
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O sentimento que permeia o Natal está presente nas crônicas de colunistas do O POVO (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS O sentimento que permeia o Natal está presente nas crônicas de colunistas do O POVO

As luzinhas, as árvores, os presentes, a ceia dividida com quem amamos. O Natal é uma daquelas datas que parecem ter um script a ser seguido, uma experiência compartilhada e universal. Mas, na realidade, as vivências desse período são únicas. Apesar de termos as mesmas 24 horas de hoje, cada um tem uma expectativa diferente do que deve ser esse dia.

Nos últimos anos, com um vírus incessante, a comemoração tradicional, muitas vezes, não foi sequer possível. Famílias enlutadas, afastamento de parentes e amigos queridos por discordâncias políticas, dificuldades financeiras, isolamento necessário. O período acabou ficando com outras marcas. O que esperar deste dia daqui para frente? A volta do tradicional ou um novo olhar?

Neste Natal, O POVO publica memórias e visões de dez colunistas em forma de crônicas sobre a data, reunindo os religiosos, os sem crenças, aqueles que compartilham as esperanças e desilusões, os que relembram o passado e os que planejam como preencher o calendário dos meses que virão.

Para a editora da plataforma O POVO+, Regina Ribeiro, as particularidades do Natal de 2022 mereceram a mobilização dos colunistas para o projeto especial Crônicas de Natal. “É o primeiro, em dois anos, com pandemia controlada, e é o primeiro em quatro anos, que se sente uma certa normalidade voltando aos poucos à vida brasileira. Durante todo o ano os colunistas catalisaram os sentimentos e os sentidos de 2022, então, este é um bom momento de esperança, muito pé no chão, mas muita esperança de um tempo realmente Novo”.

Então, convidamos você a assistir e a ler sobre esperanças de Natal pelas mensagens de Ana Miranda, Antônio Lima Neto, Ariadne Araújo, Demitri Túlio, Henrique Araújo, Izabel Gurgel, Marília Lovatel, Nello Rangel, Regina Ribeiro e Tarcísio Matos.

É preciso acreditar na vida 

Por Izabel Gurgel, produtora cultural e cronista do O POVO 

A cada final de ano, Icó, no Centro Sul do Ceará, a cerca de 370 km de Fortaleza, se transforma em uma cidade lapinha. A cidade se ornamenta, cada pessoa entra em estado de festa. É uma celebração do tempo. É uma oração ao tempo.

Há vários modos da Cidade se preparar para celebrar o ano que se encerra e o ano que começa outra vez. Eu quero mandar os meus desejos de boas festas para você daqui da casa do Juan e da Norma Viana, em Icó. É uma das centenas de casas da cidade lapinha que prepara presépio, uma Cidade toda feita à mão. Para dizer para você que, sim, é preciso acreditar na vida.


Lutemos de mãos dadas

Por Tarcísio Matos, escritor, humorista e cronista do O POVO

Natal chegando, ano novo se aproximando. Que essa energia própria do período inunde os nossos corações de luz, de paz, de otimismo, de esperança, de felicidade. E que essa energia, tão própria de agora, se prolongue, se estenda pelos dias que virão. Especialmente no ano que vem. Para o nosso crescimento pessoal, espiritual e também coletivo. Lutemos de mãos dadas, porque a gente vai chegar lá, em tempos melhores, num mundo melhor. Porque o ano novo começa dentro de cada um de nós. Eu acredito. Acreditemos. Abraço de paz e de luz.


Tempo de reconciliação

Por Ana Miranda, escritora e cronista do O POVO:

O Natal sempre foi a grande festa da família brasileira. E eu espero que esse Natal seja a grande festa da reconciliação das famílias que tiveram conflitos por causa das questões políticas, das diferenças de opinião. Feliz Natal.

Tempo de ficar mais feliz

Antônio Lima Neto, epidemiologista e colunista do O POVO

Um diálogo entre duas crianças aqui no centro de Fortaleza trouxe de volta minha infância. Eram irmãos. Ela tinha ganhado uma bonequinha dele, estava feliz e perguntou o que era o Natal. Ele fingiu não ouvir, ela insistiu. “Sei lá, acho que é um tempo de ficar mais feliz”.

Também não sabia o que significava a celebração. Sempre achei, no entanto, que era uma festa de crianças. Nos presépios, o personagem principal era um recém-nascido. O feliz Natal tem sido substituído pelo neutro “boas festas” em vários lugares. Os desejos de felicidade não se associariam mais às religiões cristãs. Faz sentido e, acho, surgiu pela necessidade do ocidente de sinalizar respeito pelas minorias religiosas que habitam seus países.

No Brasil, essa tendência parece ainda restrita. Somos um País onde, por exemplo, as religiões de matriz africana, absurdamente perseguidas, festejam de algum modo a data. É uma percepção de que celebrar o nascimento de Jesus simboliza bons sentimentos. Não seria ofensivo, assim como referenciar datas importantes do judaísmo ou do islamismo.

E eu, que não creio, fico com essa ideia do Natal que transcende e nos estimula a nos entender, a sermos mais solidários sem o filtro da religiosidade, sem o Deus que nos vigia. Uma ideia ainda mais interessante depois de um tempo pandêmico tão difícil. Feliz Natal e um ano novo cheio de alegria para todos.

Esperança a nossa resistência

Por Nello Rangel, psicólogo e cronista do O POVO

Cá estamos com o fim de ano que se aproxima. Ainda enfrentamos a pandemia. Acabamos de passar por um processo eleitoral muito desgastante, com um clima de violência e incompreensão perpassando famílias e amizades. A guerra surgiu assustando a todos. 2022 ainda é um ano de muita luta. 2023 se aproxima. O que esperar?

Eu espero, com o tempo, retomar a conversa com alguns amigos e parentes queridos que se distanciaram. Eu espero ver as pessoas com menos medo. Protegidas por novas doses de vacina. Eu espero ver as pessoas voltarem a falar sobre política com outras pessoas que não pensam como elas sem maiores problemas. Eu espero encontrar as pessoas mais leves, mais tranquilas e esperançosas.

Julio Cortázar, em um de seus livros disse: "Provavelmente, de todos os nossos sentimentos, o único que de fato não é nosso é a esperança. A esperança pertence à vida, é a própria vida se defendendo".

Li há algum tempo atrás que o período de maior nascimento de crianças é durante pandemias e guerras. Isso sugere que, mesmo em períodos de tanta luta, a esperança resiste em cada nova vida que nasce. Nesse Natal e ano novo, façamos da esperança a nossa resistência. A nossa teimosia de apostar na vida e na convivência amorosa entre as pessoas.

Que a esperança seja a fresta por onde o ar fresco possa entrar em nossas casas, trazendo um novo alento, uma nova força. 

Sabedoria de preparar bons horizontes

Por Ariadne Araújo, jornalista e cronista do O POVO:

O meu calendário de 2023 já está pronto. Produzido e impresso em casa mesmo, ainda com todas as casas branquinhas, vazias, pontos de interrogação. Tempo e espaço ainda no plano do possível. Olhando janeiro eu penso: o que nos espera neste ano que vem? De que será feito este porvir que marcará meu calendário?

Eu sei, tentar se no abismo das datas futuras ativa alguns medos fundamentais. Pela nossa saúde, de perder alguém querido, do risco de uma desgraça. Mas em um dia que ficou perdido no tempo, ouvi de uma entrevista com o filósofo Frédéric Worms mais ou menos o seguinte: que a construção dos nossos dias felizes no amanhã talvez dependa de uma preparação que nos dê o mínimo de confiança e de garantias para o que a gente tanto quer nessa vida.

É preciso, segundo ele, construir um horizonte suficientemente bom para que esse medo não venha devorar o nosso frágil presente. Acho que nós, os brasileiros, realizamos coletivamente o que diz Worms ao prepararmos um bom horizonte para 2023. E isso é de ficar anotado no nosso calendário emocional de 2022.

A sabedoria de preparar bons horizontes que a gente possa dizer, como Belchior, "Ano passado eu morri, mas esse ano eu morro". Porque se o pior é possível, o melhor também é. Então, em 2023, vamos calcular o melhor. De Portugal, muito esperançada, que o ano seja bom e novo para todos.

A palavra Natal

Henrique Araújo, jornalista e cronista do O POVO

A natalidade é uma brincadeira e um modo de ser-se outro a partir de um marco que estabelecemos para nós mesmos. De repente, eis a chance de fazer da virada de página uma oportunidade não de melhora individual e performática, essa que anima o jargão da eficiência egoísta, mas de andar no rumo de uma vida boa.

E o que é uma boa vida? É essa que temos pela frente, cujo horizonte se mostra logo ali, dobrando a esquina, num aceno de mão, nos cheiros, no vento repovoando as ruas.
A gente sabe que, ao pé da letra, ninguém de carne e osso morre e revive senão pela palavra, que pode ser tanto essa de crença para quem tem fé quanto uma que opere o milagre pelo simples fato de estar lá.

Há algo de miraculoso em que se possa desenhar um futuro, imaginar um porvir diferente do presente, em projetar o sonho para diante do nariz e, ao mesmo tempo, aproximá-lo do nosso chão. Dizer de si para si: como seria...

Natal é ocasião especial para celebrar a palavra na sua vivência híbrida, material e espiritual, gente e bicho, amor e desejo. É apenas por isso que nos pomos em redor de uma mesa para ter neste dia um encontro em que estendemos fios uns aos outros, à procura de manter entretecidos nossos elos de família e de amigos, de gente de casa e de fora, do bairro e da cidade.

Penso numa vida renovada não porque acredite que, tão logo o calendário vire, um golpe do tempo se instaure, apagando o pretérito, sobretudo depois de tudo que se viveu num país como o nosso neste ano tão machucado. Mas porque creio na palavra como esse pequeno gesto encantatório cuja capacidade de fazer existir sempre há de surpreender. A gente diz, e de pronto um mundo inteiro se inventa diante de nós. Às vezes, é o que basta.

As coisas invisíveis do Natal

Por Regina Ribeiro, jornalista e colunista do O POVO


Parece um dia como outro qualquer. Mas só parece. O dia de Natal amanhece cheio de esperança, mas é como se ela se dissolvesse em pontinhos invisíveis pelo ar. Quando o sol se põe, a cidade brilha de um jeito único. Milhões de luzinhas brancas e coloridas enfeitam a noite. Lembro-me de um passeio que fazíamos sempre com os filhos crianças pela cidade para vermos juntos árvores que davam frutos luminosos, lojas que se vestiam de luzes piscantes, árvores de Natal gigantes. Era uma festa.

O rosto deles colocados da janela do carro, a confusão para se revezarem nas extremidades do banco traseiro para poder ver melhor os desenhos iluminados, as expressões genuínas de uma alegria que só criança consegue viver nessa época.

Este Natal, me lembro deste tempo, é para ter certeza que uma nova esperança remoça em mim. Estou feliz neste 2022, à espera de 2023 com um novo governo que não será perfeito, mas terá um novo jeito de lidar com o Brasil e todas as suas problemáticas.

E.., só de pensar que não verei ministro armado postando foto em clube de tiro,
só de imaginar que não lerei notícias de um presidente que desacata todo mundo a toda hora, só de ter certeza de que teremos uma política cuidadosa com as pessoas, só de saber que a religião não será usada como ferramenta de discriminação e opressão discursiva por parte do mandatário, só de reconhecer que haverá mais gente lutando pela paz do que pela guerra de uns contra os outros no País, o Natal ganha um outro sentido para mim.

Que o Natal de 2022 nos traga luz e paz. E 2023 chegue com alegria, renovo, esperança, amor, humor, firmeza, bondade, compaixão. Só assim seremos melhores.

Eu desejo (desilusões)

Demitri Túlio, jornalista e cronista do O POVO

Natal poderia durar mais de um mês. Outubro, novembro e dezembro. Ter luzinhas coloridas piscando por mais semanas nas varandas das casas, dos prédios, das praças. Talvez, se eu me colocasse no lugar dos bichos, retiraria das copas das árvores fartas as lâmpadas miúdas para não empatar o sono dos pássaros e de outros invisíveis. Eles também precisam do breu.

É um desejo, o sentimento exagerado de esperança no corpo de alguns milhares quando o ano cartesiano (e chato) está por um fio. Há desejos em outras festas. Carnaval, São João, Dia de São Francisco, mas no Natal... essa ilusão doce, profana, rogatória e esperançosa de sempre.

Vou começar de novo o texto. Fortaleza, 24 de dezembro de 2022. O Natal poderia, talvez, durar mais tempo. Dois, três meses e mais luzinhas piscando a Cidade quando anoitece.

Talvez, se eu não fosse antropocêntrico, não arrodearia de pisca pisca as copas das árvores dormitórios, pássaros e outros seres também precisam do breu para se aquietar no ocaso de mais um dia.

Natal, sem apelar para religião ou passagem do caminhão da Coca-Cola, é um conto para suspender o juízo, você deseja e fantasia. É bom esperançar mesmo que não aconteça. Se Papai Noel existisse, seria muito chato.

Já desejei muita chuva para o povo (nós) do Semiárido, já desejei uma bicicleta na infância, desejei um beijo na boca quando nunca tinha sido namorado.

Vou terminar o ano, cartesiano (e chato), desejando saúde para quem foi furtado dela, que ninguém seja surpreendido por tocaia alguma. Se for, que se cure.

Doei e vou desejar plaquetas para quem está carecendo, é um presente lindo para se oferecer. Para quem bem-queremos e para quem nem conhecemos. Desejo uma multidão de doadores de sangue, de rins, fígado, olhos, corações... Vou, também, desejar retorno para casa ou conforto para quem está numa UTI.

Desejo refloresta para as devastadas e rebrota da terra queimada.

Vou desejar uma paixão quase sempre e um amor quando for e corpo cheio de borboletas.

São os votos aleatórios, uma carta nunca entregue, de outro dezembro na vida e a sensação estranha de infância. De ressentir o cheiro da tinta nas paredes porque meu avô penteava a casa e a retelhava para o Natal e, depois, para o inverno incerto se “Deus” mandasse para (mais) um ano novo.

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