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Crimes sexuais virtuais na infância são desafio para pais e autoridades
Reportagem

Crimes sexuais virtuais na infância são desafio para pais e autoridades

Crimes virtuais têm feito cada vez mais vítimas entre crianças e adolescentes, como estupro, exposição de imagens íntimas e aliciamento. No Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração de Crianças e Adolescentes, é mais uma oportunidade de discutir para prevenir os casos
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FORTALEZA, CEARÁ, 16-05-2023: Blitz para conscientização contra exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, no Cuca Mondubim. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo). (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 16-05-2023: Blitz para conscientização contra exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, no Cuca Mondubim. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo).

“Um cara pegou na minha perna”. “Perto da Areninha, tem um velho gaiato que sempre fala besteira”. “Outra vez, no ônibus, um homem ficou se encostando”. Os relatos são de meninas de 14 anos, moradoras do bairro Mondubim, em Fortaleza. Elas fazem parte da faixa etária e do gênero mais vitimizados por abuso e exploração sexual no Ceará: foram 1.394 crimes sexuais contra crianças e adolescentes em 2022, sendo 88% meninas e 69% tendo entre 9 e 17 anos.

Os números são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). De acordo com os dados, em 2023 foram registrados 435 crimes sexuais com alvos infantis. Nesta quinta-feira, 18 de Maio, é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração de Crianças e Adolescentes, é mais uma oportunidade de informar, discutir, prevenir, monitorar e cuidar.

Em Fortaleza e no Ceará, alguns avanços estruturais nos eixos de prevenção e atendimento são observados. O Programa Rede Aquarela, que promove ações e dá apoio em todos os eixos da temática, virou política pública em 2020, o que o tornou mais sólido. O depoimento especial, que não revitimiza a criança, já é realidade. E desde julho do ano passado, as crianças que têm seus direitos humanos agredidos contam com a Casa da Criança, equipamento que concentra as instituições responsáveis por acolhê-las.

Outras lacunas, entretanto, persistem. E variam desde o tabu e o moralismo que impede que informações importantes cheguem ao público infantil até o contingente policial capacitado tecnicamente mas insuficiente para a demanda. Uma nova realidade também já bate à porta dos órgãos de proteção infantil, os crimes sexuais virtuais. “Já faz parte da nossa prevenção há algum tempo. Precisamos educar os adolescentes para o uso correto das mídias”, afirma Lídia Rodrigues, membro do Fórum Nacional da Criança e do Adolescente (DCA).

É preciso mudar a chave quando se fala em espaço virtual. A internet é comparada a uma praça pública e, atualmente, os mesmos crimes cometidos de forma presencial podem ter vítimas online. Os especialistas ressaltam a importância de orientar e monitorar. “Também existe muito moralismo. Os adolescentes interagem através da tecnologia e o envio de nudes é um exemplo disso. Eles trocam nudes, faz parte da dinâmica deles, então é necessário orientar sobre como fazer isso com segurança”, detalha Lídia.

“Proibir não educa e nem previne. A melhor estratégia é sempre dialogar, conhecer as plataformas, conversar sobre segurança e privacidade, ter interesse sobre o conteúdo que o adolescente acessa, o que ele faz na rede e com quem”, corrobora Bianca Orrico, psicóloga da Organização Não Governamental (ONG) SaferNet, que produz informações sobre crimes virtuais contra direitos humanos. Ela cita alguns dos riscos da internet para os mais jovens, como aliciamento sexual, exposição de conteúdos inapropriados, compartilhamento de dados pessoais sensíveis, assédio e exposição de imagens íntimas.

Casos como o que chegou à Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca) na última semana. Uma menina de 17 anos que teve fotos íntimas expostas por um ex-namorado. Apesar do aumento de casos, ainda não há uma tipificação específica para esse tipo de crime contra o público infantil. A Polícia Civil destaca que conta com instrumentos e ferramentas de inteligência que permitem rastrear quem compartilha, reproduz e produz imagens pornográficas envolvendo crianças. A Dceca informou ainda que casos de estupro virtual, recentemente destacado em uma novela, têm chegado com mais frequência.  

De acordo com a SSPDS, entre janeiro e abril deste ano, 61 pessoas foram capturadas no Ceará por crimes sexuais ou atos infracionais análogos contra vítimas de 0 a 17 anos. Uma ofensiva nacional, chamada "Caminhos Seguros", iniciada em 2 de maio, prendeu, no Estado, 50 pessoas com mandados de prisão preventiva ou condenatória. 

O crime sexual pela internet pode começar de forma inofensiva. Um simples bate-papo de um jogo online, que se estende por meses até que a confiança daquela criança seja conquistada. Em março, uma menina de 12 anos viajou do Rio de Janeiro para o Maranhão, de carro, com um homem que conheceu online. “Tivemos um aumento de pedidos de ajuda para denunciar a imagens envolvendo crianças e adolescentes. Isso é reflexo das pessoas que estão entendendo a internet como espaço de direitos e deveres”, destacou Bianca.

Violência sexual contra crianças e adolescentes

Sinais Físicos

-Lesões autoprovocadas
-Infecções sexualmente transmissíveis
-Coceiras na área genital
-Corrimento ou outras secreções vaginais e penianas
-Dores de cabeça, no peito e barriga sem causa
-Dor, inchaço, lesões ou sangramento nos genitais
-Dificuldade em caminhar ou sentar
-Ganho ou perda de peso repentinamente

Sinais Comportamentais

-Baixa autoestima, timidez ou vergonha excessiva
-Medo de uma pessoa específica
-Isolamento, tristeza ou depressão
-Ideação suicida
-Medo de lugares escuros e fechados
-Crises de choro recorrentes
-Regressão no desenvolvimento
-Uso abusivo de álcool ou drogas
-Ganho de dinheiro ou objetos valiosos
-Falta ou excesso de higiene pessoal

Fonte: Rede Aquarela

A DENÚNCIA



Profilaxia: Se a criança disser ao responsável que houve penetração, ela deve ser levada diretamente a uma unidade de saúde para tomar a profilaxia de emergência, que inclui contraceptivos de urgência e medicação contra DSTs. Em Fortaleza, as unidades que oferecem esse serviço são: Gonzaguinha do José Walter, Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) e Hospital Infantil Albert Sabin (Hias).

-Casa da Criança e do Adolescente - inaugurado em 2022, o equipamento oferece acesso à Delegacia Especializada de Atendimento à Criança e ao Adolescente

-Perícia Forense para realização de exames

-Vara Especializada de Violência contra a Criança e Adolescente

-Promotoria Pública Especializada da Criança e Adolescente

-Defensoria Pública Especializada da Criança e Adolescente

-Atendimento psicoterapêutico

-Apoio à defesa da vítima e preparação prévia ao julgamento, com acompanhamento durante e após o julgamento

Depoimento especializado

Conselho Tutelar: quando acionado, vai notificar ou visitar o responsável para que seja feita a denúncia da Dceca. Os conselheiros podem acompanhar a família e a vítima para dar apoio e garantir que ela não será revitimizada

Escola: há nas escolas as Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra Criança e Adolescente, implementadas por Lei Estadual. A Comissão pode ser acionada por alunos ou profissionais da escola.

Em Fortaleza, a Secretaria da Educação afirma que implantou protocolo único de registro, com notificação padrão e fluxo definido para casos suspeitos de violência

Posto de Saúde: é nos equipamentos de atendimento em Saúde que é feita a notificação compulsória pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

Equipamentos de lazer como Cucas: há equipes multiprofissionais aptas a receber denúncias e encaminhar os casos para as suportes necessários
Delegacias: A Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (DCeca) é a unidade especializada. Mas outras delegacias também podem receber as denúncias

Cras: Os Centros de Referência e Assistência Social também recebem denúncias

Creas: Os Centros de Referência Especializado de Assistência Social também recebem denúncias


Qualquer instituição pública que faça atendimento à criança ou adolescente

A área da Saúde, composta por postos de saúde, Upas, Policlínicas e unidades hospitalares tem notificação compulsória de casos.

O Conselho Tutelar também tem o Sipia (Sistema de Informações para Crianças e Adolescentes )


O que é abuso sexual?

Não precisa ter contato físico
O abuso pode ser:
O olhar fixo para uma criança
Uma troca de fralda suspeita
Fazer as necessidades fisiológicas na frente da criança
O ato de “brechar”
Passar a mão no seio ou na genitália

O que é exploração sexual?

A exploração sexual é caracterizada pela relação sexual de uma criança ou adolescente com adultos, mediada pelo pagamento em dinheiro ou qualquer outro benefício. As principais formas são: pornografia, tráfico para fins sexuais e exploração sexual agenciada ou não

O que é depoimento especial?

A criança ou o adolescente é ouvido em uma sala específica, fechada, com transmissão para a sala de audiência. Psicólogas e assistentes sociais conduzem as perguntas.

INVESTIGAÇÃO

Após o Boletim de Ocorrência (BO)
Tem início a investigação
Há o recolhimento de materiais, como o exame pericial
Se for uma violência crônica, que não tenha acontecido nas últimas 72 horas, o exame poderá dar inconclusivo
Na maioria das situações, só há o depoimento

Exame pericial

Não existe no Brasil a perícia psicológica ou psiquiátrica. O exame pericial realizado é o físico, o sexológico.

Na Casa da Criança, o exame pericial é feito no local, de segunda a sexta, em horário comercial, até as 18h.

Se a denúncia chega à noite, nos feriados ou fins de semana, o plantão de atendimento será na Casa da Mulher Brasileira. A vítima deverá fazer o Boletim de Ocorrência e seguir ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer o exame.

Os peritos, no IML, não têm especialidade em exames sobre violência sexual contra crianças

O exame deverá indicar se houve conjunção carnal, o tamanho da violência e dos ferimentos, se há hematomas e se houve outros tipos de agressão

ACOMPANHAMENTO PSICOSSOCIAL

Quando os procedimentos de denúncias forem finalizados, o responsável deverá agendar o atendimento psicossocial, realizado na Casa da Criança

A previsão é de que o primeiro atendimento seja agendado para a mesma semana

Quando há recusa dos responsáveis em oferecer tratamento psicológico à criança, o Conselho Tutelar é acionado

NO AMBIENTE VIRTUAL

-É preciso entender que a internet é um local público, como uma praça. Os perigos não são os mesmos, mas existem

-Pais e responsáveis devem se aproximar cada vez mais sobre o que os filhos estão acessando. Entender o que a criança vê através dele mesmo

-Alguns termos que traduzem tipos de abuso sexual com crianças: sexting (troca de mensagens picantes), sextorsão (ameaça de divulgar imagens íntimas)

A SaferNet é uma Organização Não Governamental (ONG) que produz, há mais de 10 anos, informações sobre crimes virtuais contra os direitos humanos. Algumas dicas importantes podem ser encontradas no site:

-Redes sociais: a maioria só permite o acesso para maiores de 13 anos
Se a criança já tem um perfil, é preciso acompanhar a navegação, negociar tempos e acessos online, orientar sobre liberdade com responsabilidade
Se for acessado algum conteúdo que cause desconforto, afirme que você poderá ajudá lo em qualquer situação

-Fotos fofinhas: Compartilhar momentos fofos e engraçados com crianças se tornou uma prática comum online, entretanto, a exposição de imagens de crianças e adolescentes na rede deve ser autorizada previamente pelos pais e/ou responsáveis. Em seu site, a SaferNet oferece um passo a passo sobre como denunciar se houver alguma publicação sem autorização

-Mediação parental: A Safernet indica também quais ferramentas podem fazer com que os pais acompanhem as atividades das crianças na internet


 

 

 

 

 

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