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"Filhos" do Bolsa Família: como o programa transformou vidas no Ceará
Reportagem

"Filhos" do Bolsa Família: como o programa transformou vidas no Ceará

Da primeira leva de beneficiários que eram crianças ou adolescentes em 2005, 39% conseguiram entrar no mercado formal de trabalho; Números do Estado são melhores do que os da região Nordeste
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REPASSE do Governo com Bolsa
Família será de R$ 15 bilhões (Foto: MDAS/Divulgação)
Foto: MDAS/Divulgação REPASSE do Governo com Bolsa Família será de R$ 15 bilhões

No Ceará, 268.549 pessoas que, em 2005, eram filhos de beneficiários do programa Bolsa Família, estavam no mercado formal de emprego, na fase adulta, entre os anos de 2015 e 2019. O número representa 39% do total de contemplados na primeira leva do programa.

Os dados são de um estudo feito pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), a partir do cruzamento de dados do programa com as informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

O estudo mostra ainda que 24% deles permaneceram na Rais por três anos ou mais. Os resultados no Estado são melhores do que os da região Nordeste como um todo, que apresentou como médias 37% acessando em algum momento e 23% permanecendo três anos ou mais.

A região que mais se destacou foi a Sul, com 59% e 43%, respectivamente. No Brasil, em números absolutos, 5,2 milhões de pessoas, o que corresponde a 44,7% dos 11,6 milhões de filhos de beneficiários, aparecem na Rais pelo menos uma vez.

Na ordem por melhor desempenho, as regiões aparecem da seguinte forma: Sul (59%), Sudeste (55%), Centro-Oeste (53%), Nordeste (37%) e Norte (30%).

Bolsa Família é vetor de mobilidade social 

O estudo contabilizou os beneficiários que, em 2005, tinham idade entre 7 e 16 anos, e que no período entre 2015 e 2019 tivessem idade de estar no mercado formal de emprego. Esse recorte foi escolhido
levando em consideração o que pode ser chamado de primeira geração de “filhos” do Bolsa Família, criado no primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A análise, porém, não mede os reflexos da pandemia da Covid-19 sobre o mercado de trabalho.

Contextualizando o programa no início dos anos 2000, o Ceará era o quarto estado com mais beneficiários no Bolsa Família, no Brasil, representando 7,9% do total. O estado que aparecia com mais pessoas inseridas era Minas Gerais, com 12,2%, seguido da Bahia, 11,3% e São Paulo, com 10,5%.

Coordenador do estudo para o IMDS, o economista Paulo Tafner afirma que, neste recorte, foi percebido que “aproximadamente metade das crianças não estavam mais no CadÚnico, o que significa que saíram do grupo de maior vulnerabilidade social, a partir da oportunidade de renda recebida pelas famílias.”

Porém, nas regiões Norte e Nordeste, que tiveram desempenho pior do que a média nacional, há adultos que continuam no programa e muitos no cadastro do governo federal.

Como os dados coletados são da Rais, é importante destacar que estes são números que compõem o mercado de trabalho formal. “E esse é um patamar acima da grande realidade do mercado brasileiro, que tem uma informalidade enorme.”

Ainda sobre essas duas regiões, Tafner destaca as muitas variações entre os estados e suas realidades. “Na média elas estão menores do que o número nacional, mas tem locais que muitos (beneficiários) saíram do CadÚnico e locais em que quase ninguém saiu. Não há um padrão.”

O diferencial do Ceará

O economista comenta que o Ceará é um caso de destaque no Nordeste. “Isso é um indicativo de que o Estado tem elementos importantes que permitem que suas crianças ingressadas no Bolsa Família tenham um futuro melhor do que tiveram os seus pais.”

Conforme o estudo, os municípios cearenses onde tem mais pessoas que saíram da situação de vulnerabilidade social e ingressaram no mercado formal de trabalho estão na região metropolitana. Eusébio aparece em primeiro, com 53% e Fortaleza está em sétimo, com 48%.

Outro ponto apontado como curioso pelo coordenador do estudo é a migração de mão de obra de cearenses filhos do bolsa família, que foram para o mercado formal em outros estados. “Muita criança do Ceará que recebeu o Bolsa Família lá atrás, saiu do programa, mas em outro estado do Brasil. Isso significa que esse grupo migrou e com condições de acumulação de capital humano.”

Sobre a remuneração destas pessoas que apareceram no mercado de trabalho pelo menos uma vez, o que foi percebido no Ceará é que a maioria (59,4%) recebem entre 1 e 1,5 salário mínimo. Em segundo lugar aparece a faixa entre 0,5 e 1 salário mínimo, com 21,2%. Já, daqueles que ganham a partir de 10 salários mínimos, o percentual é ínfimo (0,1%).

“A escolaridade é fundamental para a renda. Crianças que atingem o nível médio têm um salto de salário. Se atinge o superior, dá um salto maior ainda. Progressão escolar é importante”, reforça Tafner.

No Estado, na faixa salarial que tem mais pessoas, a maioria tem ensino fundamental completo (61,4%), quase que empatado com quem tem ensino médio completo (61,2%).

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Ponto de vista: Nenhum centavo é em vão

Em um País em que as oportunidades são escassas para quem é de família mais pobre e mora em áreas periféricas, qualquer ajuda é bem-vinda. E por mais simples que seja oferecer para uma família como complemento de renda um valor próximo ao mínimo existencial, essa pode ser a diferença para o sucesso ou fracasso de jornadas.

Ter podido fazer parte do programa Bolsa Família e hoje vislumbrar uma trajetória que inclui a conclusão do Ensino fundamental e médio sempre com altas médias, além de fazer parte de uma minoria que tem um diploma do ensino superior é um privilégio.

Mas o fator positivo do programa vai além do macro e conversa com os detalhes. Dialoga com uma melhor alimentação, na oportunidade de comer uma proteína diferente e uma fruta no lanche. De, ao avançar na idade e no crescimento, ter roupas e sapatos do tamanho mais adequado. Ou mesmo ter a condição de tomar vitaminas que aumentem a imunidade contra doenças. Por mais simples que seja, nenhum centavo é em vão.

Por isso, observo que fortalecer os gatilhos do programa, prevendo a permanência na escola, é um fator fundamental para o sucesso do Bolsa Família. Mas, a realidade se impõe e crer que só o programa de transferência de renda básica "salve" uma geração de jovens, não se sustenta.

A crise da pandemia só veio deixar essa realidade mais desafiadora. Também trouxe luz às demandas que se impõem em meio às comunidades cada vez mais pobres, num notório processo de expansão de desigualdades em Fortaleza, em que o cerco da violência urbana é outra faceta.

O contexto para a juventude não é simples, por isso investir apenas num programa de renda sem uma base de investimentos em educação, saúde, cultura, acompanhamento psicológico e de formação profissional se torna insuficiente para que jovens que foram "filhos" do Bolsa Família não se tornem pais de novos "filhos" do mesmo programa. (Samuel Pimentel)

 

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